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“Abordagens de eliminação levaram a aumentos massivos na expectativa de vida, crescimento econômico, e qualidade de vida em muitos países por décadas”

Ativista de COVID longa fala sobre pandemia e necessidade de eliminação global

Publicado originalmente em 10 de outubro de 2022

O World Socialist Web Site entrevistou recentemente a ativista líder de COVID longa, a dra. Elisa Perego, que cunhou a hashtag #LongCovid pela primeira vez em maio de 2020, após sua experiência com sintomas persistentes. Perego descreve os esforços liderados pelos pacientes, estudando e educando as pessoas sobre a COVID longa, as políticas criminosas implementadas por vários governos mundiais e o significado das lutas históricas para eliminar e erradicar doenças infecciosas.

Evan Blake (EB): Você pode nos falar um pouco sobre a sua história e suas pesquisas?

Dra. Elisa Perego (EP): Eu sou uma pesquisadora da Itália. Também vivi no Reino Unido e na Áustria para estudar e trabalhar. Como pesquisadora, trabalho em diferentes disciplinas. Minha formação é interdisciplinar. Em termos gerais, estudo a desigualdade social, a saúde e a incapacitação nas sociedades atuais e passadas. Meu doutorado é em arqueologia. Recebi uma bolsa Marie Curie na Academia Austríaca de Ciências em Viena em 2017-2019. Também trabalhei em interações homem-ambiente e gênero-ambiente, mudanças climáticas e respostas das pessoas a crises em sociedades antigas.

Eu sou uma pessoa que vive com COVID longa e, desde a infância, com outras doenças crônicas. Atualmente estou contribuindo para a política, pesquisa e comunicação científica sobre a COVID e a COVID longa. Participei da reunião histórica da OMS de agosto de 2020, que reconheceu abertamente os efeitos a longo prazo da infecção pelo SARS-CoV-2 na saúde. Eu tuito na conta @elisaperego78 sobre COVID longa, em defesa do paciente e sobre doenças infecciosas em nosso período de pandemia.

EB: Como foi sua experiência no início da pandemia? Meu entendimento é que você realmente cunhou a hashtag #LongCovid em 20 de maio de 2020, após seus próprios sintomas não terem desaparecido. Você pode compartilhar mais sobre isso? Como foi a resposta inicial e como se desenvolveu a consciência da COVID longa desde então?

EP: No início de 2020, eu estava na Lombardia [Itália], o primeiro epicentro da COVID fora da China. Como doente crônica e pesquisadora, fiquei alarmada com as notícias do surgimento do novo coronavírus. Em janeiro e fevereiro, eu estava acompanhando de perto as crescentes evidências científicas. Então a Lombardia foi atingida muito duramente. Inicialmente, a situação era como uma tempestade que você sente que está chegando.

Tornou-se rapidamente caótico, trágico. Nosso sistema de saúde não conseguia lidar com o SARS-CoV-2. A “silenciosa” transmissão comunitária não foi detectada a tempo. O mundo viu as filmagens de Bergamo. Eu estava bastante doente com a COVID aguda, mas não consegui receber nenhum apoio médico significativo. Fui submetido a uma triagem por telefone, sem consequência, porque o atendimento médico em minha área estava no limite.

Eu sobrevivi à fase pulmonar aguda, mas a doença progrediu com o tempo, com o aparecimento de novos sintomas e sinais clínicos, ou com o retorno. Os sintomas são muito numerosos para serem listados. Meu comprometimento cognitivo era grave, mas eu estava tentando acompanhar os dados científicos que surgiam o máximo que podia. Eu estava no Twitter. Eu só conseguia ler ou escrever pequenos trechos na época. Eu estava escrevendo em particular para as pessoas sobre essa doença de longo prazo da COVID. A COVID longa é uma concentração de termos similares que eu estava utilizando para descrever a minha experiência com a COVID. Isso foi em março e abril de 2020.

Em maio de 2020, sofri uma grande recaída, com sintomas multissistêmicos, cardiovasculares e cardiopulmonares. Minha saturação de oxigênio começou a cair novamente. Eu estava no terceiro mês. Eu tive a oportunidade de discutir com um profissional de saúde a possibilidade de coagulação em meu pulmão, com a qual eu estava preocupada. Microcoagulação e danos vasculares no pulmão e outras partes do corpo estavam sendo apontados como características-chave da COVID aguda grave. Porém, não eram discutidos em uma etapa tão avançada do curso da doença.

Essa recaída me convenceu de que estávamos lidando com uma doença prolongada, grave e potencialmente fatal, com um forte componente cardiovascular. Também aconteceram discussões na Itália sobre os testes de COVID que permaneciam positivos por semanas. Destaquei isso em um tuite com a hashtag #LongCovid em 20 de maio de 2020. O termo COVID longa foi quase imediatamente adotado por outros sobreviventes de COVID, incluindo criadores de grupos de apoio online no Reino Unido e muitos ativistas. O termo viralizou. A professora Felicity Callard e eu contamos a história em “Como e porque os pacientes cunharam a COVID longa”.

Eu simplifiquei muito a história. Só quero acrescentar que nunca me recuperei. Problemas como a hipoxemia recorrente, artrite, coagulopatia e doenças cardiovasculares nunca se foram. Alguns se tornaram ainda mais destacados, especialmente no final de 2020 e início de 2021. Eu sofri com um grave quadro cardiopulmonar no início de 2021. Eu tenho compartilhado esses dados através das redes de ativismo e além.

O comprometimento cognitivo melhorou, mas ainda estou muito afetada, especialmente com a perda de memória. Estou muito doente para ter um emprego normal, por enquanto. Eu menciono meu estado de saúde porque quero que as pessoas saibam que muitos com a COVID longa estão sofrendo de doenças graves sem o apoio adequado. Isso apesar do conhecimento que já tínhamos em 2020.

Alguns de nós têm tentado alertar sobre a gravidade da situação, em publicações, em políticas, mas a resposta tem sido mais lenta do que deveria ter sido.

Existem muita pesquisas disponíveis hoje, mas precisamos realmente traduzir o conhecimento em tratamento. Os custos dos atrasos são terríveis tanto para os indivíduos quanto para a sociedade. A Lombardia tem sido atingida pela COVID onda após onda. Isso tem afetado muito a capacidade das pessoas de obter bons cuidados médicos, incluindo eu mesma. Mais mortes e doenças também aconteceram.

A Itália e muitos outros países reconheceram formalmente a COVID longa em 2020-21 e estão produzindo diretrizes. O reconhecimento formal é importante. Estou feliz por ter contribuído onde pude. A COVID longa é hoje um fenômeno global. Ela vai além da medicina. Ela se cruza com o ativismo sobre as debilidades e a história dos movimentos liderados pelos pacientes, como o HIV/AIDS. Bilhões estão sendo investidos em novas pesquisas. Porém, o acesso aos cuidados continua a ser desigual. A comunicação de COVID longa pelos políticos continua sendo muito inadequada, em minha opinião. As pessoas frequentemente não estão cientes dos riscos reais da infecção pelo SARS-CoV-2.

Eu penso que precisamos de uma investigação aprofundada e independente sobre a resposta à pandemia em todo o mundo. Em janeiro de 2020, nós sabíamos que estávamos enfrentando uma potencial pandemia impulsionada por um vírus SARS. Isso foi publicado na principal revista científica, The Lancet. Nós sabíamos da COVID longa em 2020. As coisas correram terrivelmente mal. Milhões de pessoas morreram. Enormes números de pessoas tem vivenciado a COVID longa. Quantos estão hoje cronicamente doentes e incapacitados?

Eu sou uma pessoa muito reservada. Inicialmente, recorri à minha conta no Twitter – na época em que tinha algo como 300 seguidores – porque não podia acreditar que os países fossem tão perversos com suas respostas à COVID. Isso era impensável, quando eu estava passando pelos horrores da propagação desencadeada pelo SARS-CoV-2. A Lombardia foi atingida antes do lockdown nacional na Itália. Eu estava interagindo, inicialmente, com contas internacionais, tentando transmitir a catástrofe da Lombardia. Eu estava muito doente na época.

Pouco a pouco, comecei a tuitar sobre a COVID como uma doença prolongada. Havia outras pessoas passando por isso, e nós criamos uma conexão. Estou orgulhosa de ter construído colaborações que contribuíram para a pesquisa e o reconhecimento formal da COVID longa, começando por aquelas primeiras interações no Twitter, quando estávamos todos tão doentes. Porém, por que coube aos pacientes lutar pelo reconhecimento, enquanto muitos políticos e “especialistas” estavam minimizando os perigos da COVID?

EB: Desde 2020, os ativistas de COVID longa têm se referido à pandemia como um “massivo evento incapacitante”, e estamos vendo isso se confirmando a cada dia com estudos comprovando que a COVID-19 pode danificar quase todos os órgãos do corpo. Você pode falar sobre essa questão, e o que mais preocupa você sobre as implicações da infecção em massa para a debilitação a longo prazo? Como você vê esse “massivo evento incapacitante” impactando a sociedade de forma mais ampla no presente, nos próximos 5 anos, 10 anos e a longo prazo?

EP: Sim, a pandemia é um evento incapacitante em massa. Nós, nas primeiras zonas vermelhas, víamos e ouvíamos falar de pessoas que não se recuperavam. Pessoas terrivelmente doentes com a COVID. Pessoas levadas para o hospital e que nunca mais voltavam. Não apenas algumas. Muitas. Nós vimos e vivenciamos a realidade da doença, muitas vezes sem nenhum atendimento médico. É por isso que entendemos o tamanho do desastre tão cedo. Como você está dizendo, as evidências são hoje cristalinas. Há uma enorme pesquisa biomédica sobre a COVID aguda e longa. A COVID é hoje uma das doenças mais estudadas na história da medicina.

O SARS-CoV-2 é um vírus muito perigoso e contagioso. A vacinação neste momento pode impedir os piores efeitos, mas não é perfeita. O vírus continua evoluindo. Muitas pessoas foram infectadas antes que pudessem ser vacinadas. Isso inclui crianças. Muitas pessoas foram reinfectadas. Algumas estão piorando com uma nova infecção. Temos publicado sobre a comunidade que muitas pessoas que vivem com a COVID longa sofreram uma piora após a reinfecção. Existem evidências crescentes do impacto da COVID sobre a gravidez e os nascituros.

Nós não entendemos completamente as consequências em nível populacional das atuais reinfecções, o quanto isso será ruim. Como paciente e como pesquisadora, estou muito preocupada. O futuro não está determinado, com certeza. Isso dependerá de como o vírus irá evoluir, se iremos desenvolvermos melhores vacinas, e se os governos irão optar em algum momento pela contenção rígida e a prevenção total da transmissão aérea.

Porém, o que temos agora já é muito preocupante. A COVID longa não é rara. Os sistemas de saúde estão em perigo. Os cuidados com doenças que normalmente podem ser tratadas já estão reduzidos. É a minha própria experiência, entre aquela de outras pessoas. Muitos com a COVID longa ficaram sem apoio, mesmo com doenças com risco de vida. Os mais vulneráveis são os mais atingidos, mas mesmo os mais ricos não são poupados. Não temos relatórios completos, que eu saiba, do que está acontecendo com a COVID longa em áreas do mundo onde a vigilância é menos forte.

Na pior das hipóteses, poderíamos chegar a um limite, onde somente os ricos terão acesso a bons, ou mesmo a cuidados médicos básicos como a regra. Isso poderia acontecer mesmo em países com uma forte tradição de saúde pública, como a Itália ou o Reino Unido.

Muitos infectados pelo SARS-CoV-2 possuem uma nova debilitação, ou problema de saúde, que antes não possuíam. Não sabemos exatamente quantos poderiam ter patologia subclínica, como doença cardiovascular quase não sintomática ou assintomática. Eles podem até mesmo não estar cientes disso, mas é uma vulnerabilidade. Isso pode levar no futuro a doenças graves ou à morte prematura.

Sabemos que os vírus possuem amplos efeitos sobre a saúde humana. Sabemos de doenças causadas ou ligadas a infecções virais e outras infecções, como Síndrome de Fadiga Crônica, síndrome pós-Ebola, ou as sequelas a longo prazo do primeiro SARS, que eu freqüentemente chamo de SARS longa. Sabemos que muitos sobreviventes da SARS estiveram doentes durante anos ou nunca se recuperaram. Esse é uma enorme sinal vermelho para o SARS-CoV-2.

Doenças graves também podem se desenvolver décadas após uma infecção, como em alguns cânceres ligados a infecções virais, ou síndrome pós-poliomielite, e, é claro, a AIDS, no contexto de uma infecção crônica por HIV não tratada. Outro exemplo é a esclerose múltipla, que está sendo cada vez mais ligada à infecção pelo vírus Epstein-Barr (EBV). Os mecanismos através dos quais os vírus podem afetar a saúde humana são múltiplos e não são completamente compreendidos.

Não entendemos completamente as implicações disso com a COVID e a exposição múltipla ao SARS-CoV-2. O princípio da precaução deve ser aplicado com urgência. Vamos enfrentar essa crise iminente com um sistema de saúde cada vez mais quebrado e a crescente incapacitação pela COVID.

Eu estudei doenças e debilidades no passado. É possível acompanhar as mudanças na saúde humana ao longo do espaço e do tempo em restos humanos, como ossos e dentes, e a partir de fontes históricas. A saúde não é algo garantido. Desigualdades e escolhas políticas são um grande fator que molda a saúde humana. Isso também está acontecendo com esta pandemia.

EB: Desde que a variante Ômicron foi detectada em novembro passado, quase todos os governos mundiais eliminaram quase todas as medidas de mitigação restantes, incluindo a obrigatoriedade de máscaras, testes, rastreamento de contatos, diretrizes de isolamento e quarentena e muito mais. Ao mesmo tempo, eles manipularam dados para retratar falsamente o SARS-CoV-2 como “endêmico” e essencialmente inofensivo, enquanto milhões de outras pessoas morreram e dezenas se não centenas de milhões foram debilitadas pela COVID longa em todo o mundo. O que você pensa sobre o que aconteceu durante a onda da Ômicron e a situação atual em que nos encontramos agora?

EP: Deveríamos ter contido a Ômicron. Logo após ter surgido, nós sabíamos que ela poderia superar a imunidade prévia, até certo ponto. E nem todos foram vacinados ou receberam o reforço, mesmo nos países de “primeiro mundo”. As pessoas sofreram e morreram desnecessariamente. Agora vivenciamos novas ondas com variantes como a BA.5. Não há evidências de que o SARS-CoV-2 irá deixar de evoluir para variantes de preocupação em breve. As reinfecções são comuns e não são inofensivas.

Mesmo países que mantinham medidas de segurança como uso de máscaras em locais fechados, como na Itália, abandonado essas medidas. Acho isso sinistro, preocupante. A epidemia internacional da varíola dos macacos também surgiu como uma nova emergência global.

A resposta preventiva à varíola dos macacos tem sido lenta e limitada por alguns dos mesmos erros que vimos com a COVID, em minha opinião. Outros patógenos como o poliovírus e o vírus ebola estão ressurgindo em países que os eliminaram ou os contiveram, e as amplas implicações disso ainda não foram plenamente entendidas. Aconteceu um surto significativo da Febre do Nilo Ocidental no norte da Itália. Eu não consigo nem mesmo terminar de responder a esta entrevista sem que um novo surto, ou uma nova política problemática em resposta à pandemia chegue nas manchetes!

Não podemos viver uma vida plena e saudável dessa maneira. Não devemos aceitar isso.

EB: Você publicou um fio significativo em junho [no Twitter] que viralizou, em que você compartilhou vários trabalhos sobre os esforços para erradicar diferentes patógenos, incluindo varíola, pólio, peste bovina, gonorréia e muito mais. Eu acho que o apoio massivo que você recebeu indica que, em contraste às políticas oficiais, muitas pessoas querem combater a pandemia de COVID-19 e ver a erradicação desse vírus. Você pode explicar mais sobre isso, incluindo suas idéias sobre os esforços anteriores de eliminação-erradicação e se podemos e devemos lutar para eliminar o SARS-CoV-2 globalmente?

EP: Eu fiquei feliz por meu fio sobre os esforços de erradicação ter viralizado! Acho que as pessoas estão ansiosas pelo mundo pré-pandêmico. Elas não querem “conviver com a COVID”. Porém, elas também estão assustadas e não estão sendo informadas abertamente sobre coisas como a transmissão por via aérea e a COVID Longa. Se as pessoas estivessem plenamente conscientes das amplas implicações da COVID, elas estariam sendo mais abertas sobre a contenção do SARS-CoV-2 e pedindo por tratamento. Essa é uma das razões pelas quais os políticos falam tão raramente sobre a COVID longa, em minha opinião.

Eu simplificarei muito aqui, mas a literatura e a história da saúde pública mostram que lutamos duramente, incansavelmente contra doenças infecciosas com as armas à nossa disposição. A vacinação contra a varíola, a poliomielite ou o sarampo. A água limpa e o saneamento com a cólera. As drogas antiretrovirais e várias medidas de segurança com o HIV/AIDS. Não foi imediato. Não foi fácil. As pessoas tiveram que lutar. Nem todas essas doenças desapareceram. Mas nós lutamos.

A COVID zero tem sido descrita como “impossível”, “fanatismo” ou uma restrição da “liberdade”. Ela tem sido ideologicamente associada ao cenário político de países como a China. Porém, a estratégia de COVID zero tem sido o objetivo para a maioria das doenças. Essa estratégia é o objetivo da saúde pública. É a abordagem visionária que levou à erradicação da varíola e à eliminação – ou contenção drástica – de muitas doenças em todo o mundo. A COVID zero não significa a eliminação em dois dias! Ela é a luta, o escopo, o verdadeiro compromisso com a melhoria da saúde humana.

As abordagens de eliminação levaram a aumentos massivos na expectativa de vida, crescimento econômico e qualidade de vida em muitos países durante décadas. Em muitas das nossas sociedades privilegiadas, esquecemos em grande parte como era ter como a norma crianças pequenas morrendo de doenças infecciosas. As pessoas indo para sanatórios de tuberculose. Pulmões de aço para os sobreviventes da poliomielite. A cólera, que foi apelidada de “morte azul” devido à cor da pele daqueles muito doentes.

Acho que ninguém escolheria retornar a algo remotamente semelhante se pudesse realmente decidir livremente.

EB: Qual sua opinião sobre o fato de que a China eliminou repetidas vezes o SARS-CoV-2, incluindo, mais recentemente, a altamente contagiosa subvariante BA.2 da Ômicron, utilizando medidas básicas de saúde pública? Como podemos aprender e melhorar a sua abordagem de “COVID zero dinâmica”?

EP: Eu acho que um esforço simultâneo poderia ter eliminado ou, pelo menos, contido duramente o SARS-CoV-2. Outros países, além da China, o fizeram. Ao invés disso, muitos em posições de influência desenvolveram ou abraçaram ideologias como a “COVID endêmica”, “conviver com a COVID” ou a “imunidade do rebanho” via infecção natural. Especificamente, manter o vírus com soluções imperfeitas ou mínimas para controlar sua propagação. Preocupa-me que essas abordagens sejam aplicadas além da COVID no futuro. Estou preocupado com a reescrita das regras de saúde pública. Tudo é “leve” e devemos aceitar “conviver com isso” como uma questão de “responsabilidade pessoal”.

Penso que podemos – e devemos – combater o SARS-CoV-2 com as melhores armas à nossa disposição. Isso não significa um “lockdown draconiano”, como alguns descrevem a COVID zero! Nós podemos lutar por ar puro. Nós limpamos a água. Construímos esgotos. Não estamos urinando nas ruas como uma política “centrista”. Poderíamos informar abertamente as pessoas sobre como funciona a COVID. Podemos oferecer vigilância epidemiológica de ponta. Fornecer assistência médica e suporte a deficientes. Desenvolver prevenção aerodinâmica aperfeiçoada. Oferecer máscaras e testes de alta qualidade gratuitamente, especialmente para aqueles com necessidades financeiras. Tornar super seguros os centros de saúde e outros ambientes compartilhados. Colocar os melhores recursos em vacinas, diagnósticos e tratamentos de última geração, que devem estar disponíveis para todas as pessoas em todo o mundo. As respostas práticas podem ser específicas ao contexto, por exemplo, em diferentes países, de acordo com as necessidades e recursos locais.

Algumas dessas ferramentas já estão disponíveis para a elite e para os ricos. As outras pessoas são deixadas para trás. Existe uma falta de vontade política. Não falta conhecimentos técnicos ou científicos, nem dinheiro. Não estamos pagando por algumas guerras e incentivos fiscais para os superricos? Nós fomos para a Lua em 1969.

EB: Desde o início da pandemia, o WSWS tem enfatizado que não é simplesmente uma crise médica, mas fundamentalmente uma crise política, econômica e social que só pode ser resolvida através de uma ação globalmente coordenada. Como socialistas, temos defendido que o capitalismo mundial é incapaz de organizar tal resposta devido à divisão do mundo em Estados nacionais rivais e à subordinação da saúde pública ao lucro privado. Você pode comentar sobre isso e suas idéias sobre as questões políticas, econômicas e sociais mais amplas que a pandemia tem levantado?

EP: Concordo amplamente de um ponto de vista social e histórico. Penso que a pandemia hoje é tanto o produto do uber-capitalismo das últimas décadas, quanto – até agora – uma aceleradora dele. É a era dos bilionários indo para o espaço, enquanto as pessoas são infectadas em massa com um vírus SARS na Terra. A própria COVID fornece uma estrutura para aumentar o lucro em muitos níveis. Os atendimentos de luxo aos ricos. A privatização da saúde. O mercado de vacinas e antivirais. Apenas alguns exemplos. A COVID “endêmica” é bastante conveniente para alguns, não é mesmo?

Isso vai além da política, é claro. É uma reescrita do que é uma vida de significado – um ser humano significativo. Quem merece viver com saúde e quem não é suficientemente valioso para ser protegido da COVID. Não me interprete mal. A desumanização de grupos marginalizados vem acontecendo há séculos. Ela é anterior à pandemia, mas agora está acelerando. Nós vemos os sinais.

A atual política da “endemia” está deixando os mais vulneráveis sozinhos no combate à COVID. Os “velhos e doentes” têm sido apontados, quase triunfantemente às vezes, como os únicos em risco da infecção com o SARS-CoV-2, para tranquilizar os demais. Existem registros – em larga escala – de que o “código preto” tem sido usado para permitir que as pessoas morram quando os cuidados de saúde estão sobrecarregados. Existem registros de que as ambulâncias não chegam a tempo se você tiver um enfarte do miocárdio ou um derrame.

As pessoas estão sendo preparadas para aceitar infecções em massa e doenças crônicas por poucos ganhos a curto prazo. Estou falando da normalização da saúde ruim em uma escala que nós, em nossas sociedades relativamente privilegiadas, esquecemos. Estou falando da crescente desvalorização das pessoas que são retratadas como um fardo para o sistema. Porém, onde termina essa derrocada? Até mesmo o presidente dos Estados Unidos contraiu COVID. O seu status de saúde privada foi exibido na mídia como um “momento de ensino para a nação”.

As pandemias são eventos que fazem história. Não sei como isso vai acabar. Ainda espero que possamos fazer algo a respeito disso. O reconhecimento da COVID longa e das doenças virais é pelo menos um passo adiante. Eu disse algumas vezes que a COVID longa iria mudar a medicina. Eu continuarei lutando por isso com os aliados e a comunidade, apesar das doenças graves e de tantos obstáculos políticos.

EB: Obrigado por seus comentários atenciosos e por ter passado o tempo necessário para falar conosco.

EP: Obrigado.

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