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Experimentos bárbaros com “kit COVID-19” mataram centenas no Brasil

Publicado originalmente em 24 de setembro de 2021

No sábado passado, uma reportagem do G1 mostrou que a operadora de saúde privada, Prevent Senior, estava envolvida em um macabro experimento em março-abril de 2020, medicando secretamente centenas pacientes de COVID-19 idosos com hidroxicloroquina e azitromicina sem o seu conhecimento, resultando na morte de pelo menos nove pessoas.

Bolsonaro com hidroxicloroquina em uma de suas lives.

O relatório mostrou um diretor da empresa, Fernando Okinawa, em um grupo de WhatsApp, ordenando que a equipe médica escondesse as suas prescrições de uma combinação de hidroxicloroquina e azitromicina dos pacientes. Enquanto isso, o cardiologista Rodrigo Esper, Okinawa e outros distorceram os dados dos pacientes, apagando informações sobre a morte de sete dos nove pacientes, para publicar um artigo promovendo os medicamentos como tratamento eficaz para pacientes de COVID-19. Com essas alterações, eles puderam afirmar que ninguém morreu ao usar seu 'tratamento precoce'.

O relatório sobre a experiência macabra foi publicado após a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado sobre a política de Bolsonaro na pandemia ter recebido uma denúncia formal no fim de agosto. Ela foi assinada por 15 médicos afirmando que um acordo foi feito entre o governo Bolsonaro e a empresa para distribuir medicamentos do chamado 'kit COVID-19', que inclui a hidroxicloroquina, ivermectina e outros medicamentos não comprovados ou desacreditados. A queixa dos médicos também descreveu como eles foram forçados a não usar máscaras para 'disseminar' o vírus entre pacientes, que seriam usados como 'cobaias humanas'.

Na última quinta-feira, a queixa foi fundamentada por um vazamento de registros médicos dos pacientes. Outro diretor executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Jr., foi chamado pela CPI para depor sobre as revelações.

A semelhança desse episódio com os experimentos bárbaros realizados pelos nazistas baseados na eugenia foi prontamente reconhecida. Comentários na mídia fizeram referências a Josef Mengele, um oficial nazista da SS que coordenou experiências horríveis com prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz durante a Segunda Guerra Mundial.

O caráter perturbador dessas práticas se tornou ainda mais claro nesta quarta-feira durante uma sessão da CPI com Batista, quando foi revelado que Anderson Nascimento, um ex-diretor da Prevent Senior, fazia referências regulares aos temas da SS de 'obediência e lealdade' e tentou promovê-los dentro da empresa. Ele foi discretamente demitido em 2017 e trabalha hoje na Hapvida, uma operadora de saúde ainda maior, contando com 4,8 milhões de segurados.

O senador Rogério Carvalho do Partido dos Trabalhadores (PT) disse durante a sessão que havia recebido informações de que a Prevent Senior investigou os perfis de redes sociais de seus funcionários para demitir simpatizantes de partido de esquerda e seguidores de redes críticas ao governo Bolsonaro.

Longe de ser uma exceção, o episódio é 'apenas a ponta do iceberg', afirmou Bruna Morato, a advogada que representa os médicos da Prevent Senior. Na quarta-feira, Morato revelou que centenas de pacientes morreram como resultado das 'experiências' realizadas pela empresa até abril de 2021. De fato, em uma reportagem de abril do G1, médicos da Prevent Senior contaram que foram forçados a continuar indo ao trabalho após terem sido diagnosticados com COVID-19 e prescrever 'kits COVID-19' para pacientes sem o consentimento de suas famílias. Coordenadores de hospitais ameaçaram demitir os médicos que se recusaram a prescrever kits e definiram metas informais de prescrição de kits.

O diretor Batista, que se tornou ele próprio investigado pela CPI após o seu depoimento na quarta-feira, mostrou a aparente regularidade com que indivíduos de mentalidade fascista são recebidos na empresa e colocados em posições administrativas. Em uma mensagem à equipe médica, ele encorajou os médicos a 'testar o máximo possível', ou seja, prescrever medicamentos não comprovados ou desacreditados para o tratamento da COVID-19 para 'testar' a resposta de pessoas idosas.

As distorções de dados em si não foram um caso isolado da experiência macabra da Prevent Senior, mas foram adotadas como parte de seus protocolos globais. Os funcionários da empresa orientaram a equipe médica em grupos no WhatsApp para que alterassem os prontuários dos pacientes diagnosticados com COVID-19 14 ou 21 dias após o início de seus sintomas, retirando-os da lista de casos de COVID-19. Tal distorção flagrante permitiria à empresa declarar uma taxa maior de tratamentos bem-sucedidos de casos de COVID-19, mudando a causa de óbito dos pacientes que faleceram após o período de duas ou três semanas para insuficiência renal, parada cardíaca, ou quaisquer outras complicações, que são esperadas em casos graves de COVID-19.

A exigência de que os médicos prescrevessem medicamentos sem evidências científicas para COVID-19 não um caso isolado da Prevent Senior. Um médico da Hapvida no estado do Ceará declarou anonimamente que 'É de conhecimento de todos os médicos que trabalham no corpo clínico do Hospital Antônio Prudente [na capital] que há pressão para prescrever o kit [COVID-19]'. De acordo com um relatório do Repórter Brasil, ambas as empresas continuaram a forçar a equipe médica a prescrever hidroxicloroquina, ivermectina e outros medicamentos não comprovados ou desacreditados a seus pacientes, pelo menos até abril deste ano, enquanto arquivavam várias denúncias de médicos que se recusavam a prescrever os medicamentos aos seus pacientes.

Experimentos sem aprovação em humanos da Prevent Senior são promovidos por Bolsonaro

Desde o início da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro esteve no centro de uma campanha anticientífica para justificar a reabertura total da economia sem nenhuma restrição à propagação do vírus. Ele promoveu agressivamente o uso de hidroxicloroquina para tratar a COVID-19 ao longo da pandemia.

Em abril de 2020, o presidente fascistoide, seus familiares e o procurador da República próximo ao presidente, Ailton Benedito, começaram a promover o artigo da Prevent Senior no Twitter dias após sua publicação na versão “pre-print”. Bolsonaro também recebeu o diretor da empresa, Batista, durante uma live para promover falsos tratamentos para COVID-19.

Um vídeo obtido pelo Metrópoles mostra Batista afirmando que ele compartilha os dados médicos da Prevent Senior 'o tempo todo' com o governo federal. Enquanto isso, um dos conselheiros médicos de Bolsonaro, Paolo Zanotto, disse que ajudou a empresa a desenvolver seus protocolos médicos para COVID-19.

Na época, as declarações anticientíficas do presidente em favor de medicamentos desacreditados para tratar pacientes de COVID-19 já eram um componente decisivo da sua campanha para cultivar um movimento de extrema-direita. A sua postagem no Twitter promovendo o estudo da Prevent Senior foi publicada um dia antes de uma manifestação fascista em frente ao Quartel-General do Exército na capital, Brasília, na qual ele participou, exigindo o fechamento do congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) por apoiarem o fechamento parcial das atividades econômicas decretado por governadores e prefeitos para conter a pandemia.

O fato de que tais experiências bárbaras foram impostas em múltiplos hospitais só pode ser descrito como um crime contra a humanidade.

O uso de 'kits COVID-19' foi sistematicamente imposto pela Prevent Senior sem o consentimento de milhares de famílias e com o apoio direto do presidente Bolsonaro. Esse doentio experimento com idosos foi defendido diretamente por esse mesmo presidente na ONU.

Demonstrando a sua prontidão para continuar uma política deliberada de “imunidade de rebanho” por meio de infecções em massa, Bolsonaro defendeu o 'tratamento precoce' durante um discurso na Assembléia Geral da ONU e sugeriu que não financiaria mais nenhuma compra de vacinas depois de novembro. Isso foi cinco dias após a reportagem do G1 sobre a Prevent Senior ter exposto as sinistras experiências com os idosos. Na terça-feira, o gabinete do presidente enviou sugestões de perguntas para a sessão de quarta-feira da CPI com Batista, para promover as vantagens dos 'tratamentos precoces'.

Quando o 'estudo' da empresa foi feito durante março-abril de 2020 e publicado como uma versão “pre-print”, ele foi logo retirado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Os testes clínicos com seres humanos haviam sido concluídos sem nunca receber aprovação para sequer começarem. Desde então, Bolsonaro nunca reconheceu as implicações éticas, muito menos pediu desculpas. Ao contrário, ele continuou e ampliou a sua campanha contra o lockdowns e a favor de 'tratamentos precoces'.

A ideologia fascista que está sendo desenvolvida sob a política aberta de imunidade do rebanho de Bolsonaro encontra terreno fértil na crise avançada do sistema capitalista no Brasil e internacionalmente e na resposta criminosa das classes dominantes do mundo à pandemia de COVID-19.

Em todo o mundo, milhões de crianças estão sendo enviadas de volta às escolas com a conseqüência esperada de que serão infectadas, irão desenvolver 'COVID longa' e outros sintomas e irão morrer em massa. No Reino Unido, a administração Boris Johnson enviou 10 milhões de crianças de volta às escolas, mesmo enquanto o seu vice-diretor médico declarou: 'Acho que é bastante inevitável que elas serão [infectadas] em algum momento'.

A luta contra as políticas de mortes em larga escala impostas pelo capitalismo em resposta à COVID-19 e as tendências fascistas crescendo em diferentes países exigem uma luta da classe trabalhadora internacional para derrubar o capitalismo e estabelecer uma sociedade socialista.

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