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Duas semanas após eleição presidencial, Peru continua sem vencedor oficial

Publicado originalmente em 18 de junho de 2021

Quase duas semanas após a eleição presidencial de 6 de junho, o Peru está tomado por fortes tensões políticas sem que um vencedor seja declarado oficialmente. 

Com 100% dos votos apurados, Pedro Castillo, ex-líder grevista de professores e candidato do partido Peru Libre, obteve 50,12% dos votos, contra 49,87% da candidata de direita do partido Fuerza Popular, Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori, que está preso por 25 anos por crimes contra a humanidade. Apesar de apenas 43.000 votos dos mais de dezessete milhões e meio de votos separarem os dois candidatos, está claro que Castillo venceu.

Apoiadores de Fujimori (esquerda) e de Castillo (direita) manifestando-se em Lima (Crédito: Andina)

A declaração de que Castillo ganhou a eleição, no entanto, tem sido bloqueada pelo grupo de Fujimori, que montou uma ofensiva legal baseada em falsas alegações de fraude eleitoral, procurando reverter os resultados de centenas de seções eleitorais nas regiões montanhosas andinas e amazônicas onde Castillo ganhou por esmagadora maioria.

Até quarta-feira, a Junta Nacional Eleitoral (JNE) anunciou que das 942 contestações realizadas pelo grupo de Fujimori, 792 tinham sido avaliadas e nenhuma delas chegou a qualquer evidência de fraude eleitoral. A maioria das contestações tinha sido apresentada após a data limite de 9 de junho para realizar tais questionamentos.

Embora as contestações não tenham base nem de fato nem de direito, elas foram realizadas por um exército de advogados de renome dos maiores escritórios de Lima, com o objetivo de atrasar a confirmação dos resultados eleitorais o máximo de tempo possível. O grupo de Fujimori está tentando ganhar tempo para que suas contestações e suas incessantes alegações de fraude criem as condições para anular a eleição por meios extra-constitucionais, inclusive com a possibilidade de um golpe militar.

Essa conspiração conta com o apoio da mídia corporativa, da maior parte da oligarquia financeira do país e de setores militares.

As semelhanças entre as táticas seguidas por Fujimori e as empregadas por Trump nas eleições presidenciais americanas de 2020 não se limitam ao uso de acusações forjadas de fraude eleitoral para anular a eleição ou, no mínimo, deslegitimar o novo governo. Assim como Trump, Fujimori, juntamente com outros membros de sua família e seus principais auxiliares, podem ser condenados criminalmente e serem presos se não conseguirem se apoderar da presidência.

O Ministério Público que investiga crimes de corrupção pediu que Keiko Fujimori fosse levada de volta à prisão preventiva sob acusações de lavagem de dinheiro ligado a subornos políticos, inclusive da gigante da construção civil brasileira Odebrecht. Ela também é acusada de chefiar uma organização criminosa, ou seja, seu próprio partido, Fuerza Popular.

A ameaça de violência política ou mesmo de um golpe militar é real. Os seguidores de Fujimori têm organizado manifestações fascistas, repletas de tochas e cantando o hino nacional enquanto realizam saudações nazistas.

Os partidários de Castillo, incluindo muitos que vieram do interior para Lima, têm também se manifestado na capital exigindo que seu candidato seja declarado oficialmente o vencedor.

Enquanto isso, 63 generais aposentados e outros oficiais de alta patente emitiram um comunicado exigindo a renúncia do presidente do conselho eleitoral, alertando para o perigo de uma vitória de Castillo e pedindo o “fortalecimento da confiança nas forças armadas e na polícia”. O Ministério da Defesa sentiu-se obrigado a emitir uma declaração em resposta condenando o uso de símbolos militares oficiais no comunicado.

Desde que Castillo apareceu com o maior número de votos no primeiro turno na frente de Fujimori – cada um deles com menos de 20% dos votos –, a direita peruana e a mídia conduziram uma campanha agressiva chamando Castillo de “comunista” e “terrorista”, alegando que ele transformaria o Peru em outra Venezuela.

Desde que ganhou o segundo turno, Castillo e seus apoiadores têm procurado se dissociar das políticas radicais, incluindo a nacionalização das indústrias de mineração exigida na plataforma do Peru Libre, ao mesmo tempo em que têm tentado atrair um grupo de “assessores” moderados. O mais proeminente deles é Pedro Francke, economista da Universidade Católica e ex-funcionário do Banco Mundial e do Banco Central do Peru. Francke havia atuado como principal assessor de Veronika Mendoza, a candidata do partido pseudoesquerdista Juntos pelo Peru, que ficou em um distante sexto lugar no primeiro turno da eleição presidencial.

O papel cada vez maior de assessores de Mendoza é politicamente significativo. Na eleição presidencial de 2016, Mendoza apoiou o ex-financista de Wall Street Pedro Pablo Kuczynski como o “mal menor” no segundo turno contra Keiko Fujimori, deixando clara a postura “responsável” de Mendoza aos interesses do capital peruano e internacional.

Em uma entrevista coletiva em Lima na terça-feira, Francke tranquilizou a burguesia peruana e internacional: “Não haverá expropriações, não haverá nacionalizações. Nem confiscos, nem nada.” É amplamente esperado que Francke seja nomeado Ministro da Economia de Castillo.

No início da semana, o Scotiabank Peru, a terceira maior instituição financeira do país, emitiu uma declaração dizendo que aprovava o papel de Francke e um documento emitido em nome de Castillo “sugerindo uma postura mais suave, mais pró-mercado (ou, pelo menos, menos radical) em questões como direitos de propriedade, respeito às instituições econômicas, relacionamento com negócios privados, controle de preços e outras preocupações”. Concluiu que em vez de ser um “esquerdista radical”, o principal assessor econômico de Castillo é um “keynesiano”.

Tanto Castillo como Francke realizaram inúmeras reuniões com grandes figuras empresariais. Como resultado dessas reuniões, Roque Benavides, chefe da empresa mineira Buenaventura, que durante décadas extraiu bilhões de dólares de minerais à custa da destruição dos rios e vales do Peru, e também presidente da principal organização empresarial, a CONFIEP, declarou que aceitaria propostas de aumento de impostos, mas que não toleraria nacionalizações.

O programa de Castillo foi reduzido à reforma tributária, à renegociação de royalties das corporações transnacionais de mineração e a uma reforma agrária que renuncia a qualquer expropriação para redistribuição de terras.

A mídia corporativa e o establishment político peruano exigiram que Castillo demonstrasse sua credibilidade rompendo com o fundador do Peru Libre, Vladimir Cerrón, o ex-governador do departamento central de Junín. Combinando retórica pseudomarxista, demagogia populista e políticas sociais de extrema-direita – abraçadas por Castillo – sobre questões como aborto e “política de gênero”, Cerrón foi criminalmente condenado por acusações de corrupção.

A declaração oficial da vitória de Castillo dificilmente resolverá a profunda crise política, social e econômica que o Peru atravessa. O país está entre os mais duramente atingidos pela pandemia de COVID-19, registrando o maior número de mortes per capita do mundo. Os efeitos sobre as condições econômicas da classe trabalhadora e das massas oprimidas têm sido catastróficos, com uma estimativa de nove milhões de empregos eliminados, a pobreza aumentando em 10% e um preço crescente das mercadorias básicas.

O verdadeiro medo da burguesia peruana não é de Castillo, que já está deixando claro que ele é alguém com quem eles podem fazer negócios, mas de uma erupção da luta de classes impulsionada pelo declínio do nível de vida e um aumento dramático da desigualdade social, já que os que estão no topo têm enriquecido, enquanto os trabalhadores têm enfrentado a morte, a doença, o desemprego e o empobrecimento.

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