Publicado originalmente em 9 de novembro de 2021
Se há palavra para resumir as avaliações do estado da economia mundial, assim como do estado dos mercados financeiros, é confusão.
Ninguém tem uma estimativa clara do caminho do crescimento global, de por quanto tempo se estenderá o atual aumento da inflação, bem como seu impacto e de quando serão atenuados os problemas na cadeia de suprimentos. Apesar da insistência tão alardeada pelos bancos centrais de que eles fornecem “orientação futura”, não há ideia de para onde estão se dirigindo em aspectos cruciais da política monetária, levando à turbulência nos mercados de títulos.
Além disso, há o impacto do último surto de infecções de COVID-19 na Europa Oriental, em meio a advertências da Organização Mundial da Saúde de que pode haver mais 500.000 mortes por coronavírus na Europa até fevereiro, além dos 1,4 milhões que já morreram.
Um artigo do Wall Street Journal no fim de semana passado apontava para a perplexidade existente nos círculos governantes. Ele afirmou que a “recuperação” da economia global da contração profunda do ano passado estava “se aproximando de uma conjuntura delicada, enquanto os policy markets e executivos lutam com a transição acidentada da reabertura pós-pandêmica para um ritmo de crescimento mais normalizado”.
Os bancos centrais, disse o artigo, estavam tentando traçar um caminho para conter a inflação, mas não sufocar o crescimento, enquanto “passam pelo processo de desmame das economias através de medidas extraordinárias – incluindo as taxas de juros mínimas e enormes programas de compra de títulos – empregados para apoiar suas economias”.
O plano dos bancos centrais e das autoridades governamentais – na medida em que tinham um – era que, após um surto inicial de inflação, os preços mais altos se provariam “transitórios” e a economia voltaria a um caminho “normal” de desenvolvimento.
Esse cenário feliz desabou. A inflação nos Estados Unidos está em 5%, com poucos sinais de abrandamento. No Reino Unido, o Banco da Inglaterra prevê que no próximo ano a inflação chegue a 5% e está aumentando na zona do euro.
Falando aos repórteres após a reunião da Federal Reserve dos EUA na quarta-feira passada, o presidente do Fed, Jerome Powell, disse que foi “muito, muito difícil fazer previsões e não é fácil estabelecer políticas”.
“A inflação chegou acima do esperado e os gargalos têm sido mais persistentes e prevalecentes. Vemos que agora eles estão no caminho certo para persistir por boa parte do próximo ano. Isso não era esperado por nós e por outros macroanalistas”.
A taxa de crescimento dos EUA diminuiu acentuadamente no terceiro trimestre, passando por seu nível mais baixo desde o início da recuperação da recessão pandêmica.
Na China, a segunda maior economia do mundo, a preocupação com sua taxa de crescimento aumenta à medida que os problemas no setor imobiliário, um dos principais motores da economia, continuam.
Foi anunciado na sexta-feira que as ações da incorporadora Kaisa Group Holdings haviam sido suspensas em Hong Kong depois que a empresa anunciou não ter realizado pagamentos das dívidas. Ela apontou para “uma pressão sem precedentes sobre sua liquidez” – a mesma questão que fez com que o gigante imobiliário Evergrande não passasse suas dívidas offshore.
A empresa financeira japonesa, Nomura, advertiu que o crescimento chinês abrandará para uma taxa anual de 3% a 4% durante os próximos trimestres. Kevin Lai, economista chefe da Daiwa Capital Markets, disse ao Journal que a desaceleração chinesa “vai ser maior e mais longa do que qualquer um viu nos últimos 10 anos”.
A Alemanha, a maior economia da Europa e a quarta maior do mundo “deverá estagnar nos próximos meses, pois os gargalos de abastecimento pesam sobre o poderoso setor industrial do país, particularmente na indústria automobilística”. A produção industrial estava 10% abaixo dos níveis pré-pandêmicos em setembro.
As perspectivas altamente incertas para a Europa explicam por que a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, tem insistido tão fortemente que, apesar da pressão para apertar a política monetária devido ao aumento da inflação, um aumento das taxas em 2022 está “fora de cogitação”.
O comentário de Lagarde revela o dilema enfrentado por todos os bancos centrais. Por um lado, a inflação os pressiona a reduzir as taxas. Por outro, eles temem que, se o fizerem, o crescimento desacelerado combinado com altos níveis da dívida – o resultado de mais de uma década das políticas de flexibilização quantitativa, em que US$ 23 trilhões foram bombeados para o sistema financeiro – trará grandes turbulências econômicas e financeiras e até mesmo uma crise.
Entretanto, as mensagens contraditórias e o aumento da inflação estão causando grandes problemas. Inicialmente, grandes investidores compraram o cenário pintado pelos bancos centrais de que os aumentos de preços seriam de curta duração e fizeram suas apostas especulativas de acordo. Mas a persistência da inflação fez com que os rendimentos de curto prazo do mercado subissem e os preços dos títulos caíssem – os dois têm relação inversa.
Essa tendência foi alimentada pelos comentários do governador do Banco da Inglaterra (BoE), Andrew Bailey, em outubro, de que o banco central teria que “agir” se a inflação teimasse em permanecer alta. No caso, o BoE decidiu, na semana passada, não aumentar sua taxa, provocando movimentos violentos na outra direção.
Alguns grandes hedge funds perderam imensas quantias, chegando a bilhões de dólares. Embora o movimento nas taxas possa ser relativamente pequeno, as perdas podem ser altas porque os hedge funds tomam emprestadas grandes quantias de dinheiro para fazer suas apostas.
De acordo com relatórios da imprensa financeira, o hedge fund Rokos Capital, com sede em Londres, que administra US$ 12,5 bilhões em ativos e tem sido uma espécie de líder de mercado por sucessos passados, perdeu 27% até agora este ano, 18% no mês passado.
Em meio à turbulência no mercado de títulos de curto prazo no mês passado – o Financial Times (FT) a descreveu como um “inferno” – existe uma questão de longo prazo. Ela diz respeito à operação do mercado do Tesouro de 22 trilhões de dólares e ao colapso que sofreu em março de 2020 no início da pandemia.
Esse mercado, que constitui a base do sistema financeiro global, é supostamente o mais líquido e seguro do mundo. No entanto, no início da pandemia, ele praticamente congelou quando não foi possível encontrar compradores para títulos do governo americano. Ao invés da busca por um “porto seguro” nas compras de dívida do governo, houve uma “corrida por dinheiro líquido”.
A opinião universal nos círculos de política financeira é que tal evento, com o potencial de desencadear uma crise superior à de 2008, não pode ser permitido a acontecer novamente.
Uma série de investigações sobre a origem da crise estão sendo feitas. Ela só terminou com a intervenção maciça do Fed, que duplicou seus ativos financeiros, de 4 para mais de 8 trilhões de dólares, praticamente da noite para o dia. Mas ainda não surgiu um diagnóstico definitivo, muito menos uma solução realizável.
Um artigo do colunista do FT, John Dizard, no final de semana, observou que o mercado do Tesouro americano estava “mal equipado para financiar” quaisquer pacotes de gastos que sejam apresentados pelo Congresso. Isso era sabido pelos administradores e reguladores de mercado e eles estão trabalhando no desenvolvimento de uma nova estrutura de mercado.
“O Tesouro, o Fed e reguladores como [Gary] Gensler [presidente da Securities and Exchange Commission] estão consternados com a quebra do mercado do Tesouro em março do ano passado, o que abalou os mercados globais”, escreveu Dizard.
Mas, até agora, nenhum plano foi desenvolvido. Um dos problemas é participação maior dos hedge funds.
Uma pesquisa publicada pelo Fed em outubro observou que “os hedge funds desempenham um papel cada vez mais importante no mercado do Tesouro dos EUA”. Ele descobriu que a exposição do mercado do Tesouro aos grandes hedge funds “dobrou do início de 2018 até fevereiro de 2020, atingindo US$ 1,45 trilhão e US$ 0,94 trilhão em exposição longa e curta, respectivamente”.
O documento do Fed reportou que essa duplicação foi impulsionada pela relativa arbitragem comercial, apoiada por aumentos correspondentes de acordos de recompra.
A arbitragem refere-se a investidores, em grande parte hedgefunds, tirando proveito de pequenas e fugazes diferenças em várias partes do mercado para ganhar dinheiro com as apostas financeiras financiadas por acordos de recompra (repos), essencialmente empréstimos de muito curto prazo, seja do Fed ou de outros bancos e casas financeiras.
Em tempos normais, tais operações podem auxiliar o bom funcionamento do mercado, mas sob condições de um choque repentino, como o início da pandemia, podem se tornar a fonte de uma crise.
Dizard informou que um dos planos em consideração é um mecanismo de clearing house que atuaria simultaneamente como vendedor para todos os compradores e como comprador para todos os vendedores. Mas ele citou um relatório da Securities and Financial Markets Association que lançou dúvidas sobre sua eficácia.
Em uma nota emitida em março passado, o relatório dizia: “Mesmo com a maioria das operações do Tesouro sendo centralmente desobstruídas, é altamente improvável que capacidade suficiente seria liberada para absorver a ‘corrida por dinheiro’ dos investidores que ocorreu no ano passado”.
A recente turbulência nos mercados de títulos, sob condições de problemas completamente imprevistos, como inflação, problemas na cadeia de suprimentos e a continuação da pandemia, é uma indicação de que a crise que eclodiu há 20 meses pode estar voltando à tona novamente.