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Bolsonaro e Partido dos Trabalhadores buscam apoio do imperialismo dos EUA conforme eleições se aproximam

Publicado originalmente em 28 de junho de 2022

Com a aproximação das eleições gerais brasileiras em outubro, os dois principais candidatos à presidência, o presidente fascistóide Jair Bolsonaro e o ex-presidente (PT) Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, estão competindo para convencer o capital nacional e internacional de que cada um é o mais confiável defensor dos seus interesses e lucros contra a empobrecida classe trabalhadora brasileira.

Jair Bolsonaro, Luiz Inácio Lula da Silva [AP Photo/Andre Penner [Lula]; Marcelo Camargo/Agência Brasil [Bolsonaro]] [AP Photo/Andre Penner [Lula]; Marcelo Camargo/Agência Brasil [Bolsonaro]]

A oposição do PT e de Lula a Bolsonaro não se baseia em nenhum desejo, muito menos capacidade, de resolver qualquer das questões prementes enfrentadas pelos trabalhadores – uma pandemia descontrolada, inflação crescente e desemprego e pobreza em massa. Eles sempre se opuseram a Bolsonaro como um risco para o capitalismo brasileiro. Seu desprezo explícito pelas vidas e condições de subsistência dos trabalhadores e sua preparação aberta para tomar o poder pela força no caso de uma derrota eleitoral expõem toda a brutalidade do sistema de lucro no país. Isto, por sua vez, ameaça provocar uma reação em massa a partir de baixo, como nos vizinhos Chile, Colômbia e agora Equador, pondo em questão o próprio capitalismo.

Muita atenção foi dada nas últimas semana, pela imprensa corporativa brasileira e pelos partidos representados no Congresso, a uma reportagem da Bloomberg de 11 de junho sobre um vazamento da Casa Branca, relatando que Bolsonaro disse a Biden que defenderia “interesses dos EUA” no Brasil, em oposição a Lula, que defenderia “interesses brasileiros”. Presumivelmente, tal postura significaria neutralidade diante dos preparativos de guerra dos EUA contra a China, bem como da atual guerra por procuração da OTAN contra a Rússia.

O coordenador de campanha de Lula, o senador Randolfe Rodrigues, reagiu à notícia com um discurso nacionalista e de direita. Ele mais uma vez apelou para a própria base militar de Bolsonaro, declarando que o presidente deveria ser acusado de alta traição por procurar interferência eleitoral por parte de uma potência estrangeira. As implicações ameaçadoras da interferência dos EUA para os direitos democráticos e sociais dos trabalhadores, incluindo a história dos golpes apoiados pelos EUA na América Latina e suas incontáveis vítimas, foram completamente ignoradas.

No que se tornou um ritual nas reportagens da mídia brasileira e nas declarações oficiais da oposição, a reportagem da Bloomberg foi tratado como mais uma prova de que a democracia brasileira está prosperando, exceto pelas ações do próprio Bolsonaro. Sem citar nenhuma evidência, o comentarista político do grupo Globo Valdo Cruz argumentou que a Casa Branca vazou a informação para marcar sua distância de Bolsonaro e de seus preparativos para um golpe eleitoral e que, por sua vez, tal “distanciamento” garantiria uma transição pacífica de poder após as eleições. Nas palavras do ex-Ministro da Casa Civil de Lula, José Dirceu, de que um motivo “pelo qual não haverá golpe é a falta de apoio internacional a um evento deste tipo”.

A declaração de Dirceu resume toda a postura do PT em relação aos planos de Bolsonaro para uma ditadura: eles devem ser rejeitados não em nome dos direitos sociais e democráticos dos trabalhadores brasileiros, mas porque são “ruins para os negócios”. Por sua vez, o que o PT oferece, é a lealdade dos sindicatos e dos chamados “movimentos sociais” para alcançar a “estabilidade interna”.

Em contraponto, foi praticamente ignorado pela mídia um relato da Reuters de 25 de maio que o PT enviou seu último Ministro da Defesa, Jaques Wagner, para uma reunião sigilosa com autoridades do Departamento de Estado dos EUA para discutir as perspectivas de um terceiro governo Lula. Oficialmente, Wagner foi aos Estados Unidos para falar em nome de Lula na chamada “Brazil Conference,” organizada anualmente por estudantes brasileiros em Harvard e no MIT. Wagner, que é um senador mas não tem nenhuma função oficial relacionada a relações exteriores no Congresso brasileiro, também se reuniu com os embaixadores da França e dos EUA para discussões similares.

A promoção feita pelo PT dos EUA e de outras potências imperialistas como garantidores da democracia no Brasil é uma política criminosamente perigosa. Se levada em conta a ditadura militar de 1964-1985 apoiada pelos EUA, esta reivindicação é claramente absurda. O PT, que foi fundado na esteira das lutas de massas contra aquele regime, há muito tempo se transformou no principal instrumento não para reformar, muito menos para abolir o capitalismo brasileiro, mas para defendê-lo contra a classe trabalhadora brasileira. O PT tem como objetivo, acima de tudo, esconder os verdadeiros perigos que os trabalhadores brasileiros enfrentam, pois teme uma rebelião dos trabalhadores muito mais do que teme Bolsonaro e seus partidários fascistas.

As reivindicações de “apoio” dos EUA à democracia no Brasil, tiradas de um punhado de coletivas de imprensa da Casa Branca e de vazamentos do Departamento de Estado, são ainda mais absurdas diante da intratável crise que o capitalismo mundial enfrenta, expressa com mais intensidade nos próprios Estados Unidos. Esta crise foi a causa do putsch de 6 de janeiro Donald Trump, que contou com um apoio significativo dentro do establishment político e do aparato militar. É também a força motriz por trás da ofensiva imperialista americana contra a Rússia e a China, ameaçando a Terceira Guerra Mundial, na qual a América Latina se apresenta como um campo de batalha chave. Esta crise global está levando o imperialismo norte-americano a renovar sua agressão contra vários países latino-americanos, incluindo suas sanções incapacitantes contra a Venezuela, o golpe de Estado de 2019 na Bolívia e o controle que mantém sobre a Colômbia.

A lógica por trás dos preparativos avançados de Bolsonaro para uma ditadura foi apresentada no final do mês passado em um documento repulsivo e ameaçador apresentado por um grupo de institutos militares ultra-direitistas, com o apoio do vice-presidente do Brasil, o general Hamilton Mourão, e de altos funcionários de inteligência. Intitulado “Projeto de Nação - o Brasil em 2035”, o documento proclama a necessidade de “neutralizar o poder político e social” das “correntes de pensamento radical ... que dividem a Nação”, a fim de proporcionar ao país a coesão necessária para se afirmar na arena geopolítica dominada pelo conflito entre EUA e China.

O documento adota, sem rodeios, uma visão de mundo fascista na qual o “globalismo” é a maior ameaça ao Brasil. Em linguagem que lembra os “Protocolos dos Sábios de Sião”, afirma que as instituições capitalistas brasileiras estão tomadas por uma visão “globalista” e devem ser expurgadas. Escrito na forma de um relatório de balanço e perspectivas de um Brasil hipotético em 2035, o documento retrata como uma grande conquista o estabelecimento de um “Centro de Governo” não eleito (presumivelmente liderado pelos militares) que supervisiona o presidente.

Um ataque ao sistema judicial, e ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em particular, conscientemente exposto no manifesto militar, é o princípio central dos preparativos de Bolsonaro para um golpe. O presidente tem repetidamente disseminado teorias falsas de que o TSE está preparando ativamente uma fraude eleitoral para beneficiar o PT.

O ministério de Bolsonaro está intensificando os ataques contra o TSE, com o Ministro da Defesa, General Paulo Sérgio Oliveira, denunciando-o publicamente por “não presigiar” os militares e “ignorar” as observações feitas a pedido do próprio TSE sobre a segurança do sistema de votação eletrônica no Brasil. Na semana passada, Oliveira declarou que os militares não discutiriam suas “preocupações” fora de reuniões exclusivas com o Tribunal, em que seriam barrados outros órgãos autorizados pela Constituição a supervisionar as eleições, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Três dias depois, o Ministro da Justiça, Anderson Torres, fez a mesma exigência em nome da Polícia Federal, preparando o cenário para uma recusa pública tanto do Exército quanto da Polícia Federal em reconhecer os resultados das urnas proclamados pelo TSE.

Diante da ofensiva sem precedentes do Executivo contra o TSE e das revelações de que autoridades do governo apresentaram um plano para destruir qualquer oposição após as eleições de outubro, a reação do PT está centrada no apelo covarde para que Lula seja eleito no primeiro turno, a fim de “desencorajar” os partidários de Bolsonaro de agir de acordo com o desafio aos resultados já anunciado pelo presidente.

Quanto às promessas de “reformas” do programa eleitoral do PT, o partido deixou claro para os grandes capitalistas que elas não valem o papel em que são impressas. Para cada vez que Lula promete “acabar” com o paralisante teto de gastos federais imposto por uma emenda constitucional em 2017, ele repete que os empresários sabem que sempre foi “fiscalmente responsável”, lembrando as medidas de austeridade impostas desde o início de seu governo, como a reforma previdenciária que levou a um expurgo interno no PT.

Para cada vez que ele afirma opor-se às privatizações, ele repete que “nunca quebrou um único contrato”, ou seja, que nenhum lucro privado será tocado em grandes empresas de capital misto, como a Petrobras.

Na verdade, as questões listadas pelo manifesto militar fascista são as mesmas que o PT apresenta como fundamentais em sua oposição a Bolsonaro, principalmente o alegado isolamento diplomático e a fraqueza geopolítica do Brasil, e sua incapacidade de manter a “segurança interna”. O PT está plenamente consciente de que o aumento da participação do Brasil nos mercados mundiais e a assertividade geopolítica exigem uma austeridade e uma exploração da classe trabalhadora brutais, que não podem ser alcançadas sem a supressão da oposição social.

Ao contrário de Bolsonaro, o PT promete ao capital nacional e internacional alcançar estes objetivos através da polícia industrial dos sindicatos. Mas o partido também está consciente de que os sindicatos e “movimentos sociais” apodrecidos que ele promove como pacificadores sociais não irão conter os trabalhadores por muito tempo, e por isso sua recusa absoluta em apontar, quanto mais condenar, qualquer um dos co-conspiradores militares da Bolsonaro.

Isto é uma continuação, e ao mesmo tempo um aprofundamento, da política que o PT seguiu em mais de uma década no poder ao manter a anistia para os torturadores e assassinos da ditadura de 1964-1985, permitindo que o próprio Bolsonaro prosperasse como um deputado da base de sua coalizão de governo. Quanto ao objetivo do PT de buscar a “independência geopolítica” em relação aos Estados Unidos – compartilhada com os militares – ele apenas reforça a necessidade de alcançar “competitividade” através de uma exploração mais intensa dos trabalhadores. Isso inclui garantir os lucros capitalistas das empresas dos EUA diante das greves e lutas dos trabalhadores, com Jaques Wagner, do PT, procurando tranquilizar o Departamento de Estado norte-americano para que não tome a retórica de Lula como nada mais do que uma “cortina de fumaça”, como confessou a própria presidente do PT.

Quaisquer que sejam os resultados da votação de 2 de outubro, a classe dominante cerrará fileiras em uma nova ofensiva aos direitos sociais e democráticos. Sua defesa só pode ser organizada em uma luta consciente pelo socialismo, independente e em oposição a todos os partidos capitalistas e a seus fantoches políticos, incluindo o PT, seus apoiadores pseudoesquerdistas do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), e os sindicatos e “movimentos sociais” afiliados a eles. Isso exige a construção de uma nova direção na classe trabalhadora, uma seção brasileira do Comitê Internacional da Quarta Internacional. Essa é a tarefa assumida pelo Grupo Socialista pela Igualdade (Brasil).

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