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Perspectivas

Desespero, ilusão e imprudência: guerra na Ucrânia ameaça se tornar nuclear

Publicado originalmente em 21 de setembro de 2022

Na quarta-feira, o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou a mobilização parcial dos militares russos, convocando cerca de 300 mil reservistas, marcando uma nova e perigosa fase na guerra de sete meses dos EUA-OTAN contra a Rússia na Ucrânia.

Referindo-se às “declarações feitas por alguns altos representantes dos principais países da OTAN sobre a possibilidade e admissibilidade de usar armas de destruição em massa – armas nucleares – contra a Rússia”, Putin declarou:

Gostaria de lembrar àqueles que fazem tais declarações em relação à Rússia que nosso país também possui diferentes tipos de armas, e algumas delas são mais modernas do que as armas que os países da OTAN possuem. No caso de uma ameaça à integridade territorial de nosso país e para defender a Rússia e nosso povo, certamente faremos uso de todos os sistemas de armas à nossa disposição. Isso não é um blefe.

A referência a “todos os sistemas de armas disponíveis para nós” é clara. Putin estava ameaçando uma guerra nuclear.

Míssil balístico intercontinental russo, Sarmat, é lançado durante teste na plataforma de Plesetsk no noroeste da Rússia no dia 16 de setembro de 2022. (Serviço de Imprensa do Ministério da Defesa russo via AP)

Em seu discurso, Putin declarou: “O objetivo daquela parte do Ocidente é enfraquecer, dividir e finalmente destruir nosso país. Eles estão hoje declarando abertamente que conseguiram dividir a União Soviética em 1991 e, agora, é o momento de fazer o mesmo com a Rússia, que deve ser dividida em várias regiões que entrariam em disputa mortal umas com as outras”.

Putin afirmou que a OTAN “transformou o povo ucraniano em bucha de canhão e o empurrou para uma guerra com a Rússia”. Ele disse que os militares ucranianos estavam sendo “treinados de acordo com os padrões da OTAN e recebendo ordens de conselheiros ocidentais”, acrescentando, “hoje nossas forças armadas” estão lutando contra “toda a máquina militar do Ocidente coletivo”.

A descrição de Putin sobre os objetivos dos EUA e de seus aliados da OTAN é, no todo, correto. O exército ucraniano foi transformado em uma subsidiária de propriedade da OTAN. Os Estados Unidos o estão treinando, liderando e armando diretamente em última instância com o objetivo de desestabilizar e dividir a Rússia.

Putin provavelmente estava respondendo ao artigo do New York Times sobre o “debate” dentro do establishment político dos EUA sobre o fornecimento à Ucrânia de mísseis de longo alcance que seriam capazes de atingir o território russo. Em relação ao objetivo de “enfraquecer, dividir e finalmente destruir nosso país”, isso foi reconhecido pelo ex-comandante do exército dos EUA na Europa, Ben Hodges, que disse na semana passada: “Podemos estar olhando para o início do colapso da Federação Russa”.

A sua declaração foi feita após o desastre militar sofrido pela Rússia no norte da Ucrânia, no qual as forças ucranianas capturaram dezenas de quilômetros de território em dias. Logo após o desastre de Kharkiv, o WSWS escreveu:

Não está descartado que o Kremlin conclua, a partir dessa catástrofe militar, que é necessário uma escalada militar massiva, que por sua vez levaria a uma escalada da OTAN. Paradoxalmente, os esforços desesperados do Kremlin para alcançar uma acomodação com o imperialismo não excluem uma série de ações que poderiam desencadear uma guerra nuclear.

Isso é o que está acontecendo hoje. Em resposta ao alerta de Putin de que o atual conflito ameaça uma conflagração nuclear, Biden respondeu aumentando as tensões horas depois do discurso de Putin. Discursando na ONU, Biden declarou que a maior guerra terrestre na Europa desde a Segunda Guerra Mundial foi “uma guerra decidida por um homem”, afirmando que as preocupações de Putin são imaginárias. Biden disse Biden: “Putin afirma que teve que agir porque a Rússia foi ameaçada”. “Mas ninguém ameaçou a Rússia, e ninguém além da Rússia buscou o conflito”.

Biden obviamente não acredita nessas declarações, que são contrariadas por inúmeras afirmações de autoridades civis e militares dos EUA.

Em seu discurso, Biden combinou uma mentirosa apresentação das origens da guerra com a hipocrisia aberta, que é uma característica permanente do imperialismo americano. Ele denunciou a Rússia por “violar descaradamente os princípios fundamentais da Carta das Nações Unidas – nenhum mais importante do que a clara proibição dos países tomarem o território de seus vizinhos à força”.

Biden espera que o mundo esqueça que os EUA violaram repetida e flagrantemente a Carta das Nações Unidas, que proíbe o uso da guerra para atingir objetivos políticos. O mais flagrante de muitos exemplos foi a invasão do Iraque em 2003, que o então secretário geral da ONU, Kofi Annan, declarou: “não estaria em conformidade com a Carta da ONU” e era “ilegal”. Porém, o Iraque foi apenas um dos muitos países destruídos pelas forças armadas americanas, incluindo a Iugoslávia, Afeganistão, Líbia e Síria, aos quais deve ser acrescentada a guerra apoiada pelos EUA contra o Iêmen e de Israel contra a Palestina.

A hipócrita declaração moralista de Biden foi uma tentativa de encobrir o fato de que, confrontado com a declaração explícita de que uma grande crise internacional estava levando à guerra nuclear, ele não possuía absolutamente nenhuma proposta sobre como evitar essa catástrofe.

No auge da Guerra Fria nos anos 1960, o presidente dos EUA, John F. Kennedy, declarou: “Que nunca negociemos por medo. Porém, que nunca tenhamos medo de negociar”. Quando começou a crise dos mísseis em Cuba, tanto Kennedy como o primeiro-ministro soviético, Nikita Khrushchev, realizaram esforços simultâneos para se afastarem da beira do abismo e conseguiram por pouco evitar uma guerra nuclear.

Em contraste, diante do que é indiscutivelmente uma ameaça mais evidente e aberta do uso de armas nucleares do que em qualquer momento durante a Guerra Fria, os EUA e seus aliados rejeitaram completamente qualquer resultado da guerra que não atingisse os objetivos militares da Ucrânia. Isso só pode ser explicado pela crise e pelo desespero que a classe dominante enfrenta.

Putin, como representante da classe dominante russa, está avançando as políticas historicamente falidas do nacionalismo russo. Confrontado com as conseqüências desastrosas da dissolução da União Soviética, enquanto persegue a ilusão de que a Rússia seria recebida na “comunidade das nações”, a oligarquia russa está agora enfrentando a realidade do imperialismo.

As potências imperialistas, da sua própria maneira, não estão menos desesperadas. A classe dominante nos EUA e as potências européias estão diante de um barril de pólvora social, governando sobre classes trabalhadoras cujos padrões de vida estão em colapso há décadas e que estão cada vez mais insatisfeitas com a ordem capitalista, que promete apenas exploração e miséria.

A Casa Branca e a OTAN, estimuladas pelo desastre militar russo, estão se tornando cada vez mais desenfreadas em suas ações, assumindo massivos riscos. O tom triunfalista na mídia foi expresso pelo Economist, que proclamou que a “vitória” na Ucrânia poderia ser assegurada se os Estados Unidos fornecessem ainda mais armamentos ao país, como o míssil ATACMS de maior alcance.

Ou eles estão convencidos de que a ameaça de guerra nuclear é fictícia, ou a perspectiva de uma guerra nuclear não é algo que os preocupa. Tendo chegado até a beira do abismo, a resposta da classe dominante americana é: “Adiante para a vitória!”

O desespero dos imperialistas é misturado com a autoilusão, ao ponto de ser impossível dizer onde uma termina e a outra começa. Por um lado, eles afirmam que Putin é um “monstro” e um louco que usaria armas de destruição em massa em um piscar de olhos. Por outro lado, eles descartam o perigo da guerra nuclear, resumido na resposta do primeiro ministro holandês, Mark Rutte, que declarou: “a retórica de Putin sobre as armas nucleares nos deixa frios”.

Mesmo que o pior seja evitado, e a situação não escale à guerra nuclear, a espiral de escalada ameaça a morte de centenas de milhares de pessoas, e a pobreza e a fuga de milhões, incluindo os trabalhadores da Ucrânia, que são vistos pelas potências imperialistas como totalmente descartáveis em seu conflito com a Rússia.

Ninguém na mídia se preocupou em perguntar a Biden quantas vidas ele está disposto a sacrificar na busca dos imperativos geoestratégicos do imperialismo americano. Entretanto, a resposta é evidente na resposta da classe dominante à pandemia de COVID-19, na qual a morte de mais de um milhão de pessoas nos Estados Unidos foi vista como um custo aceitável para garantir que não ocorresse interrupção das lucrativas operações das corporações americanas.

A única maneira de sair dessa espiral desastrosa é através da intervenção das massas na crise. Existe uma poderosa força social capaz de se opor à guerra imperialista: a classe trabalhadora internacional. A guerra está sendo acompanhada por um amplo ataque aos padrões de vida dos trabalhadores em todo o mundo, com os salários caindo em termos reais.

A crise criada pelo colapso nos padrões de vida levou a um aumento global da luta de classes, o que é fortemente demonstrado no movimento entre ferroviários nos EUA, bem como o início de greves em toda a Europa, América Latina, Oriente Médio e África.

A classe trabalhadora deve rejeitar tanto o belicismo das potências imperialistas quanto a resposta reacionária do regime de Putin e da oligarquia russa. Ao entrarem em luta, os trabalhadores de todo o mundo devem colocar a demanda pelo fim da guerra. Para a política de guerra mundial da classe dominante, os trabalhadores devem contrapor a estratégia da guerra de classes e a luta pela transformação socialista da sociedade.

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