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Políticos e imprensa escondem aumento de doenças respiratórias em crianças no Brasil para promover o fim da pandemia de COVID-19

Publicado originalmente em 25 de novembro de 2021

À medida que se aproxima o fim do ano letivo de 2021 no Brasil, a campanha pelo retorno ao ensino presencial está levando a mais casos e mortes de crianças por COVID-19.

Alunos adolescentes de escolas municipais são vacinados contra COVID-19 em Salvador, Bahia (Crédito: André Carvalho/Smed/FotosPublicas)

Neste ano, com a propagação das variantes Gama e Delta, mais transmissíveis, ocorreram 1.245 óbitos de crianças e adolescentes entre 0 e 19 anos de idade por COVID-19 até 18 de setembro. Esse número de óbitos, que já havia ultrapassado o número total de óbitos de todo o ano passado ‒ 1.203 mortes – antecede a reabertura das escolas com permissão de 100% de ocupação e a obrigatoriedade do ensino presencial implementadas nos últimos dois meses ao redor do país.

Em um relatório da Fiocruz publicado na semana passada, é apontado que, apesar da estabilidade no total de novos casos de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave), o número está aumentando entre crianças de 0 a 9 anos de idade, com cerca de 1.500 casos semanais.

Apesar de o número de casos de COVID-19 atualmente ser uma minoria do total de casos de SRAG, esse aumento revela a facilidade de propagação dos vírus transmissíveis pelo ar nas escolas, e enfatiza a necessidade do seu fechamento imediato, com o objetivo de impedir que elas se tornem novamente centros de transmissão da pandemia.

Ao invés disso, em meio ao recorde de casos na Europa e aos alertas da Fiocruz de que a circulação de pessoas já é maior do que no período pré-pandemia, a diminuição do número de internações e óbitos por COVID-19 em algumas regiões do país e o avanço da vacinação estão sendo utilizados pelo governo para justificar a “convivência com a COVID-19”.

Desde outubro, os governos estaduais e municipais têm pressionado pelo ensino presencial obrigatório para forçar os pais a deixarem seus filhos nas escolas e retornarem aos locais de trabalho inseguros, de modo a garantir os lucros das grandes empresas. Ao mesmo tempo, como parte da campanha de propaganda do governo para convencer o público de que o vírus está sob controle, o uso de máscaras em locais abertos não é mais obrigatório no estado do Rio de Janeiro, e o governo de São Paulo anunciou o fim da mesma obrigatoriedade a partir de 11 de dezembro.

Tal propaganda é completamente falsa. Hoje, é impossível determinar precisamente a situação da pandemia no Brasil. O país é o 128º no ranking mundial em testes por milhão de habitantes, uma posição próxima àquela de países devastados pela guerra, como Iraque e Líbia. Com a testagem priorizando casos sintomáticos, a taxa de positividade atualmente é de 27,54%, muito acima dos 5% necessários para acompanhar a transmissão do coronavírus na população. O número oficial de novos casos de COVID-19 vem diminuindo, com 58.312 casos registrados na semana passada.

Mesmo assumindo que os números oficiais sejam confiáveis, as tentativas do governo e da grande mídia de promover a “convivência” com o coronavírus significam aceitar mais de mil óbitos a cada semana no país, com 1.365 mortes tendo sido confirmadas na semana passada, além das outras dezenas de milhares de pessoas que sofrerão os efeitos da COVID Longa.

No dia 18 de Novembro, o estado do Piauí reportou 100% de ocupação dos leitos de UTI, tendo mantido essa taxa nos últimos três meses. Ao invés de conter o vírus, o governo do estado anunciou esforços para ampliar a sua capacidade de internação, mostrando-se indiferente à alta taxa de letalidade da doença para pacientes que necessitam de internação. Na cidade de Serrana, no estado de São Paulo, onde a população acima de 18 anos foi completamente imunizada sete meses atrás como parte de um estudo do Instituto Butantan, ligado ao governo, o número de casos triplicou em outubro e continuou a crescer em novembro.

Após dezenas de estados terem anunciado a obrigatoriedade do ensino presencial, incluindo aqueles governados pelo Partido dos Trabalhadores (PT), a prefeitura da capital do estado da Bahia, Salvador, anunciou o retorno obrigatório no dia 17. A prefeitura admitiu dificuldades para implementar a reabertura diante da forte oposição entre os pais. Muitos estão se recusando a enviar seus filhos para escolas as lotadas faltando apenas algumas semanas para o fim do ano letivo.

Em uma admissão tácita da forte resistência ao retorno presencial entre pais e professores, no dia 7 de novembro, o secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro, Renan Ferreirinha Carneiro, escreveu um artigo de opinião na Folha de São Paulo defendendo o retorno presencial obrigatório. Ao fazer um chamado por um retorno rápido, Carneiro declarou: “só na rede municipal, 25 mil alunos não estão interagindo com a escola remotamente nem indo presencialmente”. Esse número corresponde a 5,5% dos alunos matriculados na rede pública da capital do estado.

Assim como foi feito internacionalmente, o secretário Carneiro retratou de forma fraudulenta a obrigatoriedade como uma luta contra a exclusão social, acobertada por mentiras de que “as escolas foram se adequando às condições sanitárias e de infraestrutura exigidas”. A verdade é exatamente o oposto.

Desde o início da pandemia, as medidas implementadas para o ensino remoto foram planejadas tendo em mente os interesses das grandes empresas, oferecendo acordos de centenas de milhões de reais para as provedoras de internet e de telefonia móvel para que fornecessem plataformas de ensino em massa. Enquanto isso, milhões de estudantes sem acesso à internet ou equipamentos digitais adequados foram na prática excluídos do ensino remoto.

Com relação às supostas adaptações feitas nas escolas, uma amostra da sua insuficiência foi revelada em um relatório do Tribunal de Contas do Estado do Paraná de setembro, que apontou que 14,3% das escolas possuíam janelas danificadas, muito pequenas ou do tipo basculante. Tais condições se repetem em escolas de todo o país.

Apesar da enxurrada de propaganda do governo e da mídia a favor da propagação do vírus, os pais e professores estão perfeitamente conscientes dessa situação, e forneceram ao World Socialist Web Site (WSWS) relatos sobre as reais condições nas suas comunidades.

Fátima, uma mãe de Nova Iguaçu, no estado do Rio de Janeiro, participou da reunião online “A necessidade de fechamento das escolas e os meios para acabar com a pandemia”, de 2 de novembro, organizada pelo Comitê de Base pela Educação Segura no Brasil (CBES-BR). Ela descreveu os esforços do governo estadual para abandonar quaisquer medidas que impeçam a propagação do vírus.

Fátima disse: “Aqui na região, os políticos dizem que não tem mais pacientes internados e que a vacinação está em alta, e quase não se tem mais casos de COVID-19, mas a realidade é outra: em todos os casos de suspeita de COVID-19, os médicos passam os remédios e dizem que é sinusite. Enfim, agora temos surtos de sinusite, porque na casa da minha mãe foram quatro pessoas com os mesmos sintomas. No colégio da minha filha, a aglomeração continua... A pressão foi enorme para voltar”.

Luís, um professor também do Rio de Janeiro, havia enviado uma denúncia das condições inseguras na escola onde trabalha ao encontro do CBES-BR. Ele descreveu a situação a que as famílias estão sendo submetidas.

“[O fim do ano letivo no] estado foi uma bagunça surreal. No final das contas continuam tendo alunos que não retornaram por comorbidade, e alunos sem internet entregando apostilas, só que agora as salas estão um pouco mais cheias. Tecnicamente, as aulas vão até 17 de dezembro, mas eu já estou fechando as atividades do pessoal presencial para poder me dedicar ao caso dos alunos que não voltaram, pensando também em esvaziar a escola logo”.

Suas preocupações são agravadas pelos riscos de longo prazo às crianças expostas ao coronavírus, mesmo que elas não sejam tão gravemente afetadas pelos sintomas respiratórios quanto os adultos e idosos.

Em uma entrevista ao WSWS, o imunologista Dr. Anthony Leonardi, que foi co-autor de um estudo recente sobre o impacto da COVID Longa, explicou que as moléculas ligadas à proteína S do vírus induzem uma resposta imune excessiva, resultando em danos aos tecidos e células do corpo.

A COVID Longa possui o potencial de causar danos em qualquer parte do corpo, e os danos neurológicos são uma das maiores preocupações: “O sistema imune é responsável por entrar em todos os tecidos no corpo, exceto alguns locais especiais em termos de imunidade. Porém, o SARS-CoV-2 não respeita esses locais. Ele leva células T ao interior do cérebro. Então, podemos ver o impacto da infecção em todos os sistemas fisiológicos. Isso porque, se o vírus distorce o sistema imune e ele é responsável por patrulhar o corpo em todos os lugares, então haverá problemas em todos os lugares”.

A circulação da COVID-19 de forma endêmica traria terríveis consequências: “Até que esse vírus se tornasse endêmico, nós veríamos muitas pessoas incapacitadas, com autoimunidade. E com memória imune, que não é capaz de impedir completamente infecções leves e moderadas novamente. Na minha opinião, o dano poderia ser cumulativo”.

O Dr. Leonardi criticou os esforços para esconder a gravidade da COVID-19 em crianças: “Existe uma suposição terrível de que as crianças não tem problemas com a infecção por SARS-CoV-2. Enquanto isso, os dados estão mostrando que elas têm perdido mais anos de vida saudáveis do que os adultos”, ele disse. “E as crianças tem mais chances de serem infectadas e reinfectadas do que os adultos”.

Os pais e professores não estão sozinhos na sua oposição à infecção em massa das crianças e à continuada exposição da população ao mortal SARS-CoV-2, com consequências imediatas e de longo prazo terríveis para milhões de pessoas.

Um movimento grevista crescente está se desenvolvendo internacionalmente contra as políticas capitalistas em resposta à pandemia, que estão provocando mortes e empobrecimento em larga escala.

No Brasil, ao longo do ano, ocorreram várias greves e protestos de enfermeiros, caminhoneiros, petroleiros, motoristas de aplicativos e outros setores. Em setembro, os trabalhadores do estaleiro da Jurong entraram em greve diante da recusa da empresa em aumentar os salários e, no mês passado, mais de 4 mil trabalhadores da General Motors na região industrial do ABC realizaram uma greve de duas semanas, rejeitando as propostas de contrato apresentadas pela empresa e pelo sindicato.

Trabalhadores da educação entraram em greve por meses durante a pandemia, em oposição ao retorno presencial e para impedir a propagação da pandemia. Recentemente, houve uma manifestação de milhares de professores das escolas municipais de São Paulo contra os cortes nas aposentadorias.

Para fazer avançar essa luta internacional contra o “novo normal” de infecções, mortes, sequelas de longo prazo e pobreza em massa, o Comitê Internacional da Quarta Internacional lançou a Investigação Mundial dos Trabalhadores sobre a Pandemia da COVID-19. O inquérito irá analisar a origem e as causas da pandemia, indiciar os responsáveis pelas mortes de mais de 15 milhões de pessoas, e confrontar a política homicida dos governos capitalistas em todo o mundo com uma campanha para eliminar o coronavírus em todos os países. O CBES-BR faz um chamado a todos os trabalhadores e cientistas brasileiros para que se juntem a essa luta e contribuam para os trabalhos da investigação.

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