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CPMI do golpe de 8 de janeiro é instalada sob esforços de Lula para acobertar militares

Passados mais de quatro meses do ataque fascista às sedes do poder político em Brasília por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, o Congresso brasileiro deu início a uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre os Atos de 8 de Janeiro de 2023. A apresentação do plano de trabalho para os seis meses de investigação, marcada para a última quinta-feira, foi adiada para o início desta semana.

Manifestantes bolsonaristas invadem edifícios do governo brasileiro. [Photo: Marcelo Camargo/Agência Brasil]

Os acontecimentos que serão investigados pela CPMI representam o maior choque sofrido pelo regime civil brasileiro desde sua inauguração em 1985-88, após 21 anos de ditadura militar. A tentativa de golpe de 8 de janeiro, que foi inquestionavelmente preparada no alto escalão do Estado e das Forças Armadas, revelou que setores da classe dominante brasileira estão determinados a abandonar qualquer fachada democrática e restabelecer a ditadura como forma de exercer seu poder político.

Como o World Socialist Web Site escreveu em janeiro, o ataque em Brasília “representou, ao mesmo tempo, o ápice da ofensiva de Bolsonaro e seus aliados civis e militares para promover um golpe eleitoral, e o episódio inaugural de um novo estágio político do movimento fascista em formação no Brasil”.

A resposta do establishment brasileiro nos meses seguintes, particularmente do governo de Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT), demonstrou a inexistência de uma facção política da burguesia capaz e disposta a reagir à crescente ameaça fascista. As condições em que a investigação parlamentar sobre a tentativa de golpe está sendo feita apenas confirmam essa verdade elementar.

A longa demora para convocação da CPMI resultou da determinação do governo do PT em impedir uma investigação pública da conspiração que, segundo o próprio presidente, chegou perto de derrubá-lo do poder para que “para que algum general assuma o governo”.

Após ter trabalhado para dissuadir parlamentares do próprio PT de convocar um inquérito, o governo Lula passou a negociações frenéticas com seus partidos aliados da extrema-direita, como o União Brasil, para bloquear a CPMI. Em fevereiro, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues, declarou que estavam “trabalhando para desarmar essa CPMI”, segundo ele “capitaneada pela oposição” para “obstruir as investigações em andamento, que apuram a responsabilidade de quem praticou os atos terroristas de 8 de janeiro de 2023”.

O governo foi forçado a investir pesadamente – com ampla distribuição de cargos e verbas públicas, segundo relatos da imprensa – para que sua base aliada retirasse o apoio a uma proposta que efetivamente caracterizou como sabotagem às investigações sobre a tentativa de golpe. Esse fato em si revela as bases frágeis sobre as quais o PT repousa no poder.

Enquanto o PT lutou para manter as investigações exclusivamente nas mãos de operações sigilosas da Polícia Federal e do Supremo Tribunal Federal (STF), a oposição fascistoide liderada pelo Partido Liberal (PL) de Bolsonaro buscou obstinadamente a abertura do inquérito público sobre o golpe que ela mesmo planejou. O PL e seus aliados querem usar a CPMI como uma plataforma para agitar as bandeiras políticas do golpe de 8 de janeiro, ao mesmo tempo que difundem a mentira de que o PT foi o verdadeiro arquiteto da invasão das sedes do governo, tendo propositalmente minado a segurança e infiltrado agentes responsáveis por “atos de vandalismo”.

Essa falsa narrativa dos apoiadores de Bolsonaro ganhou ensejo após o vazamento, em meados de abril, de vídeos de câmeras de segurança mostrando o ministro do Gabinete de Segurança Institucional de Lula, General Gonçalves Dias, caminhando entre os manifestantes que ocupavam o Planalto. Em resposta, o governo demitiu Gonçalves Dias e aceitou instalar a CPMI para reafirmar, segundo Randolfe, que “não fomos os algozes do 8 de janeiro, nós somos as vítimas”.

Mesmo depois de ter concordado com a CPMI, o governo Lula está buscando abertamente desmobilizar os trabalhos da investigação. Nas vésperas de sua instalação, Randolfe e o líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu, tiveram um jantar com o presidente da comissão, Arthur Maia, do União Brasil. Segundo a Veja, eles exigiram de Maia “‘responsabilidade’ no tratamento com os militares”. Um participante ouvido pela revista resumiu o conteúdo da discussão: “O governo reconhece que a relação com as Forças Armadas não está boa e que não dá para esticar a corda, botar os militares na parede e jogar a CPI para cima deles”.

A discussão reportada pela Veja é inteiramente condizente com a atitude e os objetivos perseguidos abertamente pelo PT. No dia da abertura da CPMI, 25 de maio, Zeca Dirceu declarou à CNN que essa investigação “na verdade não deveria nem existir”. Segundo o líder petista, “a classe política deveria estar se ocupando com a fome, gerar emprego, educação, saúde” e, mais importante, “aprovando um novo regime fiscal sustentável”.

Em outras palavras, ao buscar a unidade da burguesia brasileira para confrontar uma classe trabalhadora cada vez mais impaciente com o declínio de suas condições sociais, o PT não pode permitir que a agenda pública se perca em expor e combater uma conspiração fascista no Estado.

Em particular, o PT quer a todo custo impedir a exposição do engajamento do alto comando das Forças Armadas em ataques sistemáticos à legitimidade do processo eleitoral; seu apoio oficial a uma “mobilização popular” pela derrubada do governo eleito; e suas discussões conspiratórias, reportadas por diversas fontes, sobre uma possível sublevação para consolidar um golpe.

Recusando-se a desarmar as forças civis e militares que conspiram pela derrubada da democracia, o PT busca comprar seus favores. Em uma entrevista reveladora, o comandante da Marinha, Marcos Olsen, empossado em maio, declarou: “Acho absolutamente justificável, em função de tudo que ocorreu, que o presidente [Lula] tenha as suas ressalvas em relação aos militares num contexto político ideológico... Mas, desde a primeira conversa que eu tive com ele, sempre se mostrou preocupado em assegurar os investimentos para a Força”.

Apesar das tentativas de Lula de atenuar a tensão entre seu governo e os militares com o oferecimento de recursos crescentes do Estado, o dinheiro não pode livrá-los dessas contradições. O imperialismo americano, que conspirou ao lado dos militares brasileiros para derrubar o governo eleito de João Goulart em 1964, permanece um agente determinante nesse processo.

Buscando assegurar seus interesses estratégicos na América Latina, permeados por sua crescente campanha de guerra contra Rússia e China, Washington está novamente estabelecendo relações independentes e extraconstitucionais com os militares brasileiros. Esse fato alarmante foi explicitado pelos documentos vazados do Pentágono, que revelaram que oficiais da Marinha brasileira mantiveram contatos com o governo americano, buscando desviar a política externa do governo Lula para um maior alinhamento a Washington.

Recentemente, o Estado de São Paulo reportou que o Exército brasileiro organizou um importante seminário internacional ao lado dos EUA e países da OTAN, do qual deliberadamente excluiu Rússia e China sem consultar o governo. De acordo com o jornal, ao lado de um recente episódio em que o governo da Ucrânia solicitou a compra de blindados brasileiros diretamente ao Ministério da Defesa, esse seminário foi visto por colaboradores de Lula “como exemplo de como a diplomacia militar se chocava com a do governo”.

A estratégia pusilânime do governo do PT, incondicionalmente apoiada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e outros partidos da pseudoesquerda, só pode preparar um caminho mais certo para um golpe fascista bem-sucedido no futuro. É necessário confrontá-la com uma campanha intransigente pela preparação da classe trabalhadora para desarmar o Estado burguês e tomar o poder em suas próprias mãos.

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