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Perspectivas

Reunião Biden/Xi: gesto impotente diante da ameaça de guerra

Publicado originalmente em 17 de novembro de 2021

O Presidente dos EUA Joe Biden e o Presidente chinês Xi Jinping realizaram sua primeira reunião formal, conduzida como uma reunião virtual de três horas e meia, na segunda-feira à noite. O evento, realizado enquanto Washington elevou ameaças de guerra entre os dois países a níveis historicamente sem precedentes, não resolveu nada.

A discussão não passou de frias formalidades, traduzidas enquanto Biden, na Sala Roosevelt da Casa Branca, e Xi, no Salão Leste do Grande Salão do Povo em Pequim, falavam um ao outro. As tensões entre as duas potências eram tão fortes, e Washington, particularmente, tão intransigente, que a reunião terminou sem grandes anúncios ou mesmo uma declaração conjunta, a mais clara indicação do fracasso histórico de um encontro.

A reunião foi um gesto impotente e meramente ritual, que proferiu frases contidas e apresentou manobras diplomáticas ao mesmo tempo que as duas potências avançam de cabeça em direção à guerra. As classes dirigentes nos Estados Unidos e na China estão sendo levadas ao conflito pelas contradições inerentes ao capitalismo. A economia capitalista é um todo globalmente integrado, mas a classe capitalista exerce seu domínio através dos Estados-nação. O impulso para a guerra expressa a luta das nações capitalistas rivais para redividir a economia global por meios militares.

O presidente americano Joe Biden se encontra virtualmente com o presidente chinês Xi Jinping da Sala Roosevelt da Casa Branca, em Washington, em 15 de novembro de 2021. (AP Photo/Susan Walsh)

Por mais de uma década, Washington aumentou a pressão sistematicamente sobre Pequim, buscando, através de ameaças militares e sanções econômicas, conter a ascensão da China e subordiná-la aos interesses do capitalismo norte-americano. Tanto o “pivô para a Ásia” da gestão Obama quanto as medidas de guerra comercial do governo Trump perseguiram este mesmo fim.

Durante o ano passado, o governo Biden levou essas tensões latentes à beira de um conflito aberto. Washington tem deliberadamente visado o aspecto mais sensível das relações externas chinesas: a reivindicação de Taiwan por Pequim. Biden declarou publicamente que os Estados Unidos estavam comprometidos com a defesa de Taiwan contra a China continental e o presidente taiwanês Tsai Ing-wen confirmou que Washington havia destacado tropas para a ilha para realizar exercícios de treinamento com as forças taiwanesas. Tais movimentos minaram na prática o que tinha sido um princípio básico da estabilidade geopolítica durante o último meio século – a política de “uma só China”.

Taiwan é crucial para os interesses econômicos e geoestratégicos da crescente burguesia chinesa, e o regime do Partido Comunista Chinês (PCC), que representa seus interesses, deixou claro que se trata de uma questão inegociável. Xi disse a Biden que as movimentações das “autoridades de Taiwan buscando apoio dos EUA para sua agenda de independência, bem como a intenção de alguns americanos de usar Taiwan para conter a China” eram “extremamente perigosas e estão brincando com o fogo”. “Quem brincar com o fogo”, ele advertiu de forma ameaçadora, “irá se queimar”.

A classe capitalista na China tem seus próprios interesses econômicos globais. Esses interesses colidem e se intrometem nos interesses estabelecidos das grandes potências imperialistas, particularmente dos Estados Unidos. O PCC procura, por meio de diplomacia, investimentos e mobilização militar, expandir e fortalecer a classe burguesa da China.

O alto número de mortes pela pandemia de COVID-19, a inflação galopante e a ascensão explosiva da luta de classes nos Estados Unidos somente levaram Washington a intensificar sua imprudência geopolítica. Ao buscar um meio de desviar e reprimir a luta de classes, o capitalismo americano encontra como alvo a China.

Na edição de novembro/dezembro da Foreign Affairs, John Mearsheimer, um proeminente estudioso de relações internacionais, destaca o quão avançado é hoje o perigo de uma guerra global. Ele escreve: “A Segunda Guerra Fria já é uma realidade e, quando as duas guerras frias são comparadas, fica evidente que a rivalidade entre EUA e China traz mais probabilidades de uma guerra com troca de tiros do que a rivalidade entre EUA e União Soviética”. Ele acrescenta: “Não só é mais provável que a nova guerra fria leve a uma guerra entre grandes potências, como também ao uso de armas nucleares”.

Existe consciência, tanto de Washington quanto de Pequim, dos riscos mortais envolvidos, mas nenhuma das partes pode recuar. Elas são empurradas ao confronto. As formalidades ritualizadas da reunião de segunda-feira expressam a incapacidade fundamental das classes capitalistas de redividir o mundo de forma pacífica. A mudança dos alcances econômicos de Washington e Pequim os empurra para a guerra.

O imperialismo americano é o agressor nesse conflito crescente. Biden deu uma palestra a Xi, culpando a China pela mudança climática e criticando o histórico de “direitos humanos” de Pequim em Xinjiang, Hong Kong e no Tibete.

A hipocrisia de Biden é espantosa. Ainda neste fim de semana, o New York Times revelou que as forças militares norte-americanas cometeram um grande crime de guerra na Síria, tendo incinerado ao menos 80 mulheres e crianças desarmadas e enterrado seus corpos sob os escombros para esconder o crime. Washington está coberta de sangue. Quando Biden expressa preocupação com os direitos humanos, quer apenas fornecer um pretexto para crimes ainda maiores.

Falando da pandemia, Xi fez um apelo a Biden dizendo que a “resposta a qualquer doença importante deve se basear na ciência” e afirmou que “politizar doenças não faz bem, mas apenas mal”. Mais de 780.000 pessoas morreram de COVID-19 nos Estados Unidos, uma nação de 330 milhões de pessoas; menos de 5.000 morreram na China, uma nação de 1,4 bilhões. Enquanto Pequim tem seguido uma política científica de eliminação, os governos Trump e Biden, de forma calculada e criminosa, priorizaram o lucro sobre as vidas humanas e o resultado está sendo assassinato em massa.

A oposição de Xi a “politizar doenças” foi uma referência velada à farsa do laboratório de Wuhan, a afirmação sem fundamentos divulgada pela mídia americana, particularmente o Washington Post, e tratada como verossímil pela Casa Branca de Biden, de que a COVID-19 teve origem em um laboratório em Wuhan e que a China é responsável pela pandemia.

O fracasso abjeto da reunião Biden/Xi, incapaz de produzir sequer um documento sumário, expressa acima de tudo a beligerância de Washington. A CNN citou um alto funcionário do governo Biden, que, resumindo o evento, disse: “Não creio que o objetivo fosse particularmente o de aliviar as tensões, ou que esse foi o resultado. Queremos garantir que a competição seja gerenciada de forma responsável, que tenhamos meios de fazer isso. O presidente tem deixado bastante claro que ele vai entrar nessa dura competição”.

Nos pontos em que Xi falou com Biden sobre “cooperação”, Biden respondeu com “competição” e pediu o estabelecimento de “barreiras de contenção de bom senso” para “assegurar que a competição entre nossos países não se desvie para um conflito, seja intencional ou não”.

A burocracia do PCC, da qual Xi Jinping é o líder, não tem resposta para o perigo da guerra. O PCC stalinista usurpou a liderança da revolução chinesa e, quando sua perspectiva nacionalista chegou a um beco sem saída, comandou a restauração do capitalismo. Ele reprimiu a classe trabalhadora chinesa e lucrou com a venda da força de trabalho dos trabalhadores ao capital financeiro internacional. Ela representa os interesses da burguesia chinesa, que está buscando um papel proeminente na arena mundial.

Setores do regime ligados ao exército publicam editoriais beligerantes no Global Times, ameaçando um conflito armado sobre Taiwan. O governo cultiva deliberadamente um senso de nacionalismo, preparando as bases ideológicas para a mobilização das massas e a guerra. Outros setores com medo da guerra esperam em vão por uma reaproximação com Washington.

O imperialismo americano não tem um “grande plano”, uma estratégia vencedora em sua guinada a um grande conflito entre potências com a China. Ele não tem solução para a pandemia ou para a inflação. Não tem outra resposta para o crescimento do conflito de classes que não repressão e guerra.

Biden falou em estabelecer “barreiras de contenção” para evitar o perigo de “dar um giro” para um conflito, porém a guerra não representará um afastamento da atual trajetória dos EUA e da China. É o fim para o qual estão sendo conduzidos pela lógica objetiva do capitalismo.

A classe trabalhadora pode e deve deter esse impulso insano em direção à guerra global. Os trabalhadores chineses e americanos têm os mesmos interesses, que só podem ser defendidos através de uma estratégia socialista internacional comum para pôr fim ao capitalismo e à ameaça da guerra imperialista. Esta é a perspectiva do trotskismo, que se organiza no Comitê Internacional da Quarta Internacional.

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