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Variante Delta do coronavírus é um Frankenstein produzido pelo capitalismo

Já é claro que as atividades humanas comerciais e de guerra têm sido as principais causas de disseminações zoonóticas que levaram a grandes surtos de contágios mortais. As pandemias estão entrelaçadas com a história mundial, e a pandemia da COVID não é uma exceção.

A evolução do vírus que produziu a variante Delta no período de apenas 18 meses desde a declaração da pandemia, em última análise, é um subproduto da total incompetência e negligência maligna da resposta da elite dominante a esta ameaça.

As adaptações evolutivas do vírus foram grandemente auxiliadas por políticas que colocaram os lucros acima do bem-estar da população, permitindo que escolas e empresas permanecessem abertas, dando ao vírus liberdade de circulação em todo o mundo.

(Ilustração AP/Peter Hamlin)

O Dr. Yaneer Bar-Yam, chefe do New England Complex Systems Institute, que, há quase duas décadas, vem concebendo modelos de pandemias no contexto de uma complexa rede global, alertou que a facilitação das viagens internacionais, que conectam cada região do mundo em questão de horas a qualquer outro lugar, poderia permitir a propagação de doenças mais mortíferas que rapidamente se desenvolvam a proporções pandêmicas.

Em um relatório de 2016, intitulado 'Transição para a Extinção', ele escreve: 'Quando introduzimos o transporte de longo alcance no modelo, o sucesso das cepas mais agressivas muda. Elas podem usar o transporte de longo alcance para encontrar novos hospedeiros e escapar das extinções locais... quanto mais rotas de transporte introduzidas no modelo, mais patógenos altamente agressivos são capazes de sobreviver e se espalhar'.

Claramente, no capítulo atual da pandemia, os Estados Unidos emergiram novamente como o epicentro da pandemia, principalmente devido à falta de estratégias globais abrangentes capazes de erradicar o vírus. Após o surto da primavera na Índia, que matou 400.000 pessoas, um número que se acredita ser na realidade dez vezes maior, a variante Delta rapidamente se espalhou pelo globo tornando-se a cepa dominante em meados do verão. Isso significa que em apenas três meses o mundo estava enfrentando uma nova pandemia da linhagem Delta. Naquela época, os EUA já tinham basicamente voltado ao normal, levando à atual catástrofe.

Na semana passada, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) informaram que a cepa Delta representava mais de 97% de todos os casos nos EUA. Em 13 de agosto, houve mais de 720.000 novos casos de COVID-19 relatados em todo o mundo. Destes, mais de 155.000 estavam nos Estados Unidos, quase cinco vezes o número de casos relatados na Índia, que ficou em segundo lugar.

E com o rápido aumento repentino dos casos da COVID, o número de mortes nos EUA está novamente aumentando, com 769 mortes registradas para a mesma data. A média móvel de sete dias de mortes relatadas dobrou desde o mês passado, ficando em mais de 650 por dia, ou mais de 4.500 por semana.

Estas mortes são evitáveis, e o país tem todos os meios ao seu alcance para garantir que não morra mais uma pessoa de COVID. O sangue dessas vítimas está nas mãos dos ocupantes da Casa Branca, apesar dos esforços conjuntos dos políticos republicanos e democratas para semear discórdia e animosidade na população com base em questões ligadas às vacinas e à obrigatoriedade do uso de máscaras.

A verdadeira questão não é obrigatoriedade do uso de máscaras, uma medida totalmente insuficiente dada a ameaça da Delta, mas a recusa do governo Biden, do CDC, e dos governos estaduais e locais de ambos os partidos em impor imediatamente um lockdown em larga escala.

Nestas condições, o apelo bipartidário da classe dominante pela abertura de escolas para instrução em sala de aula é pura insanidade, o que coloca em perigo a saúde e o bem-estar de 75 milhões mais crianças e adolescentes, dos quais a grande maioria permanece não vacinada.

Em um mês, o país assistiu a um aumento dramático do número de crianças que foram infectadas. Na semana passada, a Academia Americana de Pediatria relatou que quase 94.000 crianças haviam sido infectadas. No sábado, 14 de agosto de 2021, pouco mais de 1.900 crianças foram internadas em hospitais com COVID, a mais alta já registrada. A COVID-19 atual que está assolando os mais jovens da população tem sido descrita apropriadamente como a 'pandemia dos inocentes', considerando as contínuas tentativas de minimizar o impacto da variante Delta mais severa.

Como a professora Amber Schmidtke, uma renomada comunicadora científica que leciona na Universidade de Saint Mary em Leavenworth, Kansas, observou: 'Não somente estas crianças estão doentes, mas todas as faixas etárias já atingiram ou superaram os recordes anteriores de visitas de emergência pela COVID-19. Não é correto dizer que as crianças não adoecem por causa da COVID-19. Isso é desinformação. Vamos dar o nome aos bois'. [Ênfase adicionada].

Se isso não bastasse, outras preocupações estão surgindo por parte dos trabalhadores da linha de frente da assistência médica que estão relatando um surto de crianças diagnosticadas ao mesmo tempo com COVID-19 e um Vírus Sincicial Respiratório (VSR). A Dra. Pia Pannaraj, especialista em doenças infecciosas no Hospital Infantil de Los Angeles, disse à NPR que este fenômeno está colocando 'bebês até cerca de um ano e meio ou dois anos de vida' em risco.

Durante toda a pandemia, tentativas foram feitas pela classe dominante para sugerir que as escolas são ilhas onde o vírus não se espalha, ou que são entidades separadas que não desempenham nenhum papel na propagação comunitária. Em uma conversa recente, o Dr. Bar-Yam afirmou que a relação entre contaminações nas escolas e as altas transmissões nas famílias foi fortemente comprovada. É impossível separar a questão das infecções nas escolas das infecções nos lares e, mais amplamente, na comunidade. As escolas devem ser fechadas para impedir a propagação contínua da Delta.

Desde sexta-feira, a Organização Mundial da Saúde relatou que houve 205.338.159 casos confirmados de COVID-19, incluindo 4.333.094 mortes em todo o mundo. Este número assustador é pelo menos três vezes maior, pois a análise do excesso de mortes sugere que a catástrofe humana é muito maior do que os relatórios indicaram.

Sem controle, a SARS-CoV-2 foi permitida a disseminar-se em todas as comunidades, levando a variantes mais virulentas e mortais. Infelizmente, a variante Delta não será a última.

O que é mais marcante sobre a linhagem Delta tem sido sua capacidade de “furar” a imunidade e transmitir muito mais rápido do que suas predecessoras. Ela também se reproduz com enorme eficiência, criando cópias de si mesma a uma taxa milhares de vezes maior do que quando a versão “natural” surgiu pela primeira vez há menos de dois anos.

Dentro de cada pessoa infectada, o vírus invade células vivas e faz bilhões de cópias de si mesmo, transformando as células em fábricas produtoras de vírus. Cada uma dessas cópias replicadas tem o potencial de sofrer mutações dentro de qualquer pessoa – vacinada ou não – que faz continuar a propagação e mutação do vírus em evolução.

O que os dirigentes políticos e autoridades governamentais estão ignorando, à medida que buscam reabrir escolas e forçar os pais a voltar aos locais de trabalho, é que as medidas limitadas que se mostraram apenas parcialmente eficazes contra a propagação do coronavírus anteriormente podem ser completamente inúteis, dadas as propriedades biológicas mais virulentas da variante Delta.

A Dra. Deepti Gurdasani advertiu recentemente que este não é um vírus com o qual possamos aprender a conviver: 'Ao longo do tempo tivemos muitas novas variantes surgindo em diferentes partes do mundo e elas mostraram um nível de fuga da imunidade anterior, o que significa que se você é imune contra uma variante anterior do vírus, não significa necessariamente que você seja imune contra uma nova cepa. O que isso significa é que mesmo que você tenha um nível de imunidade contra variantes anteriores, você pode não ser capaz de atingir o limiar de imunidade de rebanho, porque este vírus está em constante evolução'.

Mesmo as contaminações de pessoas totalmente vacinadas estão se tornando mais comuns com a Delta. Isto é em parte um produto da biologia do vírus, mas sobretudo o resultado do declínio natural da imunidade gerada pelas vacinas, após a passagem do tempo.

A maioria das pessoas infectadas após a vacinação será poupada de uma evolução severa da infecção. No entanto, um número crescente de vítimas de tais infecções pós-vacinação está sendo levada para leitos hospitalares, unidades de terapia intensiva e até mesmo à morte. Mais preocupante é que pessoas vacinadas que se infectam podem transmitir o vírus de forma tão eficaz quanto aquelas que se contaminam sem nunca terem recebido as vacinas.

Muitos cientistas e médicos estão até mesmo começando a se referir à variante Delta como um vírus totalmente diferente. 'A variante delta é quase como um novo vírus COVID, pois se comporta de forma muito diferente das cepas de COVID anteriores', relatou o Dr. Mike Hansen, um pneumologista e médico de terapia intensiva, em seu site público educacional, explicando que as mutações de múltiplos spikes de proteína da variante permitem que ela entre nas células do corpo com maior facilidade e fuja do seu sistema imunológico.

De certa forma, a Delta é um vírus Frankenstein que foi permitido a surgir pela inação de governos capitalistas em todo o mundo. E está atualmente enchendo hospitais, nas piores condições testemunhadas desde o inverno passado no hemisfério norte, e fazendo vítimas sem precedentes entre as crianças. Ainda neste fim de semana, Dallas, Texas, informou que todos os leitos de UTI para crianças estavam totalmente ocupados.

Apesar desses perigos, a elite governante tem empregado continuamente todas as medidas possíveis para evitar qualquer estratégia eficaz de saúde pública abrangente que colocaria a erradicação do vírus em sua agenda. E, com a subordinação da saúde pública aos ditados dos mercados financeiros, foi dado amplo espaço para o desenvolvimento e disseminação do coronavírus, em contradição direta com os princípios científicos.

Em resumo, a variante Delta é o produto do total descaso do capitalismo pela vida humana. Com menos de um quinto da população mundial vacinada e uma porção significativa imunologicamente ingênua ao vírus (sem infecções anteriores), é seguro assumir que ainda estamos nos estágios iniciais da pandemia, cujo resultado final, como evento social e político, e não apenas médico, ainda está por ser decidido.

A erradicação global do vírus, utilizando todos os recursos e capacidades existentes, deve ser o objetivo principal da população mundial. Todas as demais questões devem estar subordinadas ao apoio total às populações, incluindo a segurança financeira, profissional e alimentar, bem como o isolamento e instalações médicas para tratar e cuidar da população até que o coronavírus tenha sido eliminado de todas as regiões do planeta.

Publicado originalmente em 17 de agosto de 2021

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