Português
Perspectivas

O significado da derrota do Partido Democrata em 2 de novembro

Publicado originalmente em 4 de novembro de 2021

A ampla derrota do Partido Democrata nas eleições locais de terça-feira é um divisor de águas político. A eleição de um governador republicano na Virgínia, a primeira vitória republicana no estado em doze anos, veio apesar de um comprometimento massivo de recursos do Partido Democrata, incluindo aparições do presidente Joe Biden, da vice-presidente Kamala Harris, do ex-presidente Barack Obama e de muitas outras figuras nacionais do partido.

Em Nova Jersey, o governador democrata Phil Murphy parece ter sobrevivido a uma disputa inesperadamente acirrada para um estado há muito dominado pelos democratas, embora tenha havido um banho de sangue no legislativo estadual. Em um resultado notável, o presidente do senado estadual, o democrata Stephen Sweeney, foi derrotado para reeleição por um candidato que gastou um total de 153 dólares em sua campanha. Sweeney é vice-presidente internacional do sindicato dos metalúrgicos, posição que provavelmente contribuiu para sua derrota em um distrito operário no sul de Jersey.

O candidato republicano ao governo Glenn Youngkin reage à multidão durante um comício em Glen Allen, Va., sábado, 23 de outubro de 2021. (AP Photo/Steve Helber)

Ambas as eleições ocorreram em estados em que Joe Biden venceu com margem significativa em 2020 sobre o então presidente Donald Trump. Biden ganhou a Virgínia por 10 pontos percentuais e Nova Jersey por 16 pontos. A oscilação contra os Democratas foi de 12 pontos na Virgínia e 15 pontos em Nova Jersey, com a maior parte da virada tendo ocorrido em áreas suburbanas de classe alta nos entornos da cidade de Nova York e Washington DC.

As questões econômicas certamente desempenharam um papel significativo na derrota dos democratas. A participação dos eleitores caiu mais fortemente, em comparação com 2020, nas áreas da classe trabalhadora que tinham votado em Biden e receberam pouco em termos de melhorias nos empregos, salários ou benefícios sociais. Pelo contrário, um forte salto na inflação, particularmente no preço da gasolina, no custo dos carros usados, nos preços dos alimentos e nos aluguéis – todos de central importância para os trabalhadores com salários mais baixos – contribuiu para o descontentamento com o partido no poder em Washington.

A vitória eleitoral de Biden fora alimentada pela raiva popular sobre a forma como Trump lidou com a pandemia da COVID-19, e por seu óbvio desinteresse no enorme número de infecções e mortes. Mas o novo governo continuou a mesma política de dar prioridade aos lucros empresariais sobre vidas humanas. Ele forçou a reabertura de escolas e empresas, apesar do surgimento de novas variantes mortais como a Delta. No final deste ano, mais americanos terão sido mortos pelo coronavírus sob a gestão Biden do que sob Trump, apesar da vacinação em massa.

A eleição de 2 de novembro é a primeira grande disputa entre os dois partidos capitalistas desde que o presidente republicano tentou dar um golpe fascista para derrubar a última eleição e se manter no cargo. É espantoso que os democratas não tenham conseguido fazer nenhum apelo ao ódio popular a este ataque à Constituição e aos direitos democráticos. O democrata Terry McAuliffe invocou constantemente o nome de Trump nas eleições da Virgínia, mas nunca o responsabilizou nem ao Partido Republicano pelos acontecimentos de 6 de janeiro.

O Partido Democrata responderá a esta derrota política movendo-se agressivamente para a direita. Seus principais porta-vozes já declararam que as derrotas foram causadas pela adoção, por parte do partido, de uma política de esquerda em relação aos gastos sociais e impostos sobre os ricos. Um colunista declarou que os grandes vencedores na terça-feira foram os senadores Joe Manchin e Kyrsten Sinema, os dois democratas de direita que bloquearam a legislação de gastos sociais, “Build Back Better” (Reconstruir Melhor), de Biden.

Para todos os fins, o dia 2 de novembro marca o fim da presidência de Biden, pelo menos em termos de políticas domésticas. Biden foi incapaz de efetivar seu projeto de lei de gastos sociais, ou suas reformas prometidas sobre direitos de voto, imigração e violência policial, mesmo antes das últimas eleições. O que eventualmente passar pelo Congresso a partir de agora será apenas o resquício das migalhas, e apenas aquelas que o Partido Republicano decidir permitir.

Depois de Trump tentar permanecer no poder através do ataque de 6 de janeiro ao Capitólio dos EUA, Biden se opôs a qualquer esforço sério para investigar a tentativa de golpe ou punir aqueles que tentaram derrubar a Constituição americana. Ele declarou que queria manter um Partido Republicano forte. Ele conseguiu. A direita fascista, e Trump em particular, são os beneficiários.

Sem qualquer perspectiva no front doméstico, é altamente provável que o governo Biden busque melhorar sua situação por meio de uma nova agressão imperialista no exterior. O governo Obama-Biden, após sua derrota eleitoral nas eleições locais de 2010, deflagrou guerras na Líbia, Síria e Iêmen. A classe trabalhadora internacional de enfrenta perigos ainda maiores da parte de um governo americano que vem alimentando confrontos com o Irã e com as possuidoras de armas nucleares, China e Rússia.

O resultado da votação de 2 de novembro foi a derrota não apenas de um governo, mas de todo o foco político do Partido Democrata, sua orientação social durante muitas décadas. O Partido Democrata sempre foi um partido capitalista, mas no passado já fez um apelo à classe trabalhadora baseado em seus interesses econômicos. Este período se foi há muito tempo.

Em vez disso, ele buscou forjar um eleitorado em setores da classe média alta através de apelos baseados na promoção de políticas de identidade racial e de gênero. O Partido Democrata é agora inseparável de um foco obsessivo em questões de raça e gênero, incluindo ações afirmativas, reparações pela escravidão e o ensino de mitos reacionários como a “teoria racial crítica” e o Projeto 1619, fabricado pelo New York Times há dois anos para negar a natureza progressista da Revolução Americana e da Guerra Civil.

Sob Biden, a política identitária foi combinada com uma promoção agressiva dos sindicatos – em outras palavras, as burocracias privilegiadas que são uma parte considerável da classe média alta. Biden se declarou repetidamente como o presidente mais pró-sindical da história, endossando os esforços dos sindicatos para organizar a Amazon, a fim de criar uma nova barreira contra as lutas dos trabalhadores da Amazon.

A adoção das política identitárias, como o SEP e o WSWS vêm enfatizando repetidamente, divide a classe trabalhadora e fortalece a reação política. O resultado é o espetáculo obsceno dos políticos de extrema-direita – os herdeiros políticos dos Conservadores de 1776 e dos escravistas de 1861 – que surgiram posando como defensores de Thomas Jefferson e Abraham Lincoln. Esta política do Partido Democrata tornou possível para o republicano Glenn Youngkin na Virgínia combinar a promoção do fascista Donald Trump com alegações de se opor a “ver tudo através das lentes de raça”.

O papel dos democratas no fortalecimento da reação segue um padrão histórico claro. Nos últimos 30 anos, toda vez que o Partido Democrata obteve controle total do governo – tanto as casas do Congresso quanto a Casa Branca – ele promulgou políticas que alienavam, ao invés de beneficiar a classe trabalhadora, produzindo uma catástrofe eleitoral como consequência. A vitória de Clinton em 1992 foi seguida pela tomada do Congresso por Newt Gingrich em 1994. A vitória de Obama em 2008 levou à tomada da Câmara pelos republicanos em 2010, depois do Senado em 2014, e finalmente a vitória de Trump em 2016. Parece provável que a vitória de Biden de 2020 produzirá uma derrota semelhante.

Os democratas afastaram grandes setores da classe trabalhadora branca, particularmente nas regiões empobrecidas e desindustrializadas dos Apalaches e das pequenas cidades dos EUA, onde os sindicatos que Biden abraça são identificados pela mente dos trabalhadores com fábricas fechadas e traição de greves. O resultado é que nas antigas cidades mineradoras de carvão do sudoeste da Virgínia, fortalezas da militância da classe trabalhadora há apenas 40 anos, os candidatos republicanos agora ganham até 90 por cento dos votos.

A derrota dos Democratas em 2 de novembro, por mais desespero que provoque nas fileiras da pseudoesquerda defensora deste partido imperialista reacionário, não é de forma alguma uma derrota para a classe trabalhadora. Pelo contrário, ela coincide com a combatividade e consciência de classe crescente de milhões de trabalhadores – expressa de forma poderosa na rejeição massiva de contratos de trabalho promovidos pelos United Auto Workers (UAW) e outras cascas burocráticas que ainda se dão o nome de “sindicatos”.

É digno de nota que mais de 10.000 trabalhadores em greve na John Deere votaram pela rejeição de um acordo traidor aceito pelo UAW no mesmo dia em que o Partido Democrata foi amplamente repudiado nas eleições estaduais na Virgínia e Nova Jersey. Há uma clara conexão entre a derrota das direções sindicais e a derrota do partido político ao qual estes líderes sindicais estão intrinsecamente amarrados.

A classe trabalhadora deve ver os sindicatos e o Partido Democrata pelo que eles são: obstáculos a serem colocados de lado, não veículos para lutas futuras. É necessário que os trabalhadores se libertem da camisa de força política do Partido Democrata, cujo papel objetivo é preparar o caminho para o retorno ao poder de Trump e dos fascistas, nas eleições de 2022 e 2024, se não mais cedo ainda.

A classe trabalhadora deve construir um movimento político independente que repudie todas as divisões alimentadas e exploradas pela classe dominante – brancos contra negros, homens contra mulheres, nativos contra imigrantes, trabalhadores americanos contra seus irmãos e irmãs de classe no exterior – e una todos os trabalhadores em uma luta comum por seus interesses sociais e de classe comuns. Os trabalhadores de todos os países têm as mesmas necessidades de empregos decentes, salários que sustentem uma família, proteção contra a pandemia da COVID-19 e o fim das ameaças de guerra e da violência fascista.

Para lutar por esses interesses, os trabalhadores precisam de seu próprio partido, um partido revolucionário que fale a verdade e lidere as próximas lutas sem concessões. Esse partido é o Partido Socialista pela dos Estados Unidos e nossos partidos irmãos em todo o mundo, as seções do Comitê Internacional da Quarta Internacional.

Loading