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Perspectivas

Milhões levados à pobreza pela pandemia, preços crescentes e recessão

Publicado originalmente em 7 de outubro de 2022

O relatório do Banco Mundial sobre o crescimento da pobreza global divulgado no início desta semana apresenta um gráfico quadro do impacto devastador da pandemia COVID-19 sobre centenas de milhões de pessoas nos países mais pobres do mundo, agora exacerbado pelo aumento da inflação e o movimento da economia mundial para uma recessão.

Segundo o relatório, a redução da pobreza sofreu o maior golpe em décadas com a pandemia. Em 2020, o número de pessoas lançadas na “extrema pobreza”, definida como uma renda de menos de US$1,90 por dia, aumentou em 70 milhões, atingindo um total de 700 milhões de pessoas, ou 9,3% da população mundial.

Água sendo distribuída em acampamento para refugiados nos arredores de Dollow, Somália, em 21 de setembro de 2022. A Somália está em meio a uma das piores secas já vistas no país. Uma rara declaração de emergência de fome pode ser feita nas próximas semanas. A mudança climática e os efeitos da guerra são parcialmente responsáveis. (AP Photo/Jerome Delay)

Sob condições de inflação crescente, exacerbada pela guerra dos EUA-NATO contra a Rússia na Ucrânia e a queda nas moedas dos mercados em desenvolvimento, produzida pelo aumento das taxas de juros do banco central nos EUA (Fed), a situação não mostra sinais de melhora.

No final deste ano, cerca de 685 milhões de pessoas irão continuar na extrema pobreza, tornando 2022 o segundo pior ano para a redução da pobreza em duas décadas, depois de 2020.

A pandemia, como em tantas outras esferas da vida econômica e social, foi um gatilho que acelerou os processos já em curso.

Conforme o relatório observou, nos cinco anos precedentes, a redução da pobreza havia desacelerado e, em 2020, “o mundo estava desviando significativamente do objetivo global de acabar com a pobreza extrema até 2030”. A estimativa foi que, nas tendências atuais, 7% da população mundial – 574 milhões de pessoas – ainda estarão vivendo na extrema pobreza até o final da década.

Mesmo antes da pandemia, quase metade da população mundial (47%) vivia na pobreza, definida como uma renda de menos de US$ 6,85 por dia.

Juntamente com a estimativa de 20 milhões de mortes por causa da pandemia, milhões que continuam sendo infectados, e milhões de outros que sofrem os efeitos debilitantes da COVID longa, o aumento da pobreza é mais uma expressão do tamanho do crime social cometido pelos governos capitalistas em todo o mundo em sua recusa a tomar as medidas de saúde pública necessárias para eliminar o vírus da população humana.

Isso não foi por ser impossível – a experiência na China mostra que é claramente viável – mas devido ao impacto adverso que teria nos mercados de ações, elevados a níveis extraordinários pelo oferecimento de trilhões de dólares do Fed e de outros bancos centrais.

Hoje, as agências do capital financeiro estão cometendo novos crimes. Para tentar esmagar o movimento dos trabalhadores e das massas oprimidas ao redor do mundo enquanto enfrentam a inflação mais alta em quatro décadas, os bancos centrais estão elevando as taxas de juros com o objetivo de induzir uma recessão.

O impacto já está sendo sentido pelas pessoas mais pobres do mundo. O valor das moedas dos países menos desenvolvidos diminuíram drasticamente, levando a uma escalada dos preços dos alimentos e da energia nas moedas locais.

A experiência de Gana é um exemplo desse processo. No ano passado, o preço do petróleo em dólares subiu 12%. Porém, durante o mesmo período, a moeda, o cedi, caiu 40% em relação ao dólar americano. Isso significa que um barril de petróleo que custava 475 cedi um ano atrás custa hoje mais de 900 cedi, quase o dobro.

Essa experiência se repete em vários países em alimentos, energia, suprimentos médicos e outros produtos de importação vitais.

Ao mesmo tempo, um número crescente de países está à beira da inadimplência em relação às dívidas que devem às agências governamentais e ao capital financeiro internacional. A dívida de pelo menos dez países já foi categorizada como em situação de extrema tensão e muitos outros serão incluídos.

Os programas de “reestruturação” que estão sendo ditados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) significam que a experiência no Sri Lanka está sendo estendida ao redor do mundo. O país deu calote da dívida externa, desencadeando uma ofensiva em larga escala contra a classe trabalhadora para pagar os abutres do capital financeiro internacional.

O Banco Mundial está pedindo por uma série de reformas destinadas a ajudar os pobres, sabendo que os governos não pretendem fazer nada.

Na verdade, as altas das taxas de juros que estão sendo instituídas pelo Fed americano estão levando o mundo à recessão, conforme o Banco Mundial já reconheceu junto com a Organização Mundial do Comércio, as Nações Unidas e uma infinidade de economistas.

Em sua reunião semestral a ser realizada em Washington na próxima semana, o FMI irá revisar pela quarta vez para baixo a sua previsão de crescimento global, como indicado em um discurso ontem da Diretora-Geral do fundo, Kristalina Georgieva.

O FMI estima que os países responsáveis por cerca de um terço da economia global irão atravessar pelo menos dois trimestres consecutivos de contração neste ano ou no próximo, e mesmo onde o crescimento for positivo, “será percebido como uma recessão por conta da diminuição da renda real e do aumento dos preços”.

A perda total da produção global entre hoje e 2026 deverá ser de cerca de US$4 trilhões. “Isso é do tamanho da economia alemã – um enorme revés para a economia mundial”, disse Georgieva, acrescentando que “é provável que fique pior”.

A chefe do FMI não tinha essa intenção, mas suas observações foram um indiciamento das políticas seguidas pelos supostos guardiões da estabilidade da economia capitalista global, acima de tudo da política implementada para a COVID.

Após um crescimento de 6,1% em 2021, ela disse, “a maioria dos economistas, inclusive no FMI, pensou que a recuperação continuaria, e a inflação subiria rapidamente – em grande parte porque esperávamos que as vacinas ajudassem a controlar as interrupções do abastecimento e permitissem a recuperação da produção, mas não foi isso o que aconteceu”.

Os múltiplos choques, incluindo a guerra na Ucrânia, “mudaram completamente o quadro econômico”, e “longe de ser transitória, a inflação se tornou arraigada”.

Porém, com as políticas em resposta à COVID tendo produzido um desastre, novos desastres estão sendo criados.

Endossando a subida das taxas de juros, Georgieva disse que “não enrijecer o suficiente” faria com que a inflação se tornasse “desancorada e arraigada”, palavras usadas nos círculos da classe dominante e suas agências econômicas para uma situação em que a classe trabalhadora se esforça para defender seu padrão de vida com greves e lutas sociais.

A supressão desse movimento é a prioridade número um das elites financeiras, embora, como ela reconheceu, possa “pressionar muitas economias para uma recessão prolongada”.

O relatório do Banco Mundial e a nova devastação que hoje está se desenvolvendo deve ser a ocasião para a classe trabalhadora fazer um balanço sóbrio da situação que a confronta imediatamente e da natureza das lutas já em desenvolvimento.

Os acontecimentos nos EUA, o centro do imperialismo mundial, são particularmente significativos. Após décadas de supressão da luta de classes, centenas de milhares de trabalhadores, com milhões de outros atrás, estão entrando em luta e estão cada vez mais receptivos a um programa socialista.

Dois programas opostos estão em curso de colisão. A economia política da classe dominante capitalista é baseada na busca do lucro, não importando o custo em vidas humanas e a devastação econômica.

A economia política da classe trabalhadora se baseia na utilização dos vastos recursos econômicos que seu trabalho criou para o progresso do bem-estar humano. Aqui não há meio-termo ou caminho reformista. Os interesses materiais das duas principais classes da sociedade capitalista são irreconciliavelmente opostos.

Os interesses de vida da classe trabalhadora, a maior parte da população mundial, só podem ser realizados através de uma luta política internacional unificada contra todas as agências do capital, sobretudo as burocracias sindicais, pela tomada do poder para realizar a transformação socialista da economia global.

O pré-requisito para sua realização, enquanto o capitalismo mundial transita entre um desastre e o próximo, é a construção do partido mundial da revolução socialista, o Comitê Internacional da Quarta Internacional, para fornecer a liderança necessária para as lutas que estão acontecendo hoje.

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