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Castillo ganha voto de confiança no Peru após colocar exército nas ruas

Publicado originalmente em 5 de novembro de 2021

Na quinta-feira, o governo do presidente Pedro Castillo sobreviveu a um voto de confiança no congresso peruano após realizar mudanças em seu gabinete e fazer apelos cada vez mais diretos à elite dominante do Peru e seus representantes de direita.

A ascensão de Castillo, ex-líder sindical de professores rurais, à presidência em julho foi saudada pela pseudoesquerda como uma grande vitória para as massas peruanas e até mesmo um renascimento da chamada 'Maré Rosa' ‒ a chegada ao poder de governos burgueses nacionalistas de esquerda e populistas em vários países da América do Sul durante o “boom” das commodities no início dos anos 2000.

Desde que tomou posse em meio a uma torrente de demagogia populista, o governo de Castillo tem se deslocado convulsivamente para a direita.

Apenas dois dias antes do voto de confiança do congresso, Castillo emitiu uma ordem executiva enviando tropas do exército peruano às ruas da capital, Lima, e à cidade portuária vizinha de Callao, que possuem juntas 11 milhões de habitantes, um terço da população do Peru.

Embora realizada sob o pretexto de auxiliar a polícia peruana no combate ao aumento do crime, a mobilização militar veio no contexto de uma onda crescente de protestos sociais e da luta de classes, que tem sido impulsionada pelo aprofundamento da pobreza e da desigualdade social sob condições de espalhamento descontrolado da COVID-19. Com mais de 200 mil mortes por COVID-19 registradas, o Peru possui a maior taxa de mortalidade per capita do mundo.

Houve também uma série de greves de comunidades camponesas pobres contra o confisco de terras e a destruição do meio ambiente por grandes empresas de mineração transnacionais. Após um bloqueio de estradas forçar o fechamento da maior mina de cobre do país, a Antamina ‒ das co-proprietárias Glencore e BHP Billiton ‒ e deixar os mercados financeiros agitados, o governo enviou um grupo de ministros para negociar uma trégua baseada em promessas de “diálogo”.

Em outro protesto na mineração em Ayacucho, a Polícia Nacional do Peru foi enviada, utilizando balas de borracha, gás lacrimogêneo e cassetetes para dispersar os membros da comunidade. Enquanto isso, motoristas de ônibus, caminhoneiros e outros motoristas dos transportes ameaçaram uma greve em 8 de novembro contra o aumento dos preços dos combustíveis.

Em outra sinalização à direita peruana, Castillo demitiu mais um membro de seu gabinete na véspera do voto de confiança. O ministro do Interior, Luis Barranzuela, cuja remoção foi exigida por vários legisladores de direita como condição para uma votação a favor do governo, foi demitido de seu cargo com base em acusações de ter sediado uma festa de Dia das Bruxas em 31 de outubro, após o governo ter emitido uma diretiva dizendo à população para não realizar tais eventos. Barranzuela alegou, implausivelmente, que havia convocado uma reunião oficial.

Barranzuela foi visto como figura do Perú Libre, que nomeou Castillo para presidente, apesar de ele ter se juntado ao partido apenas em 2020. Ele havia trabalhado como advogado de Vladimir Cerrón, líder do Perú Libre e ex-governador regional de Junín, que foi condenado à prisão por acusações de corrupção.

Cerrón e o Perú Libre combinam demagogia populista e retórica pseudomarxista com política regionalista e apelam aos ressentimentos em relação à dominação de Lima. A sua corrupção faz parte de todos os partidos burgueses do Peru, onde quatro dos ex-presidentes vivos foram condenados à prisão e um quinto cometeu suicídio para não se entregar à polícia.

Na manhã da votação do congresso, Castillo oficializou o substituto de Barranzuela, Avelino Guillén, um procurador com 40 anos de carreira no governo peruano. Ele realizou a investigação e a acusação do ex-ditador peruano, Alberto Fujimori, pelo seu papel nos massacres de Barrios Altos e La Cantuta pelo Grupo Colina, um esquadrão da morte militar, em 1991 e 1992. Fujimori está cumprindo uma pena de 25 anos relacionada a esses crimes.

Embora a nomeação de Guillén tenha sido recebida positivamente pela maioria do congresso, não obteve apoio do Fuerza Popular de extrema-direita, que é liderado pela filha de Fujimori, Keiko Fujimori, que perdeu por pouco as eleições presidenciais para Castillo.

Essa foi apenas a última de uma longa série de alterações no gabinete. Eles começaram menos de um mês após a entrada de Castillo na presidência, quando seu ministro das Relações Exteriores, Hector Bejar, de 85 anos, foi removido do governo por uma campanha na mídia de direita. A mídia ressuscitou uma declaração incontestável de Bejar, de que os militares haviam praticado atos de terror contra a população civil sob Fujimori. A marinha peruana denunciou a declaração, chamando-a de uma “afronta”, e o então primeiro-ministro de Castillo, Guido Bellido, fez uma declaração elogiando as forças armadas pelos “esforços que fizeram na luta contra o terrorismo e pela pacificação nacional”.

O próprio Bellido foi removido de seu cargo após fazer ameaças demagógicas de nacionalizar a empresa de gás, Camisea, que é de propriedade conjunta da Hunt Oil americana e da Pluspetrol argentina. O próprio Castillo adotou uma retórica semelhante.

Entretanto, o seu ministro da Economia e Finanças, Pedro Francke, “esclareceu” rapidamente essas declarações, dizendo que elas significavam garantir que a empresa operasse “a serviço dos peruanos” e, “de forma alguma significa assumir o controle do Estado sobre uma atividade privada”.

Isso ecoou as promessas feitas por Castillo e Francke durante a sua viagem aos Estados Unidos em setembro, quando asseguraram aos investidores privados, ao governo dos Estados Unidos, ao FMI e ao Banco Mundial o seu compromisso de defender os lucros dos investidores transnacionais e do capital peruano.

Mirtha Vasquez, advogada e chamada de esquerdista moderada, assumiu o cargo de Bellido. Ela havia provado ser uma figura segura, assumindo o cargo de presidente interina do congresso na crise de 2020 provocada pelo golpe parlamentar que derrubou o presidente Martín Vizcarra.

Outros ministros demitidos para apaziguar a direita peruana incluíram o ministro do Trabalho, Iber Maraví, que foi acusado pela imprensa de direita de associação com o movimento guerrilheiro maoísta, Sendero Luminoso, uma acusação que ele negou e para a qual não existem provas.

Entre outros, foi afastado o ministro de Energia e Minas, Iván Merino, que, apesar de trabalhar para garantir às corporações de mineração que não corriam risco de nacionalizações, foi substituído por Eduardo González, ex-gerente geral de uma empresa de tecnologia.

Um cargo onde não houve mudança foi o de presidente do banco central do Peru. Castillo manteve o economista de direita, Julio Velarde, que ocupa o cargo desde 2006. Defensor dos interesses capitalistas das empresas transnacionais e peruanos, ao tomar posse para um novo mandato na terça-feira, Velarde advertiu que os protestos na mineração do Peru estavam “afetando a percepção do país em termos de investimentos futuros”, e ecoou os apelos das empresas de mineração para que o governo “restabelecesse a ordem”.

A trajetória de direita do governo Castillo dividiu o Perú Libre. No voto de confiança, o governo ganhou 68 votos, quatro a mais do que a maioria necessária de 64, e 56 contra. A delegação do congresso do Perú Libre se dividiu ao meio, com 19 votos a favor do governo e 16 votos contra.

Entre os que votaram contra estava o ex-ministro chefe, Guido Bellido, que afirmou que Castillo não era socialista ou de esquerda, mas apenas um “sindicalista básico”.

A pseudoesquerda, incluindo a revista Jacobin, que é afiliada ao Socialistas Democráticos dos EUA (DSA), promoveu com grande esforço ilusões em Castillo e na perspectiva de um governo burguês liderado por um líder sindicalista realizando uma transformação socialista do Peru. Essa perspectiva reacionária serve para subordinar a classe trabalhadora peruana ao Estado capitalista e preparar o caminho para sangrentas derrotas.

O envio do exército às ruas de Lima por Castillo foi ordenado semanas após a invocação de um “estado de exceção” e o destacamento dos militares em todo o Equador, também em nome do combate ao crime. O fato de que o suposto líder sindical de “esquerda” e o banqueiro de direita e ex-executivo da Coca-Cola, o presidente equatoriano Guillermo Lasso, chegaram à mesma decisão de convocar tropas mostra o nível de desintegração de qualquer base para formas democráticas de governo em uma América Latina assolada por intensas divisões de classe e desigualdade social, que foram intensificadas enormemente pela pandemia de COVID-19.

No Peru, assim como em toda a América Latina, a questão urgente é a mobilização política independente da classe trabalhadora em oposição a cada setor da burguesia e a todos os seus partidos políticos e aos sindicatos. Isso só pode ser alcançado com base em um programa socialista e internacionalista voltado para a derrubada da ditadura do capital corporativo e financeiro e a reorganização da vida socioeconômica sobre bases socialistas. Acima de tudo, isso requer a construção de um partido revolucionário da classe trabalhadora ‒ uma seção peruana do Comitê Internacional da Quarta Internacional.

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