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1968: A greve geral e a revolta estudantil na França

Parte 1 – Desenvolve-se uma situação revolucionária

Esta série de artigos foi publicada originalmente no World Socialist Web Site entre maio e junho de 2008, quando se completaram 40 anos da greve geral de 1968 na França. Apenas a introdução a esta série foi publicada em 2018, e faz um balanço do que aconteceu com as lideranças e as organizações políticas que ajudaram a enterrar a até então maior ofensiva da classe trabalhadora desde a Segunda Guerra Mundial.

Introdução

Entre maio e junho de 1968, uma greve geral levou a França à beira da revolução proletária. Cerca de 10 milhões de trabalhadores largaram as ferramentas, ocuparam fábricas e paralisaram a vida económica do país. O capitalismo francês e o regime do General Charles De Gaulle sobreviveram apenas graças ao apoio do Partido Comunista e da central sindical por ele controlada, a CGT (Confederação Geral do Trabalho), que fizeram tudo o que estavam ao seu alcance para controlar a situação e suspender a greve geral. Ela foi precedida por uma radicalização global da juventude contra a guerra no Vietnã, o regime do Xá no Irã e uma situação de opressão generalizada. A greve geral francesa foi o prelúdio da maior ofensiva da classe operária internacional desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Essa ofensiva durou até meados da década de 1970, levou a renúncia de governos, derrubou ditaduras e colocou em questão o regime burguês como um todo. A Alemanha presenciou as “greves de Setembro” em 1969, enquanto a Itália passou pelo “Outono Quente”. Na Polónia e na Checoslováquia, com a Primavera de Praga, trabalhadores revoltaram-se contra a ditadura stalinista. No Reino Unido, os mineiros derrubaram em 1974 o governo do Partido Conservador liderado por Edward Heath. As ditaduras de direita caíram na Grécia, Espanha e Portugal. Os Estados Unidos foram forçados a retirar-se derrotado do Vietnã.

Hoje, as lições deste período revolucionário são de enorme importância. Embora a luta de classes tenha sido suprimida por um longo período, as contradições de classe chegaram a um ponto em que não podem mais ser contidas. Em todo o mundo, o capitalismo está em profunda crise. Enquanto os padrões de vida de amplos setores da população estão em declínio, aqueles que estão no topo da sociedade estão se enriquecendo enormemente. As classes dominantes de todas as potências imperialistas estão respondendo às crescentes tensões sociais e internacionais com guerra, militarismo e ataques aos direitos sociais e democráticos. Sinais de resistência crescente e uma luta de classes cada vez mais acirrada estão aumentando em todo o mundo - greves de professores nos Estados Unidos, greves de ferroviários na França e a alta participação de trabalhadores industriais e do setor público em greves sobre novos acordos de negociação coletiva na Alemanha são apenas os sinais iniciais desse processo.

O capitalismo sobreviveu ao período de 1968 a 1975 graças ao stalinismo, à socialdemocracia e aos sindicatos, que usaram sua influência sobre as massas para controlar as lutas e derrotá-las. Embora a ofensiva da classe trabalhadora tenha enfraquecido a influência desses aparatos burocráticos, uma série de organizações, que se descreveram como “socialistas”, “marxistas” e até mesmo “trotskistas”, bloquearam o desenvolvimento de uma nova direção revolucionária e se voltaram para os partidos socialdemocratas. Na França, isso aconteceu através do Partido Socialista de François Mitterrand, que se tornou o instrumento mais importante do regime burguês nas três décadas seguintes; na Alemanha foram os socialdemocratas sob Willy Brandt, que chegaram ao auge de sua influência nos anos 1970.

Na década de 1930, Leon Trotsky fundou a Quarta Internacional porque a Terceira, a Internacional Comunista, sob a influência do stalinismo, tinha passado definitivamente para o campo da contrarrevolução burguesa. Entretanto, pouco depois de sua fundação em 1938, tendências pequeno-burguesas surgiram dentro da Quarta Internacional e colocaram a culpa pelas derrotas da classe trabalhadora - na China em 1927, na Alemanha em 1933 e na Espanha em 1939 - não nas traições de sua direção, mas na suposta incapacidade da classe trabalhadora de cumprir sua tarefa revolucionária.

O ataque ao papel revolucionário da classe trabalhadora culminou em 1953 com a tentativa de uma tendência revisionista, liderada por Michel Pablo e Ernest Mandel, de liquidar as seções da Quarta Internacional nos movimentos stalinista, socialdemocrata e nacionalista burguês, que, segundo eles, adotariam medidas revolucionárias sob a pressão de eventos objetivos. Eles elogiaram os líderes stalinistas e nacionalistas, como Ben Bella na Argélia e Fidel Castro em Cuba, como supostas “alternativas” ao trotskismo. O Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) foi fundado durante este período para defender a construção de partidos revolucionários independentes da classe trabalhadora com base no programa da Quarta Internacional contra o revisionismo pablista.

As partes três e quatro desta série explicam o papel desempenhado pela seção francesa do Secretariado Unificado pablista, a Jeunesses Communistes Révolutionnaires (JCR - Juventude Comunista Revolucionária), de Alain Krivine, durante os eventos de 1968. A JCR encobriu as traições do Partido Comunista Francês e da CGT, e se dissolveu totalmente entre anarquistas, maoístas e outros grupos estudantis pequeno-burgueses. Hoje, seus membros restantes fazem parte do Nouveau Parti Anticapitalista (NPA – Novo Partido Anticapitalista), que rejeita explicitamente o trotskismo, coopera com os stalinistas, o Partido Socialista e outros partidos burgueses, e tem defendido as intervenções “humanitárias” imperialistas na Líbia e na Síria. Muitos ex-membros da JCR, que passou a se chamar Liga Comunista Revolucionária (LCR) em 1974, tiveram longas carreiras no Partido Socialista e em outras organizações burguesas.

O CIQI foi a única tendência em 1968 a lutar contra a influência política do stalinismo, da socialdemocracia e do nacionalismo burguês. No entanto, ele travou essa luta sob condições de extremo isolamento, que não foi causado apenas pelas grandes organizações burocráticas, mas também pelo papel desprezível do pablismo. Sob as pressões sociais e ideológicas dentro das quais o CIQI atuou, também se desenvolveram tendências de adaptação dentro das próprias fileiras da organização.

A Organisation Communiste Internationaliste (OCI - Organização Comunista Internacionalista), co-fundadora do CIQI em 1953, levou adiante uma política centrista em 1968. À medida que milhares de membros inexperientes ingressaram no partido, ela deu uma forte guinada à direita. Em 1971, a OCI rompeu com o Comitê Internacional e seus membros ingressaram no Partido Socialista de Mitterrand. Entre esses membros estavam o futuro líder e primeiro-ministro francês pelo PS Lionel Jospin, o atual líder do PS Jean-Christophe Cambadélis e o fundador do partido França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon. Mélenchon, um nacionalista de “esquerda”, defende que a França seja uma potência nuclear e a reintrodução do serviço militar obrigatório.

As últimas quatro partes desta série tratam em detalhes do papel da OCI, sua história e os problemas teóricos e políticos que levaram à sua transformação em um pilar fundamental na sustentação do regime burguês francês. O estudo e a compreensão dessas experiências têm um enorme significado na preparação das lutas futuras da classe trabalhadora.

A evolução dos pablistas e da OCI fizeram parte de uma guinada à direita da pequena-burguesia acadêmica. Enquanto muitos líderes estudantis em 1968 empregavam um vocabulário aparentemente marxista, suas concepções foram moldadas pela Escola de Frankfurt, pelo existencialismo e por outras tendências antimarxistas, que negavam o papel revolucionário da classe trabalhadora. Para eles, o conceito de revolução, que utilizavam excessivamente, não significava a conquista do poder do Estado pela classe trabalhadora, mas a emancipação social, pessoal e sexual do indivíduo pequeno-burguês.

A intervenção da classe trabalhadora na França em maio de 1968 “teve um efeito traumático sobre amplas seções de intelectuais franceses”, escreveu David North, presidente do conselho editorial internacional do World Socialist Web Site, em seu ensaio The The Theoretical and Historical Origins of the Pseudo-Left (As Origens Teóricas e Históricas da Pseudoesquerda). “Retocar o conceito de revolução colocou em movimento uma guinada brusca para a direita”. Os chamados “novos filósofos”, incluindo Jean-Francois Revel e Bernard-Henri Levy, “abraçaram o anticomunismo sob a bandeira hipócrita dos ‘direitos humanos’”. Outro grupo de filósofos, liderado por Jean-Francois Lyotard, “justificou seu repúdio ao marxismo com as formulações intelectualmente niilistas do pós-modernismo”. O autor existencialista André Gorz escreveu um livro com o seguinte título provocador: “Adeus à Classe Trabalhadora!”

Esses intelectuais falavam em nome da classe média, para quem 1968 foi apenas uma etapa em seu próprio avanço social e pessoal, e que mais tarde ocupariam posições em ministérios do governo, redações e até mesmo diretoria de empresas. A quarta parte desta série faz referência a Edwy Plenel, um membro de longa data da LCR, que, como editor do Le Monde, escreveu em 2001: “Eu não era o único: éramos certamente dezenas de milhares - aqueles que, depois de terem sido ativos na extrema esquerda - trotskistas ou não trotskistas - rechaçaram as lições militantes e olharam para trás, em parte de forma crítica, para nossas ilusões daquele período”.

O Partido Verde alemão, cujos membros foram líderes dos protestos de 1968, encarnam este processo. Ele foi transformado de um partido pequeno-burguês de protesto, defensor do meio ambiente e do pacifismo em um adereço confiável do militarismo alemão. Daniel Cohn-Bendit, que é, pelo menos na mídia, o líder mais conhecido da revolta estudantil francesa, foi o mentor e amigo de Joschka Fischer, que, como Ministro das Relações Exteriores alemão em 1999, foi responsável pela primeira intervenção militar alemã desde a Segunda Guerra Mundial na Iugoslávia. Como membro do Partido Verde do Parlamento Europeu, Cohn-Bendit apoiou a guerra contra a Líbia, defende a União Europeia e elogiou o presidente francês Emmanuel Macron.

O confronto de classes que se anuncia hoje está acontecendo sob condições muito diferentes daquelas que ocorreram durante as lutas de 1968-75.

Em primeiro lugar, a burguesia não tem mais a margem de manobra econômica para fazer concessões sociais. O movimento de 1968 foi desencadeado, em parte, pela primeira grande recessão pós-guerra em 1966, que levou ao fim do sistema de Bretton Woods em 1971 e a uma nova recessão em 1973. Mas o boom do pós-guerra tinha acabado de atingir seu auge nesse período. A burguesia conseguiu acabar com as greves e protestos com melhorias significativas nos salários e condições de trabalho. As universidades foram substancialmente expandidas para tirar a juventude rebelde das ruas.

Tais reformas dentro de uma estrutura nacional não são mais possíveis hoje em dia. A luta global pela competitividade e o domínio dos mercados financeiros internacionais sobre todos os aspectos da produção iniciou uma impiedosa corrida para o abismo.

Em segundo lugar, as organizações stalinistas e socialdemocratas, que tinham milhões de membros há meio século e garantiram a sobrevivência do capitalismo, estão agora amplamente desacreditadas. A União Soviética não existe mais, após ter sido dissolvida pela burocracia stalinista. A China foi transformada em um paraíso para a exploração capitalista da classe trabalhadora pelo maoísta Partido Comunista. Como outros partidos socialdemocratas, o Partido Socialista da França entrou em colapso e o SPD da Alemanha está em queda livre. Os sindicatos foram transformados em co-gestores da administração capitalista, que organizam cortes de empregos e são odiados pelos trabalhadores.

As organizações pseudoesquerdistas, que isolaram o Comitê Internacional em 1968, se integraram ao Estado burguês e suas instituições. Elas apoiam os ataques contra a classe trabalhadora e as guerras imperialistas. Isso é claramente visto na Grécia, onde a “Coalizão da Esquerda Radical” (Syriza) assumiu o papel de dizimar o nível de vida da classe trabalhadora em nome dos bancos internacionais. As próximas lutas de classe se desenvolverão através de uma rebelião contra essas organizações burocráticas e seus apologistas pseudoesquerdistas, que se tornaram uma armadilha para a classe trabalhadora.

O Comitê Internacional da Quarta Internacional e sua histórica luta contra o stalinismo, a socialdemocracia, o revisionismo pablista e outras formas de política pseudoesquerdista serão decisivas para armar a classe trabalhadora para essas lutas. Sua capacidade de prever a trajetória correta dessas tendências e expor seu papel confirma que o CIQI é o partido marxista que agora deve ser construído. O Parti de l'égalité socialiste, a seção francesa do CIQI, é a única tendência que representa um programa socialista capaz de unir a classe trabalhadora na luta contra o capitalismo e a guerra.

A França antes de 1968

A França nos anos 1960 é caracterizada por uma profunda contradição. O regime político é autoritário e extremamente reacionário, personificado pelo General Charles De Gaulle, que parece vir de outra era e representar inteiramente em sua pessoa a Quinta República. De Gaulle tem 68 anos quando é eleito presidente em 1958, e 78 quando renuncia em 1969. No entanto, sob o regime fossilizado do velho general, uma rápida modernização econômica está acontecendo, alterando fundamentalmente a composição social da sociedade francesa.

No final da Segunda Guerra Mundial, grandes regiões da França dependem da agricultura, com 37% da população tirando seu sustento da terra. Nos 20 anos que se seguiram, dois terços dos agricultores franceses deixaram suas terras e mudaram-se para as cidades, onde - juntamente com trabalhadores imigrantes - adicionaram às fileiras da classe trabalhadora uma camada social jovem e politizada, difícil de ser controlada pela burocracia sindical.

Após o fim da Guerra da Argélia, em 1962, a economia francesa cresce rapidamente. A perda de suas colônias força a burguesia francesa a orientar sua economia mais fortemente em direção à Europa. Em 1957, a França já havia assinado o Tratado de Roma, documento fundador da Comunidade Econômica Europeia, antecessora da União Europeia. A integração econômica da Europa favorece a construção de novos ramos da indústria, que compensam o declínio das minas de carvão e de outras velhas indústrias além do esperado. Nos setores de automóveis, aeronaves, tecnologia espacial, armamentos e energia nuclear são abertas novas fábricas e companhias com o apoio do governo. Elas são normalmente localizadas fora dos centros industriais tradicionais e mais adiante estarão entre as fortalezas da greve geral de 1968.

A cidade de Caen na Normandia é exemplar neste sentido. O número de habitantes cresce de 90.000 em 1954 para 150.000 em 1968, dos quais metade tem menos de 30 anos de idade. Saviem, uma parceira da automotiva Renault, emprega em torno de 3.000 trabalhadores. Eles decretam greve em janeiro, quatro meses antes da greve geral, ocupando a fábrica temporariamente e engajando-se em uma acirrada batalha com a polícia.

Nota-se uma radicalização também dentro dos sindicatos. A antiga central sindical católica, a CFTC (Confederação Francesa de Trabalhadores Cristãos), racha e a maioria dos membros se reorganiza em uma base laica na CFDT (Confederação Francesa Democrática do Trabalho), que reconhece a “luta de classes” e, no início de 1966, aceita agir em unidade com a CGT.

O estabelecimento de novas indústrias traz consigo um grande crescimento no setor educacional. Novos engenheiros, técnicos e trabalhadores especializados são requisitados com urgência. Somente entre 1962 e 1968, o número de estudantes dobra. As universidades estão lotadas, mal equipadas e, como as fábricas, controladas por uma administração patriarcal com valores antiquados.

A oposição às más condições de educação e ao autoritário regime universitário - entre outras coisas, a proibição a moradores da residência estudantil realizar visitas ao sexo oposto - é um fator importante na radicalização dos estudantes, que logo ligam tais questões a problemas políticos. Em maio de 1966 ocorre a primeira manifestação contrária à guerra no Vietnã. Um ano depois, em 2 de junho de 1967, o estudante Benno Ohnesorg é morto a tiro pela polícia de Berlim, e os protestos estudantis alemães ecoam na França.

No mesmo ano os efeitos da recessão mundial são sentidos e radicalizam os trabalhadores. Por anos, os níveis de vida e as condições de trabalho têm estado abaixo do ritmo do desenvolvimento econômico. Os salários são baixos, as horas de trabalho longas e dentro das fábricas os trabalhadores não possuem direitos. Agora o desemprego e a jornada de trabalho são cada vez maiores. As indústrias mineradoras, de aço e têxteis estão estagnadas.

A liderança dos sindicatos organiza protestos burocratizados, de cima para baixo, para não perder o controle da situação. Mas os protestos locais são construídos pela base e brutalmente reprimidos pela polícia. Em fevereiro de 1967, os trabalhadores da manufatura têxtil Rhodiacéta na cidade de Besançon são os primeiros a ocuparem sua fábrica, protestando contra demissões e exigindo melhores condições de trabalho.

Produtores rurais também protestam contra a queda de seus rendimentos. Em 1967 vários protestos rurais no oeste da França se transformam em batalhas nas ruas. De acordo com um relatório policial da época, os agricultores são “numerosos, agressivos, organizados e armados com vários projéteis: pregos, paralelepípedos, pedaços de metal, garrafas e pedregulhos.”

No início de 1968, a França parece relativamente calma na superfície, mas por baixo dela as tensões sociais estão crescendo. O país inteiro parece um barril de pólvora. Tudo que é necessário para causar uma explosão é uma faísca repentina. Esta faísca foram os protestos estudantis.

A revolta estudantil e a greve geral

A Universidade de Nanterre está entre as instituições superiores que foram abertas nos anos 1960. Construída sobre terreno que antes pertencia às forças armadas a apenas cinco quilômetros de Paris, ela foi inaugurada em 1964. Ela é cercada por vizinhanças pobres, chamadas “bidonvilles”, e fábricas. Em 8 de janeiro de 1968, os estudantes em protesto confrontam o ministro da juventude François Missoffe, que está na região para inaugurar uma nova piscina.

Apesar de o incidente ser, em si mesmo, relativamente insignificante, as medidas disciplinares aplicadas contra os estudantes, assim como as repetidas intervenções policiais, intensificaram o conflito e fizeram de Nanterre o início de um movimento que se alastrou rapidamente pelas universidades e escolas secundaristas de todo o país. No centro de seu movimento estão as reivindicações por melhores condições de aprendizado, livre acesso à universidade, mais liberdades políticas e pessoais, a libertação dos estudantes detidos, assim como a oposição à guerra americana contra o Vietnã, onde, no fim de janeiro, inicia-se a Ofensiva Tet.

Em algumas cidades, como Caen e Bordeaux, trabalhadores, estudantes universitários e secundaristas tomam as ruas juntos. Em 12 de abril, ocorre uma marcha em Paris em solidariedade ao estudante alemão Rudi Dutschke, que levou um tiro de um fascista enraivecido em uma rua de Berlim.

Em 22 de março, 142 estudantes ocupam o prédio da administração da Universidade de Nanterre. A administração reage fechando completamente a universidade por um mês inteiro. O conflito chega então à Sorbonne, a mais velha universidade da França, localizada no Quartier Latin em Paris. Em 3 de maio, representantes de diversas organizações estudantis se reúnem para discutir como a campanha deve prosseguir. Enquanto isso, grupos de extrema direita estão protestando do lado de fora. O reitor da universidade chama a polícia, que desocupa o campus. Uma imensa e espontânea manifestação irrompe. A polícia reage brutalmente e os estudantes respondem erguendo barricadas. Até o final da noite, cerca de cem estudantes são feridos e mais outras centenas são presos. Um dia após as prisões, 13 estudantes recebem sentenças cruéis baseadas exclusivamente em depoimentos de policiais.

O governo e a mídia se esforçam para retratar as batalhas urbanas no Quartier Latin como obra de arruaceiros e grupos radicais. O Partido Comunista também se junta ao coro contrário aos estudantes. Sua segunda figura mais importante, Georges Marchais, que mais tarde se tornaria o secretário geral do partido, dispara um ataque violento contra os estudantes “pseudo-revolucionários” na primeira página do jornal do partido, o L’Humanité. Ele os acusa de legitimar os “provocadores fascistas”. Marchais está acima de tudo revoltado pelo fato de os estudantes “distribuírem panfletos e outros materiais de propaganda em números cada vez maiores nas portas das fábricas e nos bairros de trabalhadores imigrantes.” E ameaça: “Esses falsos revolucionários têm que ser denunciados, porque estão objetivamente servindo os interesses do regime gaullista e dos grandes monopólios capitalistas.”

Mas suas iscas não são mordidas. O país está chocado com as ações violentas da polícia que são transmitidas pelo rádio. Os eventos agora recebem um impulso próprio. Os atos em Paris ficam maiores a cada dia e se espalham a outras cidades. Eles são direcionados contra a repressão policial e exigem a soltura daqueles estudantes presos. Estudantes secundaristas também participam da greve. No dia 8 de maio ocorre uma primeira greve geral de um dia no oeste da França.

A partir da noite de 10-11 de maio, o Quartier Latin está tomado pela “Noite das Barricadas.” Dezenas de milhares de pessoas estão dentro das barricadas no bairro da universidade, que é então invadida pela polícia usando gás lacrimogêneo às duas da manhã. Centenas de pessoas são feridas.

No dia seguinte, o Primeiro-Ministro Georges Pompidou, que acaba de voltar de uma visita diplomática ao Irã, anuncia a reabertura da Sorbonne e a libertação dos estudantes presos. Porém, suas ações não conseguem mais controlar a situação. Os sindicatos, incluindo a CGT dominada pelo Partido Comunista, conclamam uma greve geral para o dia 13 de maio contra a repressão policial. Os sindicatos temem perder o controle sobre os trabalhadores militantes caso não façam nada.

O chamado de greve tem uma enorme resposta. Muitas cidades testemunham os maiores protestos de massas desde a Segunda Guerra Mundial. Somente em Paris, 800.000 pessoas vão às ruas. Reivindicações políticas vêm à tona. Muitos exigem a renúncia do governo. Durante a noite, a Sorbonne e outras universidades são reocupadas pelos estudantes.

O plano dos sindicatos de limitar a greve geral a um só dia não consegue se efetivar. No dia seguinte, 14 de maio, os trabalhadores ocupam a fábrica Sud-Aviation, em Nantes. A fábrica permanece sob controle dos operários por um mês, com bandeiras vermelhas tremulando sobre o prédio da administração. O diretor regional, Duvochel, é mantido refém pelos trabalhadores por 16 dias. O gerente geral da Sud-Aviation nesta época é Maurice Papon, um colaborador nazista, criminoso de guerra e chefe da polícia parisiense em 1961, quando foi responsável pelo assassinato de pessoas que protestavam contra a guerra da Argélia.

Operários de outras fábricas seguem o exemplo da Sud-Aviation, e uma onda de ocupações avança sobre o país de 15 a 20 de maio. Em todos os lugares, bandeiras vermelhas são erguidas e em muitas fábricas a gerência é mantida na ocupação. As ações afetam centenas de fábricas e escritórios incluindo a maior fábrica do país, a fábrica principal da Renault, em Billancourt, que havia desempenhado um papel fundamental na onda de greves de 1947.

Inicialmente, os trabalhadores levantam reivindicações imediatas, que se diferenciam de um lugar para o outro: remuneração mais justa, diminuição das horas de trabalho, nenhuma demissão, mais direitos aos trabalhadores da fábrica. Comitês de ação e de trabalhadores surgem nas fábricas ocupadas e nos arredores, unindo moradores locais, estudantes universitários e secundaristas junto com os operários e funcionários técnicos e administrativos em greve. Os comitês se responsabilizam pela organização de greves e desenvolvem-se em fóruns de intenso debate político. O mesmo acontece nas universidades, que estão em grande parte ocupadas por estudantes.

Em 20 de maio, o país inteiro está paralisado - atingido por uma greve geral, mesmo com os sindicatos e nenhuma outra organização tendo lançado um chamado de greve. Fábricas, escritórios, escolas e universidades estão ocupados, a produção e o sistema de transportes paralisados. Artistas, jornalistas e até mesmo jogadores de futebol juntam-se ao movimento. Dez milhões de pessoas, das 15 milhões da força de trabalho francesa, estão envolvidas na ação. Estudos posteriores revisaram este número para 7-9 milhões, mas, ainda assim, esta continua sendo a maior greve geral da história da França. “Somente” três milhões de trabalhadores haviam tomado parte na greve geral em 1936, enquanto 2,5 milhões de trabalhadores participaram da greve geral de 1947.

A onda de greves atinge seu pico entre 22 e 30 de maio, mas chega a durar até julho. Mais de 4 milhões de trabalhadores permanecem em greve por mais de três semanas e 2 milhões por mais de quatro semanas. De acordo com o Ministério do Trabalho francês, um total de 150 milhões de dias de trabalho são perdidos em 1968 devido a greves. Em comparação com a greve de mineiros na Reino Unido em 1974, que derrubou o governo do Partido Conservador liderado por Edward Heath, resultou em um total de 14 milhões de dias de trabalho perdidos.

Em 20 de maio, o governo perde o controle sobre o país. A reivindicação pela renúncia de De Gaulle e seu governo (“dez anos é demais”) já está disseminada. Em 24 de maio, De Gaulle tenta retomar o controle da situação através de um discurso televisionado à nação. Ele promete um plebiscito, dando aos estudantes e trabalhadores mais direitos em empresas e universidades. Mas sua aparência só demonstra impotência. Seu discurso não causa nenhum impacto.

Nas três primeiras semanas de maio, uma situação revolucionária que possui poucos precedentes na história se desenvolveu na França. Com uma direção determinada, o movimento poderia ter selado o destino político do governo De Gaulle e da Quinta República. As forças de segurança ainda pairavam sobre o regime, mas elas raramente resistiriam a uma ofensiva política sistemática. O próprio tamanho do movimento teria causado um impacto corrosivo em suas fileiras.

Continua

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