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Perspectivas

A guerra imperialista e o ataque contra os direitos democráticos

Publicado originalmente em 26 de junho de 2022

A escalada da guerra dos EUA-OTAN contra a Rússia e o ataque massivo contra os direitos democráticos ‒ simbolizado pela decisão da suprema corte dos EUA que aboliu o direito ao aborto ‒ são dois lados do mesmo processo.

Em sua obra de 1916, O Imperialismo e a Cisão no Socialismo, Vladimir Lenin definiu o imperialismo como “reação em toda a linha”. Ele explicou que, tanto na guerra quanto na política doméstica, “o capital financeiro aspira à dominação e não à liberdade”. Lenin escreveu: “A diferença entre a burguesia imperialista republicano-democrática e monárquico-reacionária se apaga precisamente porque uma e outra apodrecem vivas”.

As palavras de Lenin caracterizam apropriadamente a atual crise do sistema capitalista mundial.

Na cúpula do G7 neste fim de semana, os líderes das principais potências imperialistas se reuniram nos Alpes da Baviera para planejar o próximo estágio da guerra. Pelas costas da população, sem discussão pública ou declaração formal, o conflito evoluiu na prática para uma guerra contra a Rússia na Ucrânia.

A extensão do envolvimento da OTAN foi revelada em um artigo do New York Times publicado no sábado intitulado “Rede de forças especiais coordena entrada de armas na Ucrânia, dizem as autoridades”. O artigo explica que os EUA e a OTAN organizaram “uma rede furtiva de forças especiais e espiões” que estão “se apressando para fornecer armas, inteligência e treinamento”.

O artigo cita oficiais americanos e europeus, que confirmaram que as potências da OTAN enviaram consultores dentro da Ucrânia para treinar soldados ucranianos ao mesmo tempo em que os militares americanos treinam diretamente soldados em bases na Alemanha. Esse é o resultado de um plano de anos, que remonta às eleições ucranianas de 2014 e ao golpe de Maidan, para transformar a Ucrânia no local do início da guerra contra a Rússia. O artigo do Times declara: “De 2015 até o início deste ano, as Forças Especiais Americanas e instrutores da Guarda Nacional treinaram mais de 27 mil soldados ucranianos no Centro de Treinamento de Combate, Yavoriv, na Ucrânia Ocidental, perto da cidade de Lviv, disseram autoridades do Pentágono”.

Tanto em sua escolha do local de planejamento quanto em seus objetivos de guerra, os líderes das autoproclamadas “democracias” do mundo emularam Hitler, o último político capitalista que tentou a colonização da Rússia por meios militares. O próprio castelo onde os líderes do G7 se encontraram na cidade de Schloss Elmau na Bavária foi uma colônia de férias militar dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Em um comunicado emitido pelo grupo do G7 após a reunião em Schloss Elmau, é declarado que ele está preparado para continuar a guerra “o tempo que for necessário”. Isso significa que não existe limite para o número de vidas que os governos estão dispostos a sacrificar para atingir seus objetivos geoestratégicos.

O primeiro ponto na agenda da cúpula do G7 ‒ o custo de vida e a crise alimentar ‒ deixa claro que a classe dominante está ciente de que a guerra está abrindo o caminho para um enorme confronto com a classe trabalhadora.

Nessas condições, a classe dominante de cada potência imperialista vê os direitos democráticos mais básicos como obstáculos na busca de seus objetivos de guerra. Mesmo que os propagandistas da guerra na mídia corporativa a justifiquem com o argumento de que Putin é um “fascista”, a lógica do desenvolvimento da guerra nos países imperialistas exige “reação em toda a linha”.

A decisão de privar centenas de milhões de americanos do direito ao aborto por seis juízes não eleitos da suprema corte deve ser vista nesse contexto.

Ao emitir sua decisão, o tribunal anunciou que estava lançando um ataque a todos os direitos democráticos básicos. O juiz da suprema corte, Clarence Thomas, mencionou explicitamente os contraceptivos e o casamento entre pessoas do mesmo sexo como os próximos alvos, e deixou claro que todos os casos que envolvem um processo judicial devem ser agora revisitados. Isso inclui direitos fundamentais relacionados à busca e apreensão, liberdade de expressão e de reunião, leis trabalhistas e outros direitos civis.

O Partido Democrata e a administração Biden facilitaram o ataque da suprema corte aos direitos democráticos com seus esforços constantes, fazendo apelos e apaziguando a extrema direita. Quando Biden fala de seus “amigos republicanos”, ele está chamando pela unidade bipartidária na busca dos objetivos de guerra imperialista contra a Rússia. Esse bipartidarismo só legitima a extrema direita e fortalece o Partido Republicano cada vez mais fascista, que tentou impedir Biden de tomar posse há menos de dois anos.

A intensificação da guerra e a proibição do aborto estão inseparavelmente relacionadas e ressaltam a verdade básica de que a democracia é incompatível com o imperialismo. Em seu livro, A Tradição Política Americana, de 1948, o historiador Richard Hofstadter faz referência ao relato do editor, Frank Cobb, de uma discussão com o então presidente, Woodrow Wilson, na véspera da decisão de Wilson de entrar na Primeira Guerra Mundial em 1917.

Segundo Cobb, Wilson “disse que, quando uma guerra começou, era apenas guerra e não existem nuances nela. Era necessário o iliberalismo doméstico para reforçar os homens no fronte. Não podíamos lutar contra a Alemanha e manter os ideais de governo que todos os homens pensantes compartilhavam”. Cobb citou Wilson: “Para lutar você deve ser brutal e implacável, e o espírito de brutalidade impiedosa entrará na própria fibra da nossa vida nacional, infectando o congresso, os tribunais, o policial na batida...”.

Esse é o caso em todos os centros imperialistas, onde três décadas de guerra imperialista ininterrupta asfixiaram a democracia e alimentaram as forças da reação política extrema. No Reino Unido, Boris Johnson é talvez o primeiro-ministro mais odiado da história por sua corrupção aberta e subserviência aos bancos londrinos. O governo Johnson está tentando deportar os requerentes de asilo de países devastados pela guerra imperialista para o Ruanda, em um movimento que até mesmo a corte européia de direitos humanos concluiu ser flagrantemente ilegal.

Na França, onde Emmanuel Macron é visto como o “presidente dos ricos”, a extrema direita fascista ganhou mais votos do que em qualquer eleição presidencial anterior. Um tribunal não eleito acabou de proibir as mulheres muçulmanas de vestir roupas de banho que comportam suas crenças religiosas em um flagrante ato de cruel discriminação contra a numerosa população imigrante do país.

A guerra será conduzida com base em um ataque massivo aos direitos econômicos e sociais da classe trabalhadora em todos os países. Cada vez mais governos estão enviando bilhões de dólares para o armamento da Ucrânia sem nunca perguntar ao público. Estão crescendo os chamados pelo equilíbrio orçamentário para permitir mais gastos militares. Para pagar pela guerra, os programas de saúde e bem-estar serão cortados, mesmo enquanto a pandemia se espalha e os governos decretam políticas fiscais com o objetivo de aumentar o desemprego e diminuir os salários.

A guerra exacerbou uma crise de custo de vida que está forçando bilhões de trabalhadores a enfrentar níveis de dificuldades econômicas sem precedentes. Os governos imperialistas estão sacrificando a vida de milhões de pessoas na Ásia e na África, que enfrentam diferentes níveis de fome, na tentativa de enfraquecer as ligações do governo russo com a economia global. Na Europa e na América do Norte, o custo dos alimentos, gás, energia, aluguel e serviços básicos está disparando devido à guerra, enquanto as burocracias sindicais corporativistas suprimem os salários.

As condições estão surgindo para uma explosão revolucionária em todo o mundo. Protestos contra o aumento do custo de vida são reprimidos com brutalidade mortal em países como Peru, Sri Lanka, Equador, e outros.

Na Europa, as greves estão crescendo em todas as indústrias de transportes, inclusive entre os trabalhadores ferroviários britânicos, trabalhadores portuários na Alemanha e Grécia, trabalhadores de aeroportos na França, Dinamarca e Holanda, e pilotos e comissários de bordo em todo o continente na Easy Jet, Ryanair, British Airways e SAS. Uma série de poderosas greves ocorreu na indústria pesada nos Estados Unidos, onde as greves são ameaçadas por dezenas de milhares de trabalhadores portuários e ferroviários.

A classe dominante respondeu proibindo as greves e culpando os trabalhadores por minar o esforço de guerra. No Reino Unido, os membros do Partido Conservador estão denunciando os trabalhadores ferroviários em greve, chamando-os “agentes de Putin”, enquanto os tribunais nos EUA impediram os trabalhadores ferroviários de entrar em greve por motivos de segurança nacional. Essa é a versão moderna da narrativa de Hitler da “punhalada pelas costas”, que culpou os trabalhadores alemães e a revolução de 1918 pela derrota do imperialismo alemão na Primeira Guerra Mundial. Na Espanha, o governo “democrático” do PSOE e do Podemos proibiu os trabalhadores de aeroportos de participar de uma greve em toda a Europa por razões similares.

O Comitê Internacional da Quarta Internacional e suas seções nacionais, os Partidos Socialistas pela Igualdade, chamam pelo desenvolvimento de um poderoso movimento da classe trabalhadora internacional contra a guerra imperialista. A luta contra a guerra deve estar ligada à defesa dos direitos democráticos, sustentada pelas crescentes lutas dos trabalhadores em todo o mundo e baseada em um programa socialista em oposição ao sistema de lucro capitalista.

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