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Perspectivas

A rede terrorista Reichsbürguer na Alemanha e a luta contra o fascismo

Publicado originalmente em 18 de dezembro de 2022

O ressurgimento de um movimento fascista na Alemanha é motivo de grande preocupação. Não existe outro país no qual o fascismo tenha mostrado sua face bárbara com maior sádica brutalidade. Durante os 12 anos da ditadura nazista, entre 1933 e 1945, Hitler esmagou o movimento operário, estabeleceu um regime de terror e iniciou uma guerra de conquista e extermínio que teve 27 milhões de vítimas somente na União Soviética e assassinou seis milhões de judeus. Até a morte de Hitler, a Alemanha e metade da Europa estavam em ruínas.

Passeata neonazista com símbolo do Reichsbürger em Munique (2005) [Photo by Rufus46 / wikimedia / CC BY-SA 3.0]

As mais de 50 pessoas do movimento Reichsbürger (Cidadãos do Reich), alvo da maior operação da história da República Federal da Alemanha envolvendo 3 mil policiais, não são “tolos” inofensivos, como alguns estão afirmando. Após a operação policial em 7 de dezembro, o ministério público federal os acusou de criar um grupo terrorista para tomar o poder através da força militar e matar adversários políticos.

Foi apontado que eles planejavam invadir o parlamento federal (Bundestag), seguindo o exemplo da tentativa de golpe em Washington liderada pelo ex-presidente americano, Donald Trump, em 6 de janeiro de 2021. O seu objetivo era supostamente prender membros do parlamento e do governo, provocar tumultos em toda a Alemanha e derrubar o governo.

A rede terrorista se estende ao aparato estatal e nos círculos sociais de elite. Os detidos incluem um membro da alta nobreza, um advogado, um médico, um piloto, um juiz e um ex-deputado do Bundestag do Alternativa para a Alemanha (AfD) de extrema direita. Ela também inclui policiais e um número significativo de ex-militares e membros da ativa, incluindo oficiais do KSK, uma unidade de elite do exército que é treinada para matar e fazer reféns.

Essa é apenas a superfície. De acordo com membros do comitê jurídico do Bundestag que foram informados das investigações, centenas de pessoas assinaram a “declaração de confidencialidade” do grupo. Preparativos foram executados para estabelecer 280 “companhias de segurança nacional” encarregadas de “prender e executar” pessoas em um cenário de golpe de Estado.

A rede está entrelaçada com o AfD, que possui assentos no Bundestag e nos parlamentos estaduais. Ela possui como base negacionistas da COVID, apoiadores da QAnon, do Querdenken (“pensamento lateral”) – um título adotado pelos opositores das medidas de saúde pública contra a COVID-19 – e o Reichsbürger. A estimativa é de que, somente neste último grupo, existam 23 mil pessoas, das quais uma em cada dez está preparada para cometer atos de violência. O Reichsbürger nega a existência da República Federal da Alemanha e luta pela restauração do império alemão dentro das fronteiras da Alemanha de 1937, incluindo grandes partes da Polônia e do exclave russo de Kaliningrado.

As redes terroristas de direita não caíram do céu. O Partido Socialista pela Igualdade (Sozialistische Gleichheitspartei, SGP) vem alertando sobre o seu desenvolvimento há muitos anos. Em 2018, a Mehring Verlag publicou o livro Why Are They Back? (Por que eles estão de volta?) de Christoph Vandreier, o atual representante do SGP. O livro demonstra em detalhes “como o retorno do militarismo alemão e a construção de um Estado policial nos últimos cinco anos foram promovidos e as bases ideológicas para um movimento fascista foram lançadas”.

No prefácio está escrito que é impossível entender o crescimento da extrema direita “sem examinar o papel do governo, do aparato de Estado, dos partidos, da mídia e dos ideólogos nas universidades que preparam o caminho para ela”.

Os grupos e partidos de extrema direita têm sido promovidos sistematicamente, mesmo enquanto o perigo que representam foi minimizado. O AfD, o primeiro partido fascista no Bundestag alemão desde o fim do regime nazista, deve sua ascensão em grande parte ao Verfassungsschutz, a agência de inteligência doméstica da Alemanha, que protegeu e assessorou o partido, e aos partidos tradicionais, que abriram o caminho para que ele assumisse posições no parlamento e adotasse seu programa contra os refugiados e militarista.

O renascimento do militarismo alemão foi acompanhado pela trivialização dos crimes dos nazistas. As mentiras históricas que justificaram a invasão de Hitler da União Soviética foram veementemente rejeitadas nas Disputas Historiográficas dos anos 1980, mas dominam hoje o discurso acadêmico e público. Na Ucrânia e nos Estados bálticos, o governo federal e o exército alemão cooperam com regimes que erguem monumentos aos colaboradores nazistas.

Os neonazistas, tal como o grupo terrorista de três membros, Clandestinidade Nacional-Socialista (NSU), e Stefan Ernst, o assassino do político conservador Walter Lübcke, foram capazes de matar sem interferência, mesmo sob vigilância das agências de inteligência. Organizações terroristas de direita, como a ampla rede Hannibal, permaneceram em grande parte intactas, apesar de terem elaborado listas de assassinato e armazenado grandes quantidades de armas e munições. Embora prisões e julgamentos ocasionais terem sido feitos, o número de acusados foi sempre baixo e o mito do “crime isolado” foi mantido.

O mesmo se aplica às redes fascistas dentro da polícia. Tanto em Hessen como na Renânia do Norte-Vestfália, dezenas de policiais participaram de grupos neonazistas em aplicativos de bate-papo. Quase ninguém foi processado. Somente esta semana foi publicado que 70 policiais estão sendo investigados em Baden-Württemberg por trocarem suásticas e fotos de Hitler em grupos virtuais.

Foi contra esse pano de fundo que a rede terrorista Reichsbürger se desenvolveu. Não pode existir dúvida de que o que é conhecido publicamente sobre seus membros até agora toca apenas a superfície, e o ministério público federal irá fazer todo o possível para que continue dessa forma.

O crescimento das forças fascistas com o apoio das elites dominantes não é limitado à Alemanha. Nos Estados Unidos, o Partido Republicano, um dos dois maiores partidos burgueses, é cada vez mais dominado por figuras fascistas. Uma tentativa de golpe de Donald Trump fracassou por pouco em janeiro de 2021. A Itália é governada por uma primeira-ministra que defende a tradição política do ditador fascista Mussolini. Na Suécia, o antigo país modelo da socialdemocracia, o governo depende de um partido neonazista para permanecer no poder.

O deslocamento para a direita das elites dominantes é uma expressão da decadência da democracia burguesa. Isso possui causas profundas e objetivas. Quando a luta de classes na Europa se intensificou em 1929 e partidos autoritários tomaram o poder, Leon Trotsky escreveu:

A tensão excessivamente alta da luta internacional e da luta de classes resulta no curto-circuito da ditadura, soprando os rastilhos da democracia um após o outro... O que é chamado de crise do parlamentarismo é a expressão política da crise em todo o sistema da sociedade burguesa.

Isso é verdade novamente hoje. Décadas de cortes nos gastos sociais, em que uma parcela cada vez maior da produção econômica nacional foi apropriada para o enriquecimento de uma pequena minoria e para brutais guerras, corroeram o parlamentarismo e exacerbaram a luta de classes. As necessidades das amplas massas por renda digna, empregos seguros, saúde, aluguéis acessíveis e paz já não encontram nem mesmo uma expressão distorcida dentro da estrutura parlamentar.

Os socialdemocratas alemães e o partido A Esquerda se tornaram especialistas em atacar os serviços sociais e impor baixos salários, e o Partido Verde se tornou o principal partido de guerra. Durante muito tempo, eles confiaram nos sindicatos para suprimir a luta de classes. Porém, quanto maior a oposição social de baixo, mais abertamente os partidos pró-capitalistas se movem para a direita e confiam na violência de Estado e no terror de direita para reprimir ela.

O fato de que eles são eventualmente forçados a prender fascistas excessivamente zelosos não muda isso. Ninguém deve ceder à ilusão de que o judiciário alemão, que a partir de 1933 estava praticamente unido a serviço dos nazistas, irá acabar com a conspiração de direita. Ao contrário, as medidas e leis que o judiciário adota em nome de restringir a extrema direita são inevitavelmente dirigidas contra os opositores do capitalismo e da guerra.

Trotsky escreveu em 1938: “A teoria, assim como a experiência histórica, mostram que qualquer restrição à democracia na sociedade burguesa é eventualmente dirigida contra o proletariado, assim como os impostos eventualmente caem sobre os ombros do proletariado”.

O SGP foi colocado na lista dos partidos “extremistas de esquerda” pelos serviços secretos porque advertiu sobre o perigo da direita como nenhum outro partido. Quando o SGP processou o ministério do Interior por isso, o ministério justificou a ação argumentando que o SGP estava “lutando por uma sociedade democrática, igualitária, socialista” e “agitando contra o suposto ‘imperialismo’ e ‘militarismo’”.

“Pensar em categorias de classe” e “acreditar na existência de classes concorrentes irreconciliavelmente opostas” foi declarado inconstitucional.

Em resposta, o SGP entrou na ofensiva. O partido apresentou uma denúncia constitucional no tribunal constitucional federal e lançou uma petição no site Change.org para mobilizar apoio.

Existe apenas uma maneira de deter o perigo fascista: O desenvolvimento de um movimento independente e unido da classe trabalhadora internacional contra a pobreza e a desigualdade social, a guerra, o fascismo e sua causa, o capitalismo. Os pré-requisitos objetivos para isso estão se desenvolvendo rapidamente. Cada vez mais trabalhadores não estão mais dispostos a aceitar os ataques a seus meios de subsistência.

Porém, tal movimento precisa de uma perspectiva e organização políticas que só podem ser proporcionados por uma liderança revolucionária. Essa liderança está sendo construída pelo Partido Socialista pela Igualdade e suas organizações irmãs no Comitê Internacional da Quarta Internacional.

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