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Perspectivas

A COVID-19 não deve ser o “novo normal”

Publicado originalmente em 3 de novembro de 2021

A empresa global de consultoria de gestão McKinsey & Company, um dos principais think tanks do imperialismo americano, lançou um novo artigo na seção “Insights” em 28 de outubro no qual apela para a aceitação da COVID-19 como um aspecto permanente de um “novo normal”. Ao rejeitar a evidência científica de que é possível deter a propagação da SARS-CoV-2, os estrategistas corporativos rejeitam a política de eliminação global por ser muito cara e, portanto, incompatível com os interesses comerciais. McKinsey pede à sociedade que se acostume às mortes em massa por COVID-19 como um “novo normal”.

O relatório é intitulado “Pandemia a endemia: como o mundo pode aprender a viver com a COVID-19”. No dia de seu lançamento, houve mais de 426.000 novos casos e pelo menos 7.100 mortes em todo o mundo, incluindo uma estimativa de 70.000 novos casos nos Estados Unidos e mais 1.200 mortes confirmadas. No total, o mundo teve quase 250 milhões de casos conhecidos da doença, com mais de 15 milhões de vidas perdidas em apenas 22 meses ao vírus mortal.

Uma criança joga terra sobre uma muda de árvore plantada com os restos de um membro da família que morreu de COVID-19, no norte de Bogotá, Colômbia, 24 de junho de 2021. (AP Photo/Ivan Valencia, Arquivo)

As estatísticas de mortes em massa quase não são referenciadas no relatório da McKinsey. Seus cinco autores afirmam, falsamente, que a política de “zero COVID-19” é “muito provavelmente inalcançável”. Eles apresentam a “natureza altamente transmissível da variante Delta” como um problema intransponível, porque os custos das medidas de saúde pública necessárias para deter a propagação da doença são muito grandes. Portanto, a McKinsey conclui: “a maioria das sociedades, incluindo o Reino Unido, os Estados Unidos e grande parte da Europa, precisarão aprender a conviver com a COVID-19”. O vírus deve ser aceito como “uma parte constituinte do cenário de doenças infecciosas, ou endêmicas, como a tuberculose é hoje”.

O relatório trivializa o impacto da pandemia, observando que 38.000 americanos morrem em acidentes de carro a cada ano. Em seguida, observa, cinicamente: “Mas a maioria de nós não passa muito tempo pensando na segurança rodoviária. ... Entramos no carro, colocamos o cinto de segurança e vamos embora. Em breve os riscos diários que corremos com o Covid-19 podem parecer tanto parte da vida diária normal quanto os riscos que corremos ao colocarmos o carro em movimento ou ao atravessarmos a temporada da gripe a cada inverno”.

Este é um argumento absurdo, e não apenas porque o número de mortes nas estradas dos EUA no ano passado foi equivalente a apenas 10% das mortes por COVID-19. Os acidentes de carro e uma pandemia global, que tem um impacto social devastador a longo prazo, são fenômenos profundamente diferentes.

Mas, na medida em que uma comparação pode ter validade, ela vai contra os argumentos da McKinsey. Mesmo medidas de reforma limitadas destinadas a educar o público e a forçar as empresas a melhorar a qualidade dos veículos provocaram uma redução dramática dos acidentes fatais. A taxa de mortalidade em veículos motorizados caiu de 18,65 mortes para cada 160 milhões de quilômetros percorridos, em 1923, para 1,20 mortes por 160 milhões de quilômetros percorridos, nos dias de hoje.

O relatório da McKinsey declara que “a sociedade terá que chegar a um consenso sobre o que é uma perda aceitável pela doença e usar essas metas para definir um novo normal aceitável”. Seguindo essa linha, deve se considerar para “além das mortes ou doenças graves ... Por exemplo, medidas de dias de trabalho perdidos, fechamento de empresas e taxas de abstenção escolar também devem ser consideradas”.

Quando a McKinsey se refere à “sociedade”, está falando exclusivamente da classe dominante capitalista, não da classe trabalhadora que compreende a esmagadora massa da população mundial. O relatório não está preocupado com o que é “realista” em termos de salvar vidas, mas o que é necessário para retomar a extração de mais-valia da classe trabalhadora. Falando em nome de toda a elite dominante, eles afirmam que muitos recursos foram gastos para combater a doença, recursos que a “sociedade” – a oligarquia financeiro-corporativa – está buscando recuperar. O “novo normal”, portanto, não será calculado com base na proteção de vidas, mas somente por considerações de lucro.

O caráter socialmente criminoso do “novo normal” previsto pelo capitalismo global é exposto em um trabalho de pesquisa publicado no último sábado na The Lancet. Com o título “A World Health Network: uma iniciativa cidadã global”, o trabalho foi escrito por 31 cientistas proeminentes ativos em vários campos de combate à COVID-19. Além dos milhões de mortos no mundo inteiro por causa da COVID-19, o artigo chama a atenção para o fato de que a pandemia “deixou milhões de pessoas com sintomas persistentes (isto é, a COVID longa), e devastou sociedades”.

O documento da Lancet deixa claro que “a tragédia é que grande parte dessa perda era evitável, como foi demonstrado no início por muitos países da Ásia-Pacífico que buscaram a eliminação da COVID-19”.

E continua: “Apesar do manifesto sucesso desta abordagem, muitos governos a rejeitaram abertamente e, após repetidos lockdowns e perdas substanciais para a vida e a economia, estes governos agora falam em aprender a viver com o vírus. Muitas respostas de governos foram moldadas por falsas dicotomias, colocando a saúde pública contra a economia e o bem-estar coletivo contra a liberdade individual”. A única maneira de salvar vidas é através de “ações globais para proteger a saúde pública através da eliminação progressiva da COVID-19”.

Esta perspectiva será promovida na “2ª Cúpula Global para Acabar com as Pandemias da World Health Network”, em 3 de novembro. Centenas de epidemiologistas, médicos e outros especialistas do mundo inteiro discutirão como “alcançar a eliminação através da reunião de provas científicas e diretrizes rigorosas”, a fim de, em última instância, pôr fim à pandemia.

O ponto fraco do evento, no entanto, é sua orientação social. Ela procura expandir sua rede de “equipes de assessoria e defesa” que “assessoraram governos e instituições” nos últimos dois anos sobre políticas para acabar com a pandemia. Em outras palavras, o sucesso do combate à pandemia, de acordo com a cúpula, está baseado na mudança de rumo dos capitalistas. Nenhuma menção é feita à classe trabalhadora, à ampla massa da humanidade, exceto tangencialmente quando se pede a construção de “Espaços Zero COVID”. Uma sessão, “Ouvindo crianças sobre a ‘volta às aulas’ na pandemia atual”, aceita até como fato consumado que crianças e professores devem estar de volta às escolas.

Tais sessões são uma manifestação das pressões crescentes da elite dominante para se afastar de qualquer luta por uma estratégia de eliminação. Como o artigo da McKinsey deixa claro, não haverá tolerância para perspectivas que entrem no caminho da obtenção de lucros. Os participantes desta cúpula precisam permanecer firmes em seu compromisso com a eliminação global da SARS-CoV-2 a curto prazo.

As medidas de saúde pública que devem ser tomadas para deter a pandemia são bem conhecidas pelos cientistas. O problema não é a falta de conhecimento. Na verdade, o desenvolvimento das várias vacinas contra a SARS-CoV-2, quando implementadas em conjunto com políticas apropriadas de saúde pública, é uma poderosa arma contra o vírus.

Mas o fim da pandemia enfrenta seu maior obstáculo na oposição intransigente da classe capitalista global à implementação de medidas de saúde pública, por mais cruciais que sejam, que minam a lucratividade corporativa e o acúmulo de vasta riqueza pessoal. A luta contra a COVID-19 deve ser travada não apenas na frente médica, mas também – e acima de tudo – nas frentes política e social. Pois, em última análise, o fim do flagelo da COVID-19, como todos os outros perigos que ameaçam a vida de bilhões de pessoas e até mesmo a sobrevivência do planeta, depende da luta pelo poder dos trabalhadores em escala global e do estabelecimento do socialismo.

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