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Perspectivas

A greve dos ferroviários no Reino Unido e a luta contra a guerra: Derrubar o governo Johnson!

Publicado originalmente em 23 de junho de 2022

Os trabalhadores ferroviários no Reino Unido irão paralisar as atividades novamente para o segundo de três dias de greve nacional no dia 23.

Essa não é uma disputa industrial comum. O primeiro ministro, Boris Johnson, e seu governo de criminosos políticos querem repetir o ataque de Margaret Thatcher contra os mineiros em 1984-85, que terminou com uma derrota que transformou o Reino Unido em um parque de diversões dos superricos e iniciou um pesadelo social para milhões de trabalhadores.

Hoje, os membros do Partido Conservador pretendem infligir uma derrota ainda mais brutal aos ferroviários porque a sua greve se tornou o foco de uma onda de oposição que ameaça irromper nas próximas semanas. Os professores, enfermeiros, médicos, servidores públicos, trabalhadores dos correios (Royal Mail) e das telecomunicações (BT) estão todos buscando iniciar greves nos próximos meses. As condições estão surgindo para um confronto decisivo com o governo Johnson, mas ele deve receber um programa e uma liderança conscientes.

A classe trabalhadora não deve deixar que os conservadores tenham sucesso. Todos os trabalhadores no Reino Unido e internacionalmente devem se unir à causa dos ferroviários, forjando uma ofensiva industrial e política unificada para derrubar o governo Johnson. Isso exige sobretudo o desenvolvimento da oposição organizada dos trabalhadores e da juventude aos esforços da federação de sindicatos, TUC, e do Partido Trabalhista, que procuram isolar e trair a greve.

A guerra da OTAN e a greve dos ferroviários

A agressiva denúncia de ontem do parlamentar do Partido Conservador, Tobias Ellwood, deixa claro o caráter fundamental da luta que começou para toda a classe trabalhadora. A greve ferroviária está se tornando não apenas um foco para a determinação de milhões de trabalhadores em acabar com as agressivas medidas de austeridade do governo. Ela também está ameaçando os imperativos chave da política externa centrados em uma escalada da guerra da OTAN contra a Rússia e das hostilidades contra a China.

Ellwood, presidente do comitê de defesa, denunciou os ferroviários grevistas, chamando-os “amigos de Putin”, e insistiu que a greve fosse “interrompida” para que o Reino Unido pudesse prosseguir com a guerra da OTAN contra a Rússia na Ucrânia.

Falando à Sky News, ele disse: “Acho que a Rússia deve estar desfrutando dessa distração autoinfligida, contente de ver que o único governo na Europa que está realmente enfrentando Putin está completamente distraído dessa maneira... Eu digo aos sindicatos, ‘por favor, não seja amigo de Putin, retorne às conversações hoje para que possamos colocar o país em movimento novamente’”.

Ellwood é um ex-capitão do regimento do exército, Royal Green Jackets, e um dos vários ex-militares nos escalões superiores do Partido Conservador. Junto com o presidente do comitê de relações exteriores, Tom Tugendhat, e o secretário de Defesa, Ben Wallace, ele foi cogitado como possível sucessor de Johnson.

Um dia antes dos comentários de Ellwood, Johnson utilizou sua reunião de gabinete para emitir uma declaração pública ligando a guerra na Ucrânia com a derrota das greves dos ferroviários. Ele advertiu sobre o perigo do “cansaço por conta da Ucrânia”, jurando garantir “mais apoio político, militar e financeiro” ao regime de Kiev e “drenar o grão da Ucrânia” ‒ uma afirmação que implica em intervenção militar direta.

Ele insistiu para que o Reino Unido permanecesse “firme”, impondo a “disciplina fiscal” necessária, suprimindo as demandas salariais e garantindo a aprovação de cortes selvagens na indústria ferroviária e em todos os outros setores.

Durante as semanas anteriores às greves, a imprensa conservadora foi preenchida de denúncias dos trabalhadores ferroviários e do sindicato RMT, chamados de “os lacaios de Putin”. Os comentários de Elwood são um retorno decisivo a esses ataques.

Guerra de classe doméstica

A luta da classe trabalhadora contra a pior catástrofe no custo de vida em uma geração ‒ por empregos, melhores salários e para proteger serviços essenciais ‒ é inseparável da luta contra a guerra. O desastre enfrentado por milhões de pessoas está acontecendo há décadas, mas foi trazido a um novo patamar de intensidade, primeiro pelo impacto da pandemia e agora pela guerra na Ucrânia.

O governo Johnson usou a pandemia para implementar uma transferência massiva de riqueza social para as grandes corporações, enquanto impôs uma política de imunidade de rebanho que matou 200 mil pessoas e deixou milhões com doenças de longo prazo. Eles estão determinados a fazer a classe trabalhadora pagar por isso com a destruição de seus meios de subsistência.

O lançamento da guerra contra a Rússia e a escalada das tensões com a China por esses mesmos criminosos são os meios pelos quais os EUA, Reino Unido e outras potências imperialistas procuram capturar os massivos recursos da Rússia para si próprios e eliminar a China como um concorrente importante.

O preço da guerra também deve ser pago pela classe trabalhadora. O conflito já impulsionou a inflação no Reino Unido, com aumento de 9% nos preços ao consumidor (IPC) e 11,7% nos preços do varejo (RPI). A expectativa é de que esse número continue aumentando durante o resto do ano. Os maiores fatores de pressão sobre a inflação são o petróleo, o gás, o trigo e os recursos minerais, todos afetados diretamente pela guerra na Ucrânia e as sanções contra a Rússia.

A guerra no exterior significa guerra de classes doméstica. A ofensiva do governo e das grandes corporações deve ser intensificada. Os planos do governo para a reprivatização da rede ferroviária envolvem uma perda inicial de 2.900 empregos, supressão de salários e o corte das aposentadorias. Os funcionários públicos estão diante da perda de 25% da força de trabalho, ou 90 mil empregos.

Isso exige a repressão organizada do Estado. A representação de Thatcher dos mineiros como “o inimigo interno” anunciava uma ofensiva massiva do Estado, envolvendo 13 mil pessoas presas, 200 condenadas, quase mil demissões, duas mortes em piquetes e três durante a mineração do carvão. Do mesmo modo, a representação dos trabalhadores ferroviários como “amigos de Putin” prepara a mobilização total do Estado ‒ desta vez contra toda a classe trabalhadora. O governo já se comprometeu a mobilizar os trabalhadores temporários como uma força de trabalho fura-greves e a introduzir garantias mínimas de serviços que significariam a criminalização de greves em todos os serviços essenciais.

Derrotar a conspiração do Partido Trabalhista e dos sindicatos

Os trabalhadores enfrentam outro inimigo político na burocracia sindical e do Partido Trabalhista. Eles também estão procurando retomar o papel que desempenharam em 1984-85 em conluio com os Conservadores no isolamento de uma luta crítica da classe trabalhadora.

A RMT foi forçada a convocar uma greve por conta da massiva pressão popular. Porém, não há dúvida de que, nos bastidores, a sua liderança tem sido informada em termos inequívocos de que deve pôr fim a essa greve o mais rápido possível.

Na semana passada, a RMT ofereceu reuniões diretas com o governo “sem quaisquer condições prévias”, deixando claro que aceitaria demissões em massa, desde que fossem “voluntárias”, e apenas um aumento de salário abaixo da inflação de 7% ou menos em troca.

Em poucas horas, ficou claro que essa oferta havia sido discutida e acordada pelo TUC, que orquestrou uma carta ao governo assinada pelo secretário geral do TUC, Frances O'Grady, e pelos líderes dos 14 maiores sindicatos britânicos que apoiam as conversações com o RMT como um meio de evitar greves na indústria.

O Partido Trabalhista é ainda mais aberto em sua hostilidade à luta da classe trabalhadora para enfrentar o governo Johnson, denunciando as “greves conservadoras” e enfatizando a sua oposição a uma greve que diz que poderia ter sido impedida utilizando os sindicatos.

Em uma extraordinária demonstração do caráter de extrema direita do Partido Trabalhista, o líder trabalhista, Keir Starmer, ordenou aos seus principais parlamentares, na primeira fileira, que não comparecessem aos piquetes da greve ferroviária. Cinco que o fizeram foram instruídos a pedir desculpas e estão sob ameaça de uma punição disciplinar.

A hostilidade do Partido Trabalhista à greve ferroviária está intimamente ligada ao seu apoio à guerra contra a Rússia. Quando começou a guerra da Ucrânia, Starmer exigiu que o “público britânico” estivesse preparado para “fazer sacrifícios” diante da “dor econômica”. Assim como em sua ameaça de punir os parlamentares do Partido Trabalhista por visitar os piquetes, ele disse em maio aos corbinistas na última fileira de 11 deputados do Partido Trabalhista que eles seriam expulsos se não retirassem o seu apoio à coalizão “Stop the War” e mostrassem seu “apoio inabalável à OTAN”. A “esquerda” corbinista cedeu imediatamente.

Construir comitês de base e lutar pela greve geral

As condições existem para que a classe trabalhadora derrube o governo Johnson. Em meio a uma ampla de simpatia pelos trabalhadores ferroviários, greves são discutidas nos locais de trabalho e piquetes em todo o país. Dada uma perspectiva sobre a qual lutar, a classe trabalhadora pode unir suas lutas em uma greve geral.

Para isso, o Partido Socialista pela Igualdade e a Aliança Operária Internacional de Comitês de Base chamam os trabalhadores a formarem seus próprios comitês de base em cada fábrica e local de trabalho. Isso abriria um novo caminho para a luta de classes, no qual representantes de confiança da classe trabalhadora assumiriam a liderança e derrotariam os esforços dos burocratas para sabotar cada contra-ataque.

Nas últimas semanas, foram realizadas greves gerais na Grécia, Itália e Bélgica. Ondas de greves dos trabalhadores atravessaram a Turquia. No dia 20, enquanto 80 mil trabalhadores se manifestaram, outra greve nacional foi realizada na Bélgica, com a capital de Bruxelas paralisada. As greves na Brussels Airlines serão realizadas nos dias 23, 24 e 25, e na Ryanair nos dias 24, 25 e 26. Os trabalhadores da Ryanair belga serão acompanhados por trabalhadores na Espanha, Itália, Portugal e França durante toda a semana e os trabalhadores da EasyJet na Espanha irão fazer paralisações no dia 1º.

Uma determinada ofensiva industrial e política por parte da classe trabalhadora britânica, unindo-se aos trabalhadores ferroviários, tornaria-se um poderoso foco e inspiração para as lutas de classe em desenvolvimento na Europa e internacionalmente. Isso frustraria os planos dos belicistas.

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