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Direita chilena sofre derrota esmagadora na eleição para Assembleia Constituinte

Publicado originalmente em 22 de maio de 2021

A eleição para a Assembleia Constituinte do último fim de semana no Chile assistiu a uma derrota esmagadora da direita dominante e da oposição parlamentar tradicional na escolha dos 155 deputados constituintes. Os resultados revelam tanto um aprofundamento do giro à esquerda entre as massas quanto a necessidade urgente de a classe trabalhadora romper com perigosas ilusões na via parlamentar promovida pelo Partido Comunista do Chile (PCCh) e pela Frente Amplio e suas organizações satélites pseudoesquerdistas.

Cercado por militares, Sebastian Piñera assina o decreto de estado de emergência em televisão nacional (Crédito: Presidencia de Chile)

Apenas 40% do eleitorado com direito a voto compareceu às urnas nas múltiplas eleições que incluíram cargos para governadores regionais, prefeitos municipais e vereadores. A Assembleia Constituinte terá até um ano para redigir uma nova constituição, cujas disposições-chave devem ser aprovadas por uma maioria de dois terços. Depois disso, outro referendo nacional decidirá se aceita ou não a nova constituição.

Aqueles que votaram esmagadoramente procuraram por candidatos que prometeram garantir na nova constituição uma saúde pública, um sistema de educação e previdência, direitos democráticos, o fim da desigualdade social, a redistribuição da riqueza, proteções ambientais e os direitos dos povos indígenas.

É preciso enfatizar, porém, que o capitalismo não pode garantir nenhuma dessas demandas porque é um sistema baseado na desigualdade social e na exploração. As ilusões em mitos reformistas falidos são tanto mais perigosas hoje à medida que os governos capitalistas, das nações imperialistas mais poderosas até os países semicoloniais, tentam resolver as crises políticas, sanitárias e sociais “permitindo que elas se espalhem”.

Com a pandemia do coronavírus, “democracias” tão diferentes como a Espanha e a Índia, a França e os EUA, garantiram apenas a morte gratuita. A implementação deliberada de políticas de imunidade de rebanho que colocam os lucros acima das vidas de milhões de pessoas permitiu à elite financeira e corporativa global aumentar sua riqueza em US$ 4 trilhões, alcançando US$ 14 trilhões no último ano – enquanto os trabalhadores e suas famílias tiveram que usar o que tinham guardado para se alimentar, sofreram com níveis recordes de desemprego, viram pessoas queridas morrerem em hospitais com falta de funcionários e com poucos recursos e foram forçados a enviar crianças não vacinadas à escola.

Confrontados nos últimos dois anos com uma ação industrial explosiva e uma erupção da luta de classes internacional, governos burgueses de todos os tipos estão flertando com formas autoritárias, conspiratórias e fascistas de dominação e externalizando suas crises através de conflitos fronteiriços ameaçadores e guerras regionais.

O Chile não é exceção. O presidente bilionário de direita Sebastian Piñera recorreu aos militares para resolver a erupção social de 2019 e decretou o estado de emergência pela primeira vez desde o retorno do regime civil. Com o apoio do Congresso, Piñera também aprovou leis draconianas que reforçam o aparelho repressivo e permitem o uso dos militares para adotar medidas policialescas. O Tribunal Penal Internacional aceitou a denúncia de um grupo de organizações de direitos humanos acusando Piñera e autoridades civis e militares de crimes contra a humanidade pela repressão policial que resultou em 36 mortes, desaparecimentos, centenas de mutilados e feridos e milhares de abusos de direitos humanos, atrocidades que continuam até hoje.

Embora supostamente se opondo ao governo e ameaçando denunciá-lo, toda a esquerda parlamentar, incluindo a Frente Amplio e os sindicatos do stalinista PCCh vieram em socorro e se ofereceram para trabalhar com o governo sitiado de Piñera e supervisionaram as conversações de paz de unidade nacional.

Eles fizeram isso para desviar as maciças manifestações anticapitalistas em direção a apelos inofensivos para mudar a constituição imposta sob a ditadura do General Augusto Pinochet. Uma greve geral em meados de novembro de 2019 imposta à confederação sindical dominada pelos stalinistas, a CUT, foi a última a ser convocada, pois um acordo entre a direita e a esquerda parlamentares lançou as bases para o plebiscito, realizado em outubro passado, questionando a constituição autoritária.

A partir de então, a esquerda e a CUT iniciaram protestos e acrobacias simbólicas alcançando apenas a dissipação da militância dos trabalhadores, enquanto os sindicatos da mineração, a indústria mais importante do Chile, iniciaram negociações que congelaram os salários e não tomaram nenhuma ação industrial apesar da propagação da COVID-19 nas principais cidades mineiras.

Em meio à carnificina causada pela pandemia do coronavírus no Chile – que possui 1,5 milhão de casos confirmados e suspeitos de COVID-19 nos últimos 14 meses e 35.000 mortes confirmadas e suspeitas – comunidades se revoltaram contra a fome, a falta de água corrente, a negligência governamental e a indiscriminada violência policial. Comitês de distribuição e cozinhas de sopa surgiram espontaneamente para atender às necessidades extremas da população.

A esquerda parlamentar e a burocracia sindical procuraram novamente desviar essas iniciativas com apelos populistas e acrobacias políticas.

Uma das manobras foi a favor de uma série de leis que permitem a retirada de contribuições para os fundos de pensão privados. Na realidade, a classe trabalhadora e a classe média estão assegurando suas próprias dificuldades econômicas, tendo retirado cerca de US$ 50 bilhões das Administradoras de Fundo de Pensão (AFP) para sobreviverem.

Outra manobra política foi a promoção de uma tributação única de 2,5% sobre os super-ricos e um aumento temporário de 3% no imposto sobre empresas, que, mesmo que aprovada no Senado, se revelará totalmente insuficiente para financiar a chamada renda básica para famílias carentes. Enquanto isso, os bilionários do Chile duplicaram sua riqueza durante a pandemia, de US$ 21 bilhões em março de 2020 para US$ 42,7 bilhões em abril de 2021.

Outra lei é uma de royalties sobre vendas de cobre aprovada em uma comissão da Câmara dos Deputados em 26 de abril, três semanas antes das eleições constituintes. No projeto de lei proposto, os royalties passam de uma taxa marginal de 15% quando os preços do cobre sobem acima de US$ 2,00 por libra para 75% quando os preços excedem US$ 4,00 por libra. Essa última manobra gerou preocupações entre as gigantes da mineração, embora seja pouco provável que seja aprovada no Senado.

Não foi uma surpresa para ninguém, exceto possivelmente para uma parte da elite, que tanto a direita em exercício quanto a tradicional esquerda parlamentar sofressem um recuo significativo nas eleições realizadas durante o fim de semana de 15-16 de maio. No plebiscito de outubro, 78% haviam votado pela revogação da constituição de Pinochet e pela eleição de uma Assembleia Constituinte. Além disso, todas as pesquisas mostraram que a população despreza os partidos do establishment, os tribunais e as instituições repressivas – o apoio de Piñera tem se mantido em um único dígito ou nos dois dígitos baixos nos últimos dois anos.

A coalizão de extrema-direita do Presidente Piñera “Chile Vamos”, formada pelos cúmplices civis do falecido general Augusto Pinochet da Renovação Nacional e da UDI, assim como o fascistoide Partido Republicano, conseguiu apenas 39 das 155 cadeiras constituintes, um número insuficiente para compor o terço dos votos necessários para vetar as mudanças.

A coalizão de centro-esquerda “Aprovo”, formada pelo Partido Socialista, a Democracia Cristã, o Partido pela Democracia e o Partido Radical, que governou durante 24 dos últimos 30 anos de governo civil, conquistou apenas 25 cadeiras.

Enquanto a coalizão “Aprovo Dignidade”, formada pelo PCCh e a coligação pseudoesquerdista Frente Amplio conquistaram apenas 27 cadeiras, eles provavelmente receberão apoio dos 48 constituintes independentes, muitos dos quais são de organizações sociais alinhadas com os stalinistas, assim como dos 17 representantes indígenas com cargos reservados.

O perigo encontra-se na expectativa infundada de que os stalinistas e a pseudoesquerda irão lutar pelos interesses da classe trabalhadora e das massas empobrecidas. Esses partidos e seus satélites, muitos dos quais concorreram como independentes, são liderados por figuras de camadas da classe média alta ligadas ao Estado capitalista ou que desejam ser integrados ao Estado e dele se sustentar. Todos eles são comprovadamente guardiões da propriedade privada capitalista.

O PCCh tem um longo histórico a esse respeito, tendo aberto o caminho para o golpe militar de 1973 e a repressão violenta contra a classe trabalhadora chilena ao subordinar suas lutas à chamada “via parlamentar ao socialismo” e ao governo burguês de coalizão da Unidade Popular de Salvador Allende.

O Chile sob Pinochet foi um laboratório para a contrarrevolução social que se espalhou pelo mundo inteiro com a globalização capitalista. A “esquerda renovada” e os burocratas sindicais se acomodaram prontamente ao novo normal nos anos 1980, abandonando até mesmo a pretensão de reformas sociais durante a chamada transição democrática do regime militar. Se os stalinistas não participaram das coalizões que governaram durante as duas primeiras décadas do retorno do regime civil em 1990, isso não foi devido a qualquer tipo de oposição de princípio.

No século XXI, essas organizações se apoiam em uma nova base social composta pela classe média alta – burocratas e funcionários públicos, profissionais qualificados, acadêmicos, jornalistas, advogados, celebridades – que promovem a política de identidade como meio de subir na escada política, social e de renda. Com esse objetivo, eles estão apresentando a “paridade de gênero” na Assembleia Constitucional e em outras instituições estatais, assim como a representação indígena e das minorias, como uma ilustração de uma vitória progressista e democrática, quando todo o exercício parlamentar recebeu a aprovação da reação imperialista.

A revista The Economist, porta-voz do imperialismo britânico desde os anos 1840, escreveu em março: “O Chile está embarcando em um processo potencialmente construtivo de redefinição... Em um país onde políticos e instituições, desde a igreja católica até a polícia, estão desacreditados, o processo é quase tão importante quanto o produto. Há novidades importantes: a assembleia deve ter um número amplamente igual de mulheres e homens, 17 cadeiras são reservadas para os povos indígenas e vários candidatos independentes serão provavelmente eleitos...”.

O influente think tank americano Council on Foreign Relations foi mais categórico em um relatório publicado no início deste mês:

A paridade de gênero na Assembleia Constitucional também poderia representar o primeiro passo para a igualdade de acesso das mulheres aos cargos de poder e aos processos de tomada de decisão. ... Tais compromissos de inclusão política são necessários para fortalecer a democracia no Chile e atender às necessidades há muito negligenciadas de seus cidadãos mais vulneráveis. ... Mas não importa o resultado, a inclusão de mulheres e grupos indígenas em níveis sem precedentes é um passo em direção a uma verdadeira governança democrática ... (grifo nosso)

A nova constituição não acabará com a crise capitalista, a luta de classes ou a ameaça de ditadura no Chile. O Estado capitalista não pode ser reformado, refundado nem “democratizado”. Pelo contrário, ele deve ser derrubado pela classe trabalhadora na luta para estabelecer um novo Estado baseado no controle operário.

A questão crítica enfrentada pela classe trabalhadora e pela juventude chilena é a da direção revolucionária. Um novo partido deve ser construído com base no genuíno programa do socialismo internacional revolucionário pelo qual o Comitê Internacional da Quarta Internacional tem lutado. Fundado por Leon Trotsky, somente esse partido internacional tem defendido a continuidade política do marxismo através de sua luta implacável contra o stalinismo, a socialdemocracia, o revisionismo pablista e todas as outras formas de antimarxismo nacionalista. Para levar adiante a luta revolucionária no Chile, a juventude e os trabalhadores devem estudar essas experiências políticas e teóricas estratégicas e tirar as conclusões necessárias.

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