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Em discurso perante tribunal, líder trotskista acusa Estado alemão de reviver leis antissocialistas ao estilo nazista

Publicado originalmente em 19 de novembro de 2021

Na quinta-feira, o Sozialistische Gleichheitspartei (Partido Socialista pela Igualdade, SGP) contestou em um tribunal da Alemanha a decisão do serviço secreto alemão (Verfassungsschutz) de classificar o SGP como uma organização “extremista de esquerda”.

Em resposta, o tribunal emitiu uma decisão baseada explicitamente na afirmação de que o apelo do SGP “por uma sociedade igualitária, democrática e socialista” viola a constituição alemã. O tribunal declarou ainda que a oposição do partido ao Estado existente e suas críticas ao sistema capitalista eram também inconstitucionais e justificavam sua designação como organização extremista e ser estritamente vigiado. O tribunal denunciou como anticonstitucional a análise marxista da sociedade, baseada em classes, bem como a oposição à propriedade capitalista dos meios de produção.

A decisão de implicações abrangentes estabelece a base para declarar como inconstitucional a venda, distribuição e leitura da literatura marxista e socialista. No documento apresentado pelo Verfassungsschutz, a polícia secreta alemã citou como prova do “extremismo” do SGP sua distribuição de literatura marxista, incluindo os escritos de David North, presidente do conselho editorial internacional do World Socialist Web Site.

Christoph Vandreier, o vice-presidente do SGP, fez a seguinte declaração na abertura da audiência. Vandreier advertiu que as classes dirigentes, não apenas na Alemanha, mas em todo o mundo, estão se voltando para medidas ditatoriais diante de um crescente levante da classe trabalhadora e da crescente popularidade do socialismo.

A decisão do tribunal confirmou a advertência de Vandreier. O tribunal apoiou plenamente o argumento antidemocrático do Ministério do Interior. Ele negou a ação judicial do SGP e condenou o partido a pagar os custos jurídicos.

O SGP vai recorrer desta decisão e mobilizar a oposição ao perigo da extrema-direita e ao ataque ao socialismo. Esta importante declaração deve ser lida cuidadosamente e amplamente distribuída.

Christoph Vandreier e Ulrich Rippert na sala de audiências (imagem: WSWS)

Sr. Presidente, gostaria de explicar brevemente por que apresentamos esta acusação e por que achamos que ela é da maior importância. Setenta e seis anos após o fim da ditadura nazista, o Ministério do Interior Federal está tentando declarar as ideias socialistas e posições de esquerda como anticonstitucionais.

O Sozialistische Gleichheitspartei (Partido Socialista pela Igualdade), na tradição do marxismo revolucionário, luta para ganhar a maioria da população para a causa da transformação socialista da sociedade. Defendemos os direitos democráticos básicos e defendemos que eles sejam levados a pleno vigor através da abolição da propriedade privada dos meios de produção e da democratização da economia.

São precisamente os excessos do capitalismo, a enorme desigualdade social, o crescente militarismo e as brutais políticas de “os lucros antes das vidas” na pandemia que estão fortalecendo as forças autoritárias e de extrema-direita em todo o mundo.

A tentativa de golpe de Donald Trump em 6 de janeiro, os preparativos de golpe por Jair Bolsonaro no Brasil, e a conspiração de direita no exército espanhol mostram que as classes dominantes em todas as partes estão confiando em métodos autoritários para impor essas políticas em face de crescente oposição.

Esse processo está muito avançado aqui na Alemanha, o país responsável pelos maiores crimes da história da humanidade. A Alternativa para a Alemanha (AfD) de extrema-direita foi totalmente integrada ao aparato estatal. Seu programa de deportações em massa de refugiados, infecção deliberada das massas da população e armamento do aparato de Estado foi posto em prática em grande parte por todos os partidos.

Redes terroristas de extrema direita estão ativas na polícia, serviços de inteligência e no exército, estocando armas, formando listas de inimigos e trabalhando para massacrar milhares de adversários políticos quando chegar o “dia X”. Os ataques terroristas em Halle e Hanau e o assassinato de Walter Lübcke são alertas muito sérios.

Nesta situação, o Gabinete para a Proteção da Constituição (Verfassungsschutz, serviço secreto) está agindo contra aqueles que lutam contra o perigo da direita e defendem os direitos democráticos básicos. O governo federal justifica a vigilância pelo serviço secreto e difamação do nosso partido, declarando sumariamente que posições de esquerda e socialistas são anticonstitucionais.

As ideias indicadas para serem proscritas já incluem, como você pode ver no resumo do Ministério Federal do Interior, “defender uma sociedade igualitária, democrática e socialista”, fazer referências positivas a Marx e Engels, críticas ao militarismo e ao nacionalismo, e a rejeição da União Europeia. Nesta base, livrarias podem ser criminalizadas, juntamente com cientistas sociais críticos ou trabalhadores grevistas.

Na verdade, porém, nada disso viola a ordem democrática básica. Pelo contrário, os direitos democráticos básicos neste país foram conquistados quase que exclusivamente pelo movimento revolucionário dos trabalhadores, que seguiu estes princípios. Foi a social-democracia marxista que se levantou contra o sufrágio de três classes prussiano e foi somente a insurreição revolucionária dos trabalhadores e soldados em 1918 que finalmente conquistou eleições livres e igualitárias na Alemanha.

Quando todos os partidos burgueses apoiaram a nomeação de Hitler como chanceler do Reich e sua tomada de poderes ditatoriais, porque esperavam que ele esmagasse o movimento operário organizado, somente o Partido Social Democrata (SPD) e o Partido Comunista (KPD) se opuseram. E foi Leon Trotsky quem veementemente defendeu uma frente única dos dois partidos operários para deter o fascismo.

É, na verdade, o Ministério do Interior Federal que está atacando os direitos democráticos básicos e argumentando inteiramente dentro do espírito do Estado autoritário, que sempre reprimiu os socialistas.

O ministério reconhece que o SGP promove suas posições exclusivamente por meios legais e democráticos e não apela para a violência. Ele justifica a vigilância pelo serviço secreto de nosso partido e sua difamação como “extremista de esquerda” exclusivamente nas ideias socialistas que propomos.

Este tipo de Gesinnungsjustiz (incriminação por ideias ou crenças) já foi aplicada no Julgamento dos Comunistas de Colônia de 1852, no qual os réus foram condenados unicamente por suas convicções políticas e não por crimes realmente cometidos. Os dois líderes operários socialistas, August Bebel e Wilhelm Liebknecht, também foram condenados a dois anos de prisão em uma fortaleza pouco depois da fundação do Reich alemão, em março de 1872, por causa de suas atividades jornalísticas contra o militarismo alemão.

Os nazistas levaram a tradição jurídica da Gesinnungsjustiz ao extremo como parte de seu terror estatal contra os comunistas. Para poderem eliminar, prender e matar todo opositor político, estabeleceram uma separação cada vez maior entre responsabilidade criminal e ações concretas. Já na década de 1930, o recém-criado Tribunal do Povo interpretou o Parágrafo 83, sobre preparação de alta traição, de tal forma que os comunistas podiam receber pena de morte com base apenas em suas convicções.

A alegação do Ministério do Interior Federal de que uma análise marxista baseada em classes sociais contradiz a dignidade humana também é emprestada da tradição desses regimes autoritários. De acordo com essa posição, não é a pobreza infantil, a falta de moradia ou a morte em massa na pandemia de coronavírus que violam a “dignidade humana”, mas sim a oposição à desigualdade social. Quem não acredita que os antagonismos de classe estão diminuindo sob o capitalismo é um inimigo da constituição, eles proclamam.

Esses foram precisamente os argumentos usados por Bismarck para justificar suas Leis Antissocialistas, que foram dirigidas contra qualquer organização na qual “as aspirações social-democratas, socialistas ou comunistas visando a derrubada do Estado ou da ordem social existente vêm à tona de uma forma que põe em perigo a paz pública, especialmente a harmonia das classes da população”.

Essa harmonia de classes imposta pelo Estado era também o núcleo da Volksgemeinschaft (comunidade do povo) nazista. Na época da queima dos livros, em maio de 1933, um dos “slogans de fogo” dizia: “Contra a luta de classes e o materialismo, pela Volksgemeinschaft e por atitudes idealistas em relação à vida! Entrego às chamas os escritos de Marx e Kautsky”.

O Ministério do Interior Federal expressa a lógica reacionária de seus argumentos quando declara que uma revolução socialista “não pode ser uma expressão da vontade do povo porque, no máximo, partes do povo afirmam suas ideias, enquanto os direitos constitucionais das outras partes do povo são suprimidos”. Isto se aplica “independentemente de violência ser usada no curso da revolução socialista”.

Aqui, o direito à propriedade privada dos meios de produção por uma pequena elite é declarado como um direito superfundamental ao qual a maioria deve se submeter. Ditadores como Hitler, Franco e Pinochet tiraram as conclusões finais de tal linha de argumentação: se a maioria se inclina para ideias socialistas, mesmo os métodos mais brutais de repressão se justificam para defender o capitalismo.

O quanto o Ministério do Interior Federal está próximo dessas concepções também é revelado em sua repreensão ao nosso partido por defender do programa fundador da Quarta Internacional de 1938, que exige o armamento do proletariado na luta contra o fascismo.

Me desculpe, mas a revolta armada da classe trabalhadora teria sido de fato a única maneira de evitar os maiores crimes da história humana, a guerra de extermínio alemã no Oriente e o Holocausto.

Ninguém via isso tão claramente como Leon Trotsky. Como nenhum outro, ele advertiu sobre as consequências da tomada do poder pelos nazistas. Ele previu a destruição das organizações operárias, assim como a Segunda Guerra Mundial e até mesmo o extermínio físico dos judeus europeus. Em numerosos artigos e escritos, Trotsky defendeu uma frente única entre os partidos social-democrata e comunista para deter o fascismo.

Os trotskistas foram, portanto, brutalmente perseguidos pela Gestapo. Em 1937, um tribunal em Danzig condenou dez trotskistas a longas penas de prisão. Entre as vítimas trotskistas dos nazistas estava Abraham Léon, autor de um estudo marxista Sobre a Questão Judaica, que realizou trabalho socialista ilegal na Bélgica e na França ocupadas e foi assassinado nas câmaras de gás de Auschwitz. O fato de o movimento trotskista estar agora sendo perseguido novamente ressalta a perigosa guinada à direita na política oficial.

Finalmente, é particularmente desonesta a tentativa do Ministério do Interior de reavivar a decisão de banimento do KPD e usá-lo contra o SGP. E não apenas porque a decisão original foi promovida pela velha elite nazista e era ela mesma inconstitucional, mas também porque visava o KPD stalinista. O Ministério do Interior Federal iguala até mesmo explicitamente stalinismo e trotskismo quando descreve o trotskismo como uma modificação do “marxismo-leninismo” – com o que querem dizer stalinismo.

Na realidade, Trotsky e a Oposição de Esquerda defendiam os princípios marxistas incorporados na Revolução de Outubro contra a contrarrevolução stalinista. Desde o início, esses princípios incluíram a democracia na União Soviética e uma orientação para a revolução socialista internacional.

O abismo intransponível entre a tirania stalinista e os princípios verdadeiramente socialistas foi revelado nas Grandes Expurgos dos anos 1930, durante os quais centenas de milhares de comunistas foram assassinados sob a acusação de trotskismo. Na República Democrática Alemã (Alemanha Oriental), trotskistas como Oskar Hippe, que lutou contra os stalinistas por democracia e socialismo, foram condenados a longas penas de prisão.

Agora, o governo federal declara que os trotskistas, as primeiras vítimas da repressão stalinista, são responsáveis por ela e por suas justificativas pseudomarxistas! O Ministério do Interior baseia muitos de seus argumentos na caricatura stalinista do marxismo e pensa seriamente que pode usá-la para argumentar contra a voz autêntica do marxismo!

O mandato do Ministério do Interior Federal é uma expressão dos mesmos sentimentos de direita radical que o ex-chefe do Gabinete Federal para a Proteção da Constituição, Hans Georg Maassen, adota diariamente. Maassen é responsável pela inclusão do SGP no relatório do Verfassungsschutz de 2017 que é o objeto da disputa. Em novembro de 2018, Maassen foi obrigado a se aposentar depois de negar que haviam ocorrido badernas da direita radical em Chemnitz e depois de esbravejar sobre “forças radicais de esquerda dentro do SPD”. Desde então, dificilmente passa um dia em que o ex-chefe da agência de inteligência não emita novas afrontas de extrema-direita.

O próprio Verfassungsschutz está intimamente entrelaçado com as redes terroristas de extrema-direita, que ele financia e controla em parte através de informantes. Enquanto os líderes dessas redes estão em sua maioria em liberdade e suas estruturas permanecem intactas, o serviço secreto está tomando medidas contra grupos de esquerda e socialistas.

Sr. presidente, suprema corte, se o senhor decidir a favor desta ação e a favor deste argumento antidemocrático, isso terá consequências abrangentes. Setenta e seis anos após o fim do regime nazista, as ideias socialistas seriam novamente declaradas inconstitucionais. Isso criaria bases para vigilância pela inteligência e ilegalização das livrarias que vendem literatura marxista, estudiosos críticos e trabalhadores grevistas. Seria um passo em direção a um Estado policial.

Esta é também a razão pela qual uma petição que publicamos em defesa do SGP na conhecida plataforma Change.org recebeu 5.240 assinaturas de países de língua alemã em pouco tempo e, além disso, muitas centenas de assinaturas de outros países.

“O SGP é o único partido que nos apoiou a nós, trabalhadores do aeroporto, em nossa luta contra o grupo WISAG”, declarou Cemaleddin Benli, um trabalhador aeroviário que foi demitido pelo WISAG e organizou meses de protestos junto com seus colegas. “Um ataque ao SGP é um ataque a todos os trabalhadores que lutam contra a exploração, demissões, roubo de salário e a pandemia do coronavírus”.

Claudia, membro dos Comitês de Ação pela Educação Segura, escreveu: “É absolutamente impensável que um partido que está comprometido com a segurança e proteção de nossas crianças contra a contaminação seja controlado pelo Gabinete de Proteção da Constituição. O SGP é o único partido que se manteve junto aos pais, crianças e professores e lutou com as #shadowfamilies [famílias nas sombras] para que elas não sejam perdidas para pandemia!”.

Apresentamos a vocês as 5.457 assinaturas e os inúmeros comentários de trabalhadores, jovens e intelectuais que atribuem a maior importância a este caso e protestam nos termos mais fortes contra a argumentação antidemocrática do Ministério do Interior Federal.

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