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A campanha midiática liderada pelos EUA para a “abertura” da China – um eco das Guerras do Ópio

Publicado originalmente em 2 de novembro de 2021

Uma campanha completamente cínica na imprensa, centrada nos Estados Unidos, está sendo intensificada para pressionar a China a abandonar sua estratégia de 'Covid zero', que em grande parte tem suprimido o vírus dentro das fronteiras daquele país. Um pequeno número de comentários ao longo do último mês transformou-se na última semana em uma enxurrada, impulsionada pelas decisões de governos como os da Austrália, Nova Zelândia e Cingapura de acabar rapidamente com as restrições sanitárias.

A ofensiva está sendo impulsionada por dois tipos de considerações - política e econômica. Em primeiro lugar, que o fato de a política cientificamente fundamentada do governo chinês ter minimizado o sofrimento, o adoecimento e as mortes causadas pela COVID-19 é um indiciamento espantoso da abordagem assassina de 'imunidade de rebanho', particularmente dos EUA.

O navio a vapor de ferro Nêmesis, da Companhia das Índias Orientais, comandado pelo Tenente W. H. Hall, junto aos navios Sulphur, Calliope, Larne and Starling, destruindo juncos de guerra chineses na Baía de Anson, em 7 de janeiro de 1841 - pintura de Edward Duncan

O número total de mortes na China - a maioria das quais ocorreu no início de 2020, quando o governo estava lutando contra uma doença desconhecida - é inferior a 6.000. Isso é menos do que o número de pessoas que morrem a cada semana nos Estados Unidos, apesar dos níveis relativamente altos de vacinação.

Os trabalhadores nos EUA e no mundo inteiro podem legitimamente perguntar: se a COVID-19 pode ser suprimida com sucesso no país mais populoso do mundo, então por que estas políticas não estão sendo aplicadas internacionalmente para eliminar o vírus mortal e altamente contagioso?

Essa pergunta aponta para as exigências subjacentes sendo impostas pela elite financeira e empresarial de que a saúde e a vida de milhões - na China e no mundo inteiro - sejam sacrificadas pelas necessidades do lucro. Um artigo do New York Times da semana passada, com o título 'Why China Is the World's Last 'Zero Covid' Holdout' (Por que a China é a última trincheira da ‘Covid Zero’ no mundo), - assume de forma tácita que uma política que custou a vida de mais de 700.000 americanos é deveria ser adotada em todo o mundo, inclusive pela China.

Não por acaso, é a imprensa econômica que está liderando a carga para que o governo chinês encerre as restrições – o Wall Street Journal, a Bloomberg, o Financial Times e a Australian Financial Review, para citar apenas alguns.

A manchete do Wall Street Journal na semana passada reclamou que “A China se apega às políticas de Covid Zero, apesar da crescente pressão para aliviar as restrições”, acrescentando: “As empresas pediram um plano para acabar com o rígido regime da pandemia, alertando para o aumento do custo econômico”.

O custo econômico para o capitalismo global, particularmente para Wall Street, é a principal preocupação do Journal ao destacar o impacto das restrições de saúde pública da China nas cadeias de abastecimento globais.

'O fato de a China estar no centro da maioria das cadeias de valor globais, e com tais políticas draconianas de zero casos, tem influência na disfuncionalidade das cadeias de abastecimento globais', diz Alicia García-Herrero, economista chefe para a região da Ásia-Pacífico do banco francês Natixis, ao porta-voz dos banqueiros, administradores de fundos de investimento e corretores de ações de Wall Street.

Apesar de os EUA não estarem neste momento recorrendo à força militar, a campanha da imprensa pela “abertura” da China lembra os métodos bárbaros empregados pelo imperialismo para impor suas exigências à China – começando com as Guerras do Ópio travadas pela Grã-Bretanha, a principal potência do século XIX.

O comércio extremamente lucrativo com a China de chá, porcelanas e seda era um ímã para todas as potências comerciais, mas a insistência do governo Qing de que o pagamento fosse feito em prata tornou-se um fardo financeiro intolerável. A Companhia das Índias Orientais britânica contornou o problema expandindo o cultivo do ópio em seus territórios indianos e vendendo-o a comerciantes particulares que o repassavam aos contrabandistas chineses que o trocavam por prata.

Este comércio teve um impacto terrível à medida que o consumo de ópio aumentava exponencialmente, assim como o número de viciados. Outros comerciantes, incluindo Warren Delano Jr., o avô do presidente americano Franklin D. Roosevelt, juntaram-se às operações de tráfico de drogas. Os esforços fracassados do imperador Qing para acabar com o contrabando culminaram com o envio de tropas chinesas para Cantão em 1839 para fechar à força fábricas estrangeiras ligadas ao comércio do ópio.

O resultado da primeira Guerra do Ópio foi uma derrota humilhante para a dinastia Qing nas mãos do poder naval britânico. O Tratado de Nanking de 1842 impôs à China concessões draconianas - a cessão de Hong Kong à Grã-Bretanha, o estabelecimento de cinco portos abertos a comerciantes britânicos por tratado e o pagamento de uma enorme indenização à Grã-Bretanha. Associadas aos portos estavam as 'concessões' - áreas controladas pelas autoridades britânicas e ocupadas pelos britânicos, não pelos chineses. Outras potências logo impuseram à China seus próprios 'tratados desiguais'.

Uma segunda tentativa em 1853 de acabar com o comércio de drogas, ruinoso financeiramente e socialmente devastador, levou a uma segunda Guerra do Ópio que também terminou em derrota e a uma nova rodada de imposições humilhantes sobre a China.

O saque da China pelas potências imperialistas enfraqueceu drasticamente a Dinastia Qing, que enfrentou grandes revoltas internas - a Rebelião Taiping de 1850-1864 e a Rebelião dos Boxers de 1899-1901, que foi reprimida por tropas estrangeiras - e foi finalmente derrubada na primeira Revolução Chinesa de 1911, que estabeleceu a República Chinesa.

Entretanto, o partido nacionalista burguês Kuomintang (KMT) e seu líder Sun Yat-sen, que se tornou o primeiro presidente da China, se mostraram incapazes de unificar a China e acabar com a opressão imperialista. Embora o país nunca tenha sido transformado em uma colônia, ele se manteve como uma enorme arena para a pilhagem pelas potências rivais.

A exigência atual de abertura da China encontra outro eco na política de 'Portas Abertas', adotada pelo imperialismo americano nos anos 1920 e 1930, dirigida em particular contra o Japão depois que este invadiu a Manchúria em 1931 e a China como um todo em 1937. A política de 'Portas Abertas' não tinha nada a ver com preocupações com a população chinesa, mas era uma exigência de que a China não fosse de domínio exclusivo de uma determinada potência e permanecesse “aberta”, especialmente à exploração pelos EUA.

Leon Trotsky explicou em 1924: 'A história de Beldam facilitou as coisas para o capitalismo americano: para cada ato de rapinagem há uma palavra de ordem libertadora logo à mão. Em relação à China, é a política de ‘Portas Abertas’! O Japão procura desmembrar a China e subjugar certas províncias pela força militar, porque não há ferro no Japão, não há carvão, não há petróleo. Estes constituem três enormes obstáculos na luta do Japão com os Estados Unidos. Por esta razão, o Japão procura, através do roubo, apropriar-se das riquezas da China. Mas e os Estados Unidos? Eles dizem: ‘Portas Abertas na China’.”

Como naquela época, a exigência de que a China “se abra” e acabe com suas restrições de saúde pública não tem nada a ver com qualquer preocupação com a população chinesa, mas visa a remover todos os obstáculos ao lucro, a um custo humano terrível. Se a política de “imunidade de rebanho” fosse adotada na China, sem dúvida levaria a centenas de milhares, se não milhões de mortes.

Além disso, embora ainda não tenha ameaçado militarmente a China por sua política de COVID zero, os EUA têm acumulado na última década outros pretextos para a guerra - desde suas políticas hipócritas de “direitos humanos” em relação a Hong Kong e aos muçulmanos uigures até acusações falsas de “agressão” nos mares do Sul da China e do Leste da China e em relação a Taiwan. A China, devido a seu enorme peso econômico, é considerada uma ameaça intolerável à hegemonia global americana que deve ser reduzida, através da força militar se necessário, a uma nova versão do status semicolonial que viveu no século XIX e no início do século XX.

A subjugação neocolonial da China e seu fim como resultado da Revolução Chinesa de 1949 permanecem profundamente marcados na consciência dos trabalhadores na China. O governo do Presidente Xi Jinping, do Partido Comunista Chinês (PCC), procura explorar este sentimento com proclamações intermináveis de que o PCC é responsável pelo “rejuvenescimento da nação chinesa”. Este slogan nacionalista é desprovido de qualquer conteúdo progressista - longe de encarnar qualquer luta contra o imperialismo, ele reflete as ambições de uma oligarquia de super-ricos, criada por décadas de políticas pró-mercado do PCC, por um lugar na mesa dos países imperialistas.

A restauração capitalista na China criou imensas pressões sociais, com o número de bilionários chineses continuando a se multiplicar enquanto centenas de milhões lutam para sobreviver. O regime do PCC está perfeitamente consciente de que está sentado em cima de uma bomba relógio social e essa tem sido uma poderosa motivação para manter sua política de eliminar a COVID-19.

De fato, praticamente todos os artigos que atualmente pressionam por uma mudança na política da China reconhecem que ela tem amplo apoio entre o povo trabalhador. O Wall Street Journal, por exemplo, cita Yanzhong Huang, do Council on Foreign Relations em Nova York, que declara: “Esta política também ainda é muito popular na China e recebe forte apoio do público: as pessoas estão muito orgulhosas de como os líderes do estado controlaram bem o vírus.”

A eliminação da COVID-19, entretanto, requer uma estratégia global, como demonstram os contínuos surtos na China, inclusive da variante Delta, extremamente contagiosa. O regime do PCC, entretanto, ao buscar apoio no cenário internacional para combater as ameaças dos EUA, não está fazendo campanha por medidas globais similares ou mesmo criticando outros governos.

A única força social capaz de lutar pela eliminação global da pandemia é a classe trabalhadora internacional, que encontrará amplo apoio entre os trabalhadores e a juventude na China. O World Socialist Web Site e a Aliança Operária Internacional de Comitês de Base expuseram a base científica para a política de eliminação e a necessidade de a classe trabalhadora lutar por ela em seu webinário de 24 de outubro. Encorajamos todos os trabalhadores e jovens a assisti-lo e entrar em contato conosco.

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