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Deputada do partido A Esquerda da Alemanha Sahra Wagenknecht critica medidas de proteção contra a COVID-19

Publicado originalmente em 8 de novembro de 2021

Uma das principais lideranças do partido Die Linke (A Esquerda), Sahra Wagenknecht surgiu como a porta-voz mais proeminente dos opositores da vacinação na Alemanha. Isto ficou bem claro para o grande público durante sua aparição no talk show “Anne Will” da ARD em 31 de outubro.

Sahra Wagenknecht

Wagenknecht gabou-se de não ter sido vacinada e de que não se deixaria vacinar. A vacinação é uma decisão individual, declarou ela. Seria errado afirmar que a vacinação é um ato de solidariedade com os outros. “Aqueles que são vacinados estão antes de tudo protegendo a si mesmos”, observou ela.

Ela condenou as medidas de proteção contra o vírus ordenadas pelo governo como um ataque à liberdade individual. Como todos podiam ser vacinados e assim se proteger, ela disse, as medidas de proteção por parte do Estado não eram mais necessárias.

Wagenknecht teve que admitir que as pessoas vacinadas podem infectar outras, mas usou isso como um argumento contra as medidas de proteção. Ela rejeitou as regras existentes, chamadas de “2G” e “3G”, que só permitem o acesso de pessoas totalmente vacinadas, recuperadas e testadas a determinados edifícios e eventos, com o argumento de que a questão seria “quem está infectando quem”.

Wagenknecht justificou sua própria recusa em ser vacinada citando possíveis efeitos colaterais e consequências de longo prazo, para os quais, como o especialista em saúde do Partido Social-Democrata (SPD) Karl Lauterbach enfatizou no programa, não há nenhuma evidência científica. As novas vacinas já haviam sido inoculadas meio bilhão de vezes, Lauterbach disse: “Se houvesse efeitos colaterais, teríamos notado isso”.

Wagenknecht e seu marido Oskar Lafontaine têm feito agitação contra as vacinas para a COVID-19 há algum tempo. O fundador e veterano do Partido da Esquerda Lafontaine, que tem 78 anos, pertence ao grupo das pessoas de alto risco, e foi vacinado. Isso não o impediu, entretanto, de fazer agitação contra os defensores da vacinação.

Em agosto, por exemplo, ele chamou Lauterbach, um médico e epidemiologista que defende medidas de proteção limitadas, de “Covidiota” que está “de mãos dadas com a indústria farmacêutica”. Lafontaine também descreveu a vacinação de crianças como “irresponsável”, declarando que não havia nenhum argumento convincente a seu favor, mas vários contra.

No final de outubro, Wagenknecht já havia protestado e se manifestado contra as medidas de proteção contra a pandemia em seu podcast semanal. Seus comentários perversos poderiam ser elogiados por todos os direitistas que militam contra todas as medidas eficazes para conter a propagação da COVID-19.

Ela descreveu a decisão dos Social-Democratas, Verdes e Democratas Livres (FDP), que se preparam para formar o próximo governo federal, de acabar com as medidas de emergência da pandemia como “boas notícias”, ao mesmo tempo expressando sua indignação pelo fato de que certas medidas de proteção serão mantidas durante uma fase de transição. Ela mencionou a obrigatoriedade de máscaras e as regulamentações “2G” e “3G”, que ela chamou de “completo absurdo”.

Embora as taxas de infecção na Alemanha estejam aumentando, Wagenknecht deixou de lado todas as evidências científicas para afirmar que se todos têm a oportunidade de serem vacinados, ninguém deve ser protegido contra os não vacinados. “Cada um é responsável por si mesmo”, disse ela. A liberdade existe “quando cada um tem o direito de prejudicar a si mesmo”. O mesmo se aplicaaria ao consumo de cigarros e álcool.

Wagenknecht também elogiou o “Dia da Liberdade” declarado pelo primeiro-ministro britânico Boris Johnson em 19 de julho. Ela disse que aquela política tinha funcionado, resultando em menos internações hospitalares, apesar dos altos índices de infecção. Na realidade, 11.620 britânicos morreram de COVID-19 desde aquele dia. Mais de 3,4 milhões foram infectados, elevando o número total de mortes para mais de 165.000 e o número total de infectados para mais de 9 milhões. O vírus está se espalhando de forma explosiva em particular nas escolas britânicas, com um em cada 12 alunos do ensino médio e um em cada 33 do ensino fundamental infectados (números de 5 de novembro).

Apesar deste histórico devastador, Wagenknecht assumiu o papel de defensora de todos os que negam a vacinação, como se eles constituíssem uma minoria perseguida e oprimida. Eles estariam sendo pressionados, chantageados e ostracizados por falta de solidariedade, alegou ela. “Não há limites para as fantasias totalitárias”. Os não vacinados estão sendo tratados como prisioneiros em regime aberto, que precisam dormir na prisão, ela criticou, referindo-se à Áustria, onde o governo está considerando um lockdown para aqueles que recusam a vacinação.

A postura adotada por Wagenknecht e Lafontaine é anti-social e politicamente criminosa. Se colocadas em prática, suas propostas custariam mais milhões de vidas – além daqueles entre 5 e 15 milhões que já foram vítimas da pandemia em todo o mundo. Em particular, são os trabalhadores e os pobres, que ao contrário dos ricos e super-ricos dificilmente podem se proteger, que seriam os mais afetados.

A afirmação de Wagenknecht de que a vacinação é uma decisão individual e não uma questão de solidariedade lembra a famosa declaração da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher de que não existe “essa coisa de sociedade”, apenas indivíduos.

A pandemia não é um problema individual, é um problema social. A transmissão do vírus e as infecções em massa resultantes só podem ser contidas por uma resposta social unificada e internacional. Ao contrário do fumo e do consumo de álcool, o vírus, que se propaga de pessoa para pessoa através de aerossóis, não pode ser contido com base na abstinência individual, mas somente por medidas sociais de proteção.

Com sua campanha contra tais medidas de proteção, Wagenknecht e Lafontaine estão se alinhando com figuras fascistas como Donald Trump, Jair Bolsonaro e os elementos de extrema-direita que deram o tom às manifestações contra as medidas implantadas durante os lockdowns. Todas estas forças retratam sua oposição à vacinação e proteção contra o coronavírus de forma populista como uma luta pela “liberdade”, quando na realidade estão sacrificando a vida de milhões de pessoas no altar dos lucros e em nome da oligarquia financeira.

Em sua forma mais pronunciada, elas representam uma política adotada por quase todos os governos capitalistas sob slogans como “aprender a viver com o vírus” e o “novo normal”. Este “novo normal” não é medido em termos de salvar vidas humanas, mas somente em termos de fatores de lucro. “Morte e doença grave” são contabilizados em relação a “dias de trabalho perdidos, fechamento de empresas e taxas de absenteísmo escolar”, como fez recentemente a empresa de consultoria de gestão McKinsey.

Esta não é a primeira vez que Wagenknecht e Lafontaine assumem posições associadas com a extrema direita. Com relação à política para os refugiados, ambos seguem há algum tempo um caminho que não difere muito daquele do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema-direita. Nesta primavera, Wagenknecht publicou seu novo livro Die Selbstgerechten, no qual ela defende uma ideologia populista-folclorista (“völkisch”) e nacionalista, ataca enfurecidamente o cosmopolitismo e uma postura de mente aberta, promove o protecionismo e um estado forte e ataca os migrantes e refugiados. Nós fizemos uma crítica do livro no WSWS.

Os principais representantes do Die Linke tentaram se distanciar das declarações recentes de Wagenknecht sobre a pandemia, mas o fato de tais posturas de extrema-direita serem permitidas no Die Linke levanta questões fundamentais que não podem ser resolvidas pela simples tentativa de se distanciar de quem as assume.

Qualquer tipo de organização política saudável rejeitaria imediatamente tais elementos de direita. Não é o caso do Die Linke. Wagenknecht foi escolhida como a principal candidata para a eleição federal de setembro na Renânia do Norte-Vestefália (NRW), onde está o maior diretório do Die Linke. Na ocasião, seu manifesto nacionalista, Die Selbstgerechten, já estava no mercado. Durante a campanha eleitoral, ela apareceu repetidamente ao lado de outros importantes representantes do Die Linke.

A comissão de arbitragem estadual da NRW recentemente rejeitou um pedido de expulsão de Wagenknecht argumentando que suas propostas políticas tornariam correta sua expulsão, mas que os danos políticos que causaram não foram somente culpa dela: “A responsabilidade é igualmente do partido, que por muitos anos não resolveu politicamente o conflito travado de forma cada vez mais feroz em torno dos pontos de vista da acusada”.

O partido não conseguiu “resolver” o conflito com Wagenknecht porque apoia sua linha política na prática. O estado da Turíngia, por exemplo – o único estado federal com um primeiro-ministro do Die Linke – tem desempenhado consistentemente um papel pioneiro no desmantelamento das medidas de proteção ao coronavírus. Atualmente, tem a maior média móvel de casos de todos os estados do país, com 355 por 100.000. Com 7,4% de todos os habitantes infectados pelo SARS-CoV-2, tem a segunda maior taxa atrás do estado da Saxônia. A Turíngia também lidera em todo o país no que diz respeito à deportação de refugiados.

Desde que o Partido do Socialismo Democrático (PDS) foi fundado há 32 anos, o Partido Socialista pela Igualdade e seu predecessor insistiram que, como organização sucessora do stalinista Partido da Unidade Socialista (SED) que governava a Alemanha Oriental, o PDS era uma organização burguesa e nós nos recusávamos a colaborar com ele. A formação do Die Linke através de uma fusão do PDS com os dissidentes social-democratas liderados pelo ex-líder do SPD Oskar Lafontaine não fez nada para mudar a natureza política da organização. Pelo contrário, Lafontaine sempre viu a tarefa do SPD e depois do Die Linke como a supressão da luta de classes.

O papel de retratar o Die Linke como esquerdista, socialista ou mesmo marxista coube a correntes pseudoesquerdistas como o Secretariado Unificado pablista, a Sozialistische Alternative (Alternativa Socialista - SAV), Marx21 e outros que aderiram ao partido e rapidamente fizeram suas carreiras dentro dele.

Décadas de políticas direitistas por parte do Die Linke em uma série de estados e em numerosos municípios onde ele já esteve no poder, combinadas com a escalada da desigualdade social e da luta de classes, tornaram impossível manter a ficção de que há algo de socialista ou progressista no Die Linke.

Nas eleições federais de setembro, ele ficou abaixo da marca de 5% e perdeu quase metade de seus assentos no parlamento. Foi somente graças a três mandatos diretos que o partido conseguiu manter sua bancada no parlamento. Na esfera estadual, ele continua sua política de governo de direita. Além dos estados da Turíngia, Berlim e Bremen, o Die Linke se prepara para governar em coalizão com o SPD no estado de Mecklenburg-Vorpommern.

O partido está se desintegrando cada vez mais. Uma ala se orienta para a pequena burguesia com base nas políticas identitárias, numa tentativa de assegurar uma base social para as políticas de direita do Die Linke, outra fração se orienta para a burocracia sindical reacionária. A ala de Wagenknecht está procurando mobilizar as camadas atrasadas da sociedade para o mesmo fim. Suas posições de extrema-direita florescem na atmosfera poluída resultante da podridão do partido.

As pseudoesquerdas reagem agarrando-se ainda mais firmemente ao Die Linke. A SAV – ligada internacionalmente ao Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CWI) – publicou vários artigos nos últimos meses sob o slogan: “Apesar de tudo, permanecer no Die Linke e lutar!” Também se opôs explicitamente à expulsão de Wagenknecht do partido por causa de suas posições de ultra-direita. “A SAV é contra a expulsão de Sahra Wagenknecht, esta disputa deve ser decidida politicamente”, declarou.

Isto confirma que a organização aderiu ao Die Linke não com base em falsas esperanças e ilusões, mas sim porque compartilha sua orientação de classe. Ela está orientada para aquelas camadas da pequena burguesia abastada que se movem para a direita diante das crescentes tensões de classe.

As oportunidades financeiras abertas pelo Die Linke aos carreiristas pseudoesquerdistas de carreira também desempenham um papel significativo. Em sua prestação de contas para 2020, o Die Linke lista receitas de 34 milhões de euros e ativos líquidos de 45 milhões de euros. Além disso, a Fundação Rosa Luxemburgo, que é afiliada ao partido, recebeu 82 milhões de euros do orçamento federal. Estes totais não incluem os salários dos parlamentares e de assessores e as remunerações recebidas pelos membros do partido que ocupam cargos bem remunerados em vários governos estaduais e administrações locais.

É significativo que o Die Linke esteja se movendo mais para a direita e se desintegrando num momento em que o SPD, os Verdes e o FDP se preparam para assumir o governo e implementar um programa de demissões em massa na indústria automobilística, cortes de programas sociais, militarismo e rearmamento doméstico. À esquerda desta coalizão apelidada de “semáforo” (com base nas cores dos respectivos partidos), não há outro partido de oposição digno desse nome além do Partido Socialista pela Igualdade (em alemão: Sozialistsiche Gleichheitspartei-SGP).

O SGP é pequeno em número, mas possui um programa socialista que encarna o futuro. Como seção alemã da Quarta Internacional, ele está orientado para a força social mais poderosa: a classe trabalhadora internacional, que está entrando cada vez mais em luta. Todos aqueles que desejam seriamente lutar por um futuro socialista, e se opõem ao militarismo e ao fascismo, devem aderir ao SGP agora.

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