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O Grande Terror de Stalin: Origens e Consequências

A palestra a seguir foi proferida pelo Professor Vadim Zakharovich Rogovin na Universidade de Melbourne, na Austrália, em 28 de maio de 1996. O professor Rogovin (Moscou, 1937 –1998) foi o maior sociólogo e historiador marxista soviético e russo da segunda metade do século XX.

O maior trabalho de Rogovin foi sobre a história da oposição marxista revolucionária, liderada por Leon Trotsky, à degeneração stalinista da URSS. O seu livro Existia uma Alternativa?, que cobre o período entre 1923 a 1940 é indispensável para uma compreensão do regime stalinista e de sua traição aos princípios e ao programa da Revolução de Outubro.

Rogovin documentou a imensa popularidade de Trotsky, mesmo após seu exílio da União Soviética em 1929, e determinou que o terror sangrento de Stalin nos anos 1930 se dirigia principalmente contra a influência política de Trotsky. Seus estudos em sociologia foram motivados para explicar a estratificação social da sociedade soviética, tendo focado nas desigualdades nos estilos de vida e no consumo, nas raízes sociais e políticas dos problemas da URSS com a produtividade do trabalho e no significado da justiça social.

O compromisso aberto de Rogovin com a defesa da igualdade fez com que se tornasse amplamente popular, o que foi reconhecido mesmo por estudiosos ocidentais. Entre suas obras estão A Justiça como Categoria Social-Filosófica e Socioeconômica (1982), O Fator Humano e as Lições do Passado (1984) e Sobre Benefícios e Privilégios Sociais (1989).

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Gostaria de agradecer aos organizadores deste encontro por me darem a oportunidade de falar a um grande público nesta grande universidade na Austrália. Hoje vou falar sobre alguns dos eventos mais trágicos da história moderna – eventos sobre os quais muitos livros e artigos foram escritos, mas sobre os quais há muito de enigmático e mal compreendido. Esses eventos históricos são às vezes referidos como os Grandes Expurgos, ou o Grande Terror, ou às vezes simplesmente como 1937. Eles têm poucas analogias na história.

É claro que no século XX não houve uma pequena quantidade de terror em massa e até mesmo de genocídio dirigido contra as populações civis. Nos campos de concentração de Hitler morreram mais pessoas do que nos campos e prisões de Stalin. Durante a Primeira Guerra Mundial, em poucos dias, mais de um milhão de armênios foram mortos.

Esses casos de genocídio étnico geralmente não foram acompanhados de uma demagogia tão sofisticada quanto na União Soviética. Na maioria dos casos, as vítimas não foram forçadas a confessar crimes terríveis que nunca haviam cometido.

O nosso país, a Rússia, viu três guerras civis no período de 20 anos e depois foi forçado a suportar o fardo de uma guerra mundial.

A primeira guerra civil se desenrolou de 1918 a 1920. Foi uma guerra na qual as massas revolucionárias se levantaram contra aqueles que, com a ajuda de intervencionistas estrangeiros, tentavam manter seus privilégios.

Essa guerra civil tinha muita coisa em comum com outras guerras civis após revoluções em outros países. Por exemplo, há muita coisa em comum entre a guerra civil russa e a que se desenvolveu na década de 1860 nos Estados Unidos. Trotsky encontrou tanta coisa em comum entre as guerras civis russa e americana que pretendia escrever um livro inteiro dedicado especificamente a essa questão.

A segunda guerra civil à qual me refiro durou aproximadamente seis anos, de 1928 a 1933. Ela tomou a forma de uma coletivização violenta e forçada desencadeada pelo grupo stalinista contra o campesinato como um todo e se transformou em uma virtual guerra civil de âmbito nacional.

Há muitos paralelos nessa guerra civil. Por exemplo, houve a Revolta da Vendeia dos camponeses contra a Revolução Francesa no final do século XVIII.

No entanto, para a terceira guerra civil, os eventos que chamamos de Grandes Expurgos, é impossível encontrar uma analogia histórica apropriada.

Nunca antes na história centenas de milhares de pessoas foram arrancadas de seus apartamentos, jogadas na prisão, submetidas a torturas, obrigadas a confessar crimes e depois exterminadas ou enviadas para campos de concentração. Não é surpresa que hoje, mesmo 60 anos após o Grande Terror, seja difícil para muitas pessoas abordar essas questões com tranquilidade.

Não muito tempo atrás, em minhas palestras na Inglaterra, encontrei muitos opositores diferentes. Um velho stalinista inglês me disse que qualquer conversa sobre o Grande Terror era apenas um exemplo de propaganda burguesa. Ele elogiou Stalin, que considerava ter salvado a Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial.

Leon Trotsky e dirigentes da Oposição de Esquerda em 1927

Para justificar seus elogios a Stalin, ele disse que 27 milhões de pessoas haviam morrido na União Soviética durante aquela guerra. Respondi observando que 27 milhões de pessoas eram aproximadamente a metade da população do Reino Unido naquela época. Perguntei-lhe então o que ele diria sobre Churchill se, na véspera de uma guerra, tivesse exterminado a flor da nação, incluindo muitos dos oficiais, e, como resultado de seus ultrajantes erros, o país tivesse perdido quase metade de sua população.

Outro opositor em minha palestra em Londres, um nacionalista ucraniano, perguntou por que eu prestava tanta atenção ao terror que era dirigido em grande parte contra os bolcheviques, mas ignorava o terror contra o povo ucraniano, que ele disse ter matado 15 milhões de pessoas.

Aqui temos um exemplo típico de como os anticomunistas tentam exagerar muito as vítimas do Grande Terror. Solzhenitsyn, por exemplo, diz que 60 milhões de pessoas supostamente pereceram nos campos e nas prisões.

Se você andasse por Moscou hoje durante a campanha pré-eleitoral, encontraria figuras semelhantes em várias bancas montadas por forças pró-Yeltsin. Essas figuras exibem cartazes que dizem: “não se esqueça que os comunistas destruíram 60 milhões de pessoas em nosso país”. Esses números, que sobrestimam em cerca de 12 vezes o número de vítimas, deveriam supostamente provocar a população.

E, naturalmente, em comparação, o número de pessoas que morreram na guerra desencadeada por Yeltsin na Chechênia é insignificante. E, em comparação, o bombardeio da Casa Branca, a sede do Soviete Supremo russo, em outubro de 1993, é insignificante. Apenas cerca de 1.000 pessoas morreram no decorrer dessa ação.

As forças de Yeltsin dizem que, se os comunistas voltarem ao poder, lançarão um terror que exterminará dezenas de milhões de pessoas. Esses números são citados mesmo que 40 anos após a morte de Stalin, que faleceu em 1953, não tenha havido praticamente nenhuma execução política na União Soviética. No dia seguinte à morte de Stalin, a nova onda de terror que havia preparado foi detida por seus sucessores e um processo de reabilitações em massa foi iniciado.

A maioria das pessoas ignora contra quem o terror foi dirigido. Números confiáveis mostram que durante todo o período da história soviética, aproximadamente quatro milhões de pessoas foram acusadas e condenadas por crimes contra o Estado. Dessas, aproximadamente 700.000 a 800.000 foram assassinadas.

Apesar de esses números serem impressionantes por si só, temos que complementá-los com outros. Por exemplo, aproximadamente metade do total de vítimas foi jogada na prisão durante um período de dois anos – 1937 e 1938. Durante esses dois anos, mais de seis vezes mais pessoas foram assassinadas do que durante todo o período restante da história soviética.

A segunda característica do Grande Terror é que seus principais alvos foram os comunistas. Dos dois milhões de pessoas que foram reprimidas durante esse período de dois anos, mais da metade deles eram membros do partido no momento de sua prisão.

Além disso, no início do Terror, havia aproximadamente um milhão e meio de pessoas que tinham estado anteriormente no partido, mas que haviam sido expulsas por pertencerem a várias oposições. Muitas dessas pessoas foram presas e exterminadas durante o Grande Terror.

Há outro mito sobre o Grande Terror que é apoiado e difundido por muitas tendências políticas diferentes. É possível encontrar esse mito no relatório secreto de Kruschev sobre os crimes de Stalin apresentado ao 20º Congresso do Partido em 1956, ou nos trabalhos de anticomunistas abertos como Robert Conquest e Solzhenitsyn.

Esse mito diz que praticamente toda a população da União Soviética foi silenciada de maneira atônita pelo terror, ou não disse nada sobre a repressão, ou acreditou cegamente e apoiou o terror. Esse mito também afirma que as vítimas da repressão eram completamente inocentes de quaisquer crimes, incluindo a oposição a Stalin. Elas foram, pelo contrário, vítimas da paranoia excessiva de Stalin. Como não havia oposição séria ao regime de Stalin, de acordo com esse mito, as vítimas não eram culpadas de tal oposição.

Para refutar esses mitos, basta recorrer a vários dossiês e histórias de casos que vieram à tona recentemente e foram publicados.

Por exemplo, há o caso do mundialmente conhecido físico e ganhador do Prêmio Nobel, David Landau. Parece que esse jovem físico e intelectual, que estava ocupado com seu próprio trabalho, que não era membro do partido e que aparentemente não estava envolvido em política, teria sido culpado de nada e, portanto, preso sem qualquer fundamento.

Recentemente, o dossiê de seu caso foi publicado. Durante a investigação, Landau foi confrontado com um folheto antisstalinista que ele ajudou a reproduzir e que estava se preparando para distribuir. O comunista Kopets, que era colega de Landau, admitiu ter escrito o panfleto. Ele conseguiu que o panfleto fosse reproduzido e atraiu Landau e outros estudantes e físicos para a conspiração. Eles pretendiam distribuir o panfleto em uma manifestação do Dia do Trabalhador em 1938.

Recentemente, muitos exemplos de tais folhetos foram publicados. Eles foram escritos por pessoas sobre as quais pouco sabemos, mas eram pessoas que escreveram a partir de uma posição comunista consistente, e que defendiam uma luta contra Stalin e seu grupo porque traíram o socialismo. O conteúdo desses folhetos só pode ser interpretado como um chamado para derrubar o sistema político existente, ou, para ser mais preciso, Stalin e seu grupo.

Claro que são incidentes isolados, mas antes do início do Grande Terror havia uma oposição muito mais ampla, mais séria e bem-organizada ao stalinismo por causa de seu afastamento cada vez maior dos ideais do socialismo. Essa batalha contra Stalin começou em 1923 com a formação da Oposição de Esquerda. A luta no interior do partido se desenvolveu de forma cada vez mais acentuada ao longo dos anos 1920.

Milhares e milhares de comunistas participaram dessa oposição – abertamente nos primeiros dias e, após a proibição dos grupos de oposição, de maneira clandestina e ilegal – contra a abolição da democracia partidária pelo grupo de Stalin no partido.

Eles se pronunciaram contra a coletivização forçada e os métodos equivocados de industrialização que estavam levando a uma grande privação para a grande maioria do povo soviético. Eles se pronunciaram contra o crescente sistema de privilégios e a desigualdade social. A burocracia usurpou o poder político da classe trabalhadora e estava consolidando sua posição e seus privilégios.

Uma mudança significativa ocorreu na oposição em 1932 quando ficou claro que as políticas aventureiras da direção stalinista haviam conduzido o país a uma crise econômica e política extremamente aguda.

Nessa época, em 1932, não apenas os antigos grupos de oposição se tornaram mais ativos, mas a eles se juntaram novos grupos de oposição recém-formados. Entre esses talvez o mais interessante é o chamado grupo Ryutin.

Riutin era um velho bolchevique que passou por uma evolução muito complexa. Durante a década de 1920, ele era um fervoroso stalinista, mas por volta de 1930 chegou à conclusão de que estava errado em muitos pontos e que uma nova luta tinha que ser travada contra a burocracia stalinista. Ele procurou formas de se unir à Oposição de Esquerda, com os trotskistas.

Martemyan Ryutin (1890 – 1937) (Wikipédia)

O grupo Ryutin publicou um documento de mais de 100 páginas chamado “Plataforma Ryutin”. Ele expôs a crise econômica e política em todo o país sobre todas as questões básicas. Stalin e seu grupo temiam muito esse documento e se recusaram a distribuí-lo aos membros do Comitê Central que estavam discutindo a expulsão de Ryutin. O Comitê Central decidiu condenar Ryutin e votar contra a plataforma sem tê-la lido.

Ao mesmo tempo, milhares de trotskistas que não tinham capitulado permaneceram no exílio ou na prisão em todo o país. Entre eles estavam muitos membros importantes do partido. Duas escolhas estavam diante de cada um desses opositores. Ou eles podiam assinar uma carta de capitulação e voltar ao interior da burocracia para assegurar posições – ou eles podiam se recusar a assinar tais declarações e permanecer no exílio nos campos de prisioneiros ou nos confins mais distantes da União Soviética.

É interessante notar que dezenas e dezenas de opositores no exílio foram trazidos de volta a Moscou quando o primeiro Processo de Moscou estava sendo preparado em 1936. Nem um único deles que se recusou a assinar uma carta de capitulação concordou em dar falso testemunho. Por essa razão, eles não foram incluídos no primeiro Processo de Moscou, mas foram assassinados durante os interrogatórios secretos anteriores ao julgamento.

É significativo que em 1932 muitos representantes de diferentes tendências da oposição começaram a discutir a necessidade de formar um bloco unificado antisstalinista para derrubar a direção de Stalin e implementar novas políticas.

A plataforma Ryutin afirmava que até agora todas as diferenças anteriores que existiam no Partido eram menores do que a nova linha divisória que colocava os comunistas uns contra os outros. Ou você estava a favor do grupo stalinista e dos crimes que estava cometendo contra o povo, ou você era a favor de devolver o partido aos princípios do socialismo de Lenin, expulsando o grupo stalinista.

Ivan Smirnov, um dos ex-líderes da Oposição de Esquerda que havia capitulado formalmente e depois retornado à atividade da oposição, partiu em uma viagem oficial de negócios a Berlim em 1931. Ele estabeleceu contato com o filho de Trotsky, Leon Sedov, e depois começou a discutir a necessidade de coordenar esforços entre Trotsky no México, seu filho na Europa e o recém-formado bloco de oposição composto de antigas e novas tendências na União Soviética.

Leon Sedov, filho de Trotsky, morto em 1938 por um agente stalinista da GPU

Embora muitos membros destas tendências de oposição tenham sido presos no final de 1932 e no início de 1933, nenhum deles deu informações sobre a formação deste bloco unificado antisstalinista. Somente em 1935 e 1936, quando uma nova onda de prisões se seguiu ao assassinato de Kirov em dezembro de 1934 e muitas pessoas foram submetidas às piores torturas, a polícia secreta, a GPU, descobriu a existência do bloco unificado desde 1932. Esse foi um dos principais fatores que levou Stalin a desencadear o Grande Terror.

Quando olhamos agora para os Processos de Moscou, podemos ver que 90% do que foi dito por aqueles que foram levados a julgamento era um conglomerado fantástico de mentiras. Eles confessaram ser agentes da Gestapo, que espionavam em nome de governos estrangeiros, conduziam sabotagem, etc. Mas cerca de 10% do que foi dito era verdade. Eles tentaram estabelecer contato entre si e lutar pela derrubada do grupo de Stalin.

O Grande Terror não foi causado apenas pelo medo crescente de Stalin da cada vez maior oposição comunista na União Soviética. Ele também estava ligado a sérios problemas de política externa. Stalin ficou cada vez mais alarmado com a crescente influência das ideias de Trotsky à medida que ele reunia mais apoiadores no movimento para fundar a Quarta Internacional.

Embora todos os partidos comunistas oficiais no exterior tenham permanecido completamente subservientes à Internacional Comunista, que por sua vez foi manipulada por Stalin, um número cada vez maior de grupos de oposição trotskistas cresceu em praticamente todos os países em apoio à Quarta Internacional.

Nos arquivos da Internacional Comunista pode-se encontrar muitos documentos, em grande parte preparados para uso interno, que testemunham o fato de que a oposição teve grande influência em quase todos os países, que muitas vezes exerceu forte influência nos sindicatos e nos partidos socialistas, e que estava alcançando vários milhares de membros em alguns países.

Na Espanha, onde o resultado da guerra civil ajudaria a determinar se haveria uma Segunda Guerra Mundial, existia um poderoso partido marxista, o POUM. Embora tenha rompido com a Quarta Internacional, o POUM levou a cabo políticas antisstalinistas consistentes. O medo de Stalin de que a Quarta Internacional pudesse aumentar sua influência e se tornar uma ameaça à Internacional Comunista stalinizada em muitos países o forçou a concluir que deveria realizar o Grande Terror. Milhares de pessoas foram vítimas da perseguição stalinista não apenas na União Soviética, mas no exterior.

Nunca devemos esquecer que, naquela época, cerca da metade dos regimes da Europa capitalista eram regimes totalitários fascistas ou semifascistas. Muitos comunistas, socialistas e democratas fugiram desses países e buscaram asilo político na União Soviética. Na URSS havia dezenas de milhares de comunistas e simpatizantes comunistas estrangeiros, quase todos eles vítimas dos Grandes Expurgos.

Há muitos relatos de como as vidas desses emigrantes políticos eram terríveis na União Soviética, mesmo que eles viessem de países democráticos burgueses. Por exemplo, Audrey Blake, esposa de um importante comunista australiano, escreveu que na década de 1930 todas as informações estrangeiras foram bloqueadas e que qualquer discussão sobre as ideias de Trotsky era proibida.

Tive a oportunidade de me encontrar com muitos ex-comunistas sobreviventes nos Estados Unidos que disseram que toda a literatura trotskista foi banida. O medo de seus líderes era tão grande que proibiram que esse material fosse lido. Entretanto, as consequências do Grande Terror não podem ser simplesmente medidas pelo assassinato e pela prisão de milhares e milhares de vítimas na União Soviética, de pessoas extremamente dedicadas à Revolução de Outubro e ao socialismo. As consequências foram muito maiores.

Quando a notícia do Grande Terror chegou ao Ocidente, milhares, talvez centenas de milhares de pessoas, recuaram horrorizadas diante das ideias do socialismo. Em outras circunstâncias, elas estariam preparadas para participar do movimento comunista, o maior movimento político internacional da história mundial. Mas elas foram contrariadas pelo que viram e as ideias do socialismo se tornaram desacreditadas aos seus olhos.

Os líderes que sobreviveram ao Grande Terror nos vários partidos comunistas haviam em grande parte degenerado e estavam ligados a Stalin porque haviam participado da perseguição de seus próprios camaradas.

Entre aqueles que desempenharam um papel muito sujo e desprezível na década de 1930 estão aqueles que até hoje são respeitados como combatentes contra o stalinismo.

Entre eles está Imre Nagy, o líder comunista húngaro que desempenhou um papel importante na liderança da revolução húngara em 1956. Surgiram documentos que mostram que Nagy esteve na União Soviética como um emigrante político a partir de 1929. Em 1930, ele havia se tornado um agente pago da NKVD, e devido a suas denúncias, dezenas de húngaros, alemães e outros comunistas foram presos.

Embora não haja evidência direta que mostre que Tito, o comunista iugoslavo, era um agente pago da NKVD, muitos documentos mostram como ele realizou com entusiasmo o expurgo dos trotskistas no Partido Comunista Iugoslavo. Só em Moscou, mais de 800 comunistas iugoslavos foram presos.

Em 1939, Tito voltou à Iugoslávia como líder do partido e exigiu que o expurgo fosse continuado e aprofundado. Ele confiou esta tarefa a outros comunistas, incluindo Milovan Djilas.

Djilas, que se tornou um famoso dissidente nos anos 1960, 1970 e 1980, não menciona em suas memórias seu papel nos expurgos, mas relata o seguinte incidente interessante. Em 1942, no auge da Segunda Guerra Mundial, um velho comunista iugoslavo foi preso. Ele havia sobrevivido aos expurgos de 1937 apenas porque havia se recusado a ir a Moscou. Posteriormente ele publicou um livro chamado “The Balance of the Soviet Thermidor” (“O Balanço do Termidor Soviético”), no qual descreveu a perseguição aos iugoslavos e outros comunistas em Moscou. Djilas relata que embora esse homem tenha sido preso sob as ordens de Tito e severamente torturado e espancado, ele se recusou a admitir ser um espião estrangeiro.

Se falamos sobre as consequências do Grande Terror na União Soviética e no exterior, o que podemos dizer é que o tipo de consciência bolchevique praticamente desapareceu.

Esse tipo pode ser caracterizado pela adesão aos ideais de igualdade socialista, justiça social e internacionalismo e pela recusa de permitir que a alta posição no partido resulte em privilégios para si mesmo. Também pode ser caracterizado pela vontade de se sacrificar pela causa.

Se não fossem os Grandes Expurgos, teria sido muito difícil para Stalin realizar as mudanças drásticas na linha política que ele levou a cabo. A grande maioria daqueles que foram vítimas do Grande Terror foram criados e treinados no espírito genuíno do antifascismo. Se eles tivessem permanecido vivos, se não tivessem sido exterminados, teria sido muito mais difícil para Stalin assinar o pacto Ribbentrop-Molotov em 1939. E se não fosse por esse pacto, a Segunda Guerra Mundial poderia não ter começado da mesma maneira.

Se aqueles que morreram no Grande Terror, verdadeiros internacionalistas, não tivessem sido mortos, Stalin teria encontrado muita dificuldade, e talvez teria sido impossível, de desencadear o antissemitismo na União Soviética, que praticamente se tornou política governamental oficial após a Segunda Guerra Mundial.

Uma grande quantidade de pessoas, às vezes chamadas de novos recrutas ou os recém escolhidos de 1937, começou a ascender a altos postos no partido, na economia, no governo e nas forças armadas. Eles ocupavam postos de liderança dos quais nunca haviam sonhado antes.

As pessoas que ocupavam esses cargos não tinham laços com o bolchevismo e nenhuma adesão ideológica ao marxismo. Como resultado, eles provaram ser extremamente suscetíveis às formas mais grosseiras de corrupção que corroíam a política orgânica na URSS. Essas pessoas permaneceram no poder na União Soviética por quase 50 anos. E cultivaram uma nova geração de cínicos absolutos que eram completamente indiferentes à vida moral e ideológica da nação.

A existência de tais pessoas em posições de poder, dirigindo a vida intelectual do país, ajuda a explicar por que eles conseguiram quebrar tão facilmente o sistema existente nos últimos 10 anos. Em primeiro lugar, eles quebraram a estrutura ideológica da sociedade, depois a destruíram politicamente.

Até agora, a história tem mostrado que quando há uma forte transformação da estrutura social, essa mudança se reflete no pessoal que ocupa posições de liderança no poder. Na Rússia e nas muitas repúblicas da ex-União Soviética, no entanto, isso não tem sido o caso. Aqueles que lideram os regimes na Rússia, Ucrânia, países bálticos e muitas outras ex-repúblicas foram ex-membros da nomenklatura do partido, a antiga burocracia do partido e elite. Chamar essas pessoas de bolcheviques ou leninistas é um completo escárnio da verdade.

O que os caracteriza é uma completa falta de princípios ideológicos, aliada a uma orientação nacionalista extremamente hostil aos ideais do bolchevismo.

Assim, embora tenha ocorrido há décadas, as consequências do Grande Terror ainda se fazem sentir em nosso país e nos 15 novos Estados que se formaram a partir das ruínas da União Soviética; e todas essas nações estão enfrentando condições catastróficas.

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