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50 anos da Revolução dos Cravos em Portugal

Este ano completam-se 50 anos da Revolução dos Cravos em Portugal. Após um golpe militar em 25 de abril de 1974, que derrubou o regime do Estado Novo fundado pelo ditador fascista António Salazar, um movimento de massas da classe trabalhadora explodiu, levando a um estado de dualidade de poder e ameaçando uma revolução. Os trabalhadores exigiram não apenas o fim do fascismo, mas também o fim do capitalismo e a transformação para o socialismo.

Se a revolução tivesse sido bem-sucedida, teria desferido um duro golpe no capital internacional e inspirado movimentos revolucionários em toda a Europa e no mundo.

Multidão comemorando em um tanque Panhard EBR em Lisboa, em 25 de abril de 1974. [Photo by Unknown author - Centro de Documentação 25 de Abril / CC BY 4.0]

Mas, ao contrário, a sobrevivência do capitalismo foi garantida pela traição da socialdemocracia (o Partido Socialista Português – PS) e do stalinismo (o Partido Comunista Português – PCP), com a ajuda e a cumplicidade de várias organizações de pseudoesquerda que atuaram como agências secundárias do imperialismo. Muitas dessas organizações mais tarde se juntariam no Bloco de Esquerda (BE).

A revolução foi uma das expressões mais avançadas das explosivas lutas de classe internacionais que estouraram em um período de sete anos, começando com protestos estudantis militantes e uma greve geral de duas semanas na França em maio-junho de 1968. Os regimes fascistas na Espanha e na Grécia foram derrubados e o governo do Parido Conservador de Edward Heath foi deposto por uma greve de mineiros no Reino Unido. A oposição em massa à guerra do Vietnã, as grandes batalhas industriais e a crescente crise política nos Estados Unidos levaram à renúncia do presidente Richard Nixon.

Publicado quando a Revolução dos Cravos completou 30 anos, o artigo a seguir explica como o PS e o PC, auxiliados por grupos de pseudoesquerda que serviram como apêndices das principais burocracias sindicais, foram responsáveis por sua derrota.

A classe trabalhadora pagou um preço amargo pela preservação do regime capitalista em Portugal e internacionalmente, sofrendo três décadas de ataques aos seus padrões de vida e direitos sociais.

Nenhum dos problemas fundamentais associados à exploração capitalista e ao aprofundamento da desigualdade social foi resolvido. Os maiores horrores do século XX – a guerra mundial, o genocídio e a perspectiva de um holocausto nuclear – estão ressurgindo e sendo normalizados, com as potências da OTAN travando uma guerra por procuração contra a Rússia, apoiando o genocídio dos palestinos por Israel e preparando uma guerra regional contra o Irã e para enfrentar a China.

Movimentos fascistas e autoritários voltaram a fazer parte do cenário político em todo o mundo, promovidos ativamente pelas elites dominantes. Em Portugal, o partido populista de extrema direita Chega, herdeiro político de Salazar formado há apenas cinco anos, conseguiu a terceira maior votação na eleição do mês passado.

O fato de os principais ganhos políticos com a intensificação da crise econômica e a rápida deterioração dos padrões de vida estarem sendo conquistados pela extrema direita é o produto da supressão política da classe trabalhadora pela socialdemocracia, pelo stalinismo, pela pseudoesquerda e por sua oposição absoluta à derrubada revolucionária do capitalismo.

Desde 1975, todas essas tendências têm se movido incessantemente para a direita. A socialdemocracia rompeu todos os vínculos remanescentes com o reformismo e impôs a austeridade. Após a restauração contrarrevolucionária do capitalismo na União Soviética, os remanescentes políticos do stalinismo se tornaram defensores abertos do capitalismo. A pseudoesquerda reagiu criando vários partidos “populistas de esquerda” em aliança com tendências stalinistas e socialdemocratas, como o Bloco de Esquerda.

Ao mesmo tempo em que proferem uma retórica anticapitalista, tanto como oposição quanto no governo, o BE, o Syriza na Grécia e o Podemos na Espanha impuseram brutalmente os interesses da classe dominante.

O líder do partido Syriza, Alexis Tsipras, falando a seus apoiadores no principal núcleo eleitoral do partido Syriza em Atenas, em 20 de setembro de 2015. [AP Photo/Lefteris Pitarakis]

Hoje, como durante a Revolução dos Cravos, a pseudoesquerda não fala pela classe trabalhadora, mas por camadas da classe média abastada na academia, por profissionais liberais e pela burocracia sindical, que se preocupam acima de tudo em preservar sua própria existência privilegiada como defensoras do sistema de lucro.

Mobilizar a classe trabalhadora contra a guerra, o genocídio e o autoritarismo de extrema direita requer a construção de uma nova direção marxista, revolucionária e internacionalista na classe trabalhadora. É necessário armar os trabalhadores, especialmente a geração mais jovem, com as lições essenciais a serem extraídas das lutas históricas da classe trabalhadora. A base política para essa luta é a continuidade ininterrupta da defesa do trotskismo pelo Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI).

Esta versão editada da série de três artigos sobre a Revolução dos Cravos, escrita por Paul Mitchell e publicada originalmente no World Socialist Web Site em 15, 16 e 17 de julho de 2004, é um componente essencial da educação política dos quadros revolucionários encarregados de finalmente pôr fim à barbárie imperialista.

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Este ano [2004] completaram-se 30 anos da Revolução dos Cravos em Portugal. Após um golpe militar realizado em 25 de abril de 1974, um movimento de massas da classe trabalhadora explodiu. A elite dominante conseguiu impedir a revolução utilizando os serviços do Partido Socialista Português (PS), do Partido Comunista Português (PCP) e de grupos de pseudoesquerda.

Um papel fundamental nesses eventos foi desempenhado por Mário Soares, líder do PS durante a revolução e presidente de Portugal de 1986 a 1996. Falando no início deste ano [2004], Soares alertou que Portugal era hoje um país que exibe “um sistema fortemente desigual de distribuição de riqueza” e enfrenta “uma atmosfera de protesto aberto e até mesmo de tensão social e política”.

Portugal ainda é um dos países mais pobres da Europa.

Soares continuou: “Mais uma vez, Portugal se encontra em uma profunda crise na qual certas elites não conseguem entender qual é o caminho certo a seguir. A esmagadora maioria dos portugueses sente visceralmente a desigualdade e a tragédia do desemprego cada vez maior em uma sociedade em que o horizonte está sendo encoberto”.

Mario Soares participando de um comício em Lisboa para comemorar os 40 anos da Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 2014. [Photo by FraLiss - Own work / CC BY-SA 3.0]

Diante do apelo de José Manuel Durão Barroso, o primeiro-ministro do Partido Social Democrata (PSD), para que o povo português esqueça a revolução e celebre a “evolução” de Portugal, Soares está preocupado que a elite dominante pode se lembrar das lições de 1974. Ele está alertando que as privatizações agressivas, as reformas trabalhistas e os cortes na assistência social (iniciadas sob sua própria presidência) e a reafirmação do passado imperial de Portugal e sua influência pelo apoio à guerra no Iraque poderiam provocar outra explosão social.

As raízes da revolução

A revolução de 1974 foi, no limite, moldada pelo desenvolvimento histórico atrasado de Portugal.

A partir do século XV, Portugal construiu um império colonial, resultando em uma elite privilegiada que tinha pouca atividade produtiva. Com o desenvolvimento de seus rivais imperialistas, particularmente o Reino Unido, as possessões coloniais de Portugal foram ameaçadas. A Guerra Peninsular (1807-1814), que se iniciou quando Napoleão atacou Portugal e a Espanha e fez Portugal se endividar com o Reino Unido, tinham enfraquecido ainda mais o colonialismo português. O Brasil tornou-se independente em 1822 e foram necessárias tropas para proteger as colônias remanescentes de Portugal de seus rivais.

Através da “Aliança Luso-Britânica”, o Reino Unido passou a dominar o comércio português. Setores da pequena burguesia foram arruinados, e a industrialização continuou a passos lentos. Seu descontentamento desencadeou as grandes lutas liberais de 1810-1836, mas o principal resultado foi a desintegração de alguns grandes latifúndios. A monarquia portuguesa foi finalmente deposta pela revolução de 1910.

O período após a Primeira Guerra Mundial de 1914-1918 foi de enorme crise para o capitalismo global. Essa instabilidade se refletiu em Portugal, que teve oito presidentes e 45 governos entre 1910 e 1926 – o período da Primeira República.

No final da guerra, apenas 130 mil dos 6 milhões de habitantes de Portugal trabalhavam na indústria, principalmente em pequenas oficinas. Como na Rússia, a classe trabalhadora era extremamente radicalizada, levando a cabo uma greve geral em 1917 e provocando dois estados de sítio. Em 1921, foi formado o Partido Comunista Português.

A instabilidade e a ameaça de um movimento revolucionário da classe trabalhadora levaram ao golpe de direita de 28 de maio de 1926. Dois anos mais tarde, António de Oliveira Salazar, professor de economia, foi nomeado ministro das finanças e depois primeiro-ministro. Como resposta direta às contínuas lutas da classe trabalhadora que culminaram numa insurreição de cinco dias em 1934, Salazar declarou seu “Estado Novo” corporativo.

Salazar (terceiro da esquerda para direita) e membros de seu primeiro governo, formado em 1932, no Palácio de Belém. [Photo: Unknown author - Hemeroteca Digital - "Ilustração" N.º 14 (6 de Julho de 1932)]

Somente o partido fascista oficial era permitido – a União Nacional (UN), que mais tarde passou a se chamar Ação Nacional Popular (ANP).

Os sindicatos independentes e as greves foram proibidos, e os trabalhadores foram forçados a ingressar em sindicatos corporativos e estatais. Salazar estabeleceu uma censura rigorosa e criou uma polícia secreta, a PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), que prenderia ou mataria os opositores do regime.

A função mais importante do regime de Salazar para a elite dominante de Portugal era impedir qualquer luta da classe trabalhadora que ocorresse em casa e que a oposição se desenvolvesse nas colônias. Entretanto, a natureza nacional restrita da proscrição de Salazar não podia isolar o país da economia mundial. Grande parte de sua produção dependia da demanda mundial e o país tinha que importar muitos de seus produtos manufaturados. Durante os anos 1960, o investimento estrangeiro em Portugal triplicou, principalmente dos Estados Unidos, mas resultou em uma extrema concentração de riqueza.

Forças Armadas portuguesas marchando em Luanda, na época a capital da província ultramarina portuguesa de Angola, durante a Guerra Colonial Portuguesa (1961-74). [Photo by Copyrighted free use - Joaquim Coelho, author from Espaço Etéreo]

Em 1973, existiam cerca de 42 mil empresas em Portugal – um terço delas empregando menos de 10 trabalhadores –, mas cerca de 150 empresas dominavam toda a economia. A maioria estava ligada ao capital estrangeiro, mas liderada por algumas famílias portuguesas muito ricas (Espírito Santo, Mello, Brito, Champalimaud). A empresa monopolista da família Mello, a Companhia União Fabril (CUF), por exemplo, possuía grande parte da Guiné-Bissau e produzia 10% do Produto Interno Bruto.

Apesar dessa grande quantidade de empresas, um terço da população ainda trabalhava como mão de obra agrícola, muitos em grandes propriedades ou em latifúndios. Estima-se que 150 mil pessoas viviam em favelas concentradas em torno da capital, Lisboa. A escassez de alimentos e as dificuldades econômicas – os salários em Portugal eram os mais baixos da Europa nos anos 1960, de US$10 por semana – levaram à emigração em massa de quase 1 milhão de pessoas para outros países europeus, o Brasil e as colônias.

Os anos 1960 também assistiram ao surgimento de movimentos de libertação nacional nas colônias portuguesas na África – Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. O combate a três movimentos guerrilheiros durante mais de uma década esgotou a economia e a força de trabalho portuguesa. Quase metade do orçamento foi gasto para manter mais de 150 mil soldados na África. O serviço militar obrigatório de quatro anos, combinado com salários e condições militares precários, lançou as bases para as queixas e o desenvolvimento de movimentos oposicionistas entre as tropas. Esses recrutas se tornaram a base para o surgimento de um movimento clandestino conhecido como o “Movimento dos Capitães”.

O alto custo das campanhas militares na África foi exacerbado pela crise econômica mundial que se desenvolveu no final dos anos 1960.

Soldados armados saltando de um helicóptero durante a Guerra Colonial Portuguesa. A legenda da imagem original se refere ao “Assalto na Mata da Sanga...”. [Photo by Free Use: Joaquim Coelho, Espaço Etéreo]

Através do Acordo de Bretton Woods de 1944, o imperialismo americano foi forçado a resgatar seus rivais europeus e japoneses do colapso, temendo que isso produzisse uma revolução social.

Sob a tutela dos americanos e com o apoio do poder econômico e militar dos EUA, foram criadas várias agências, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), por meio das quais as economias eram impulsionadas com injeções maciças de capital através de empréstimos.

A base do sistema monetário dessa ordem internacional era o valor fixo do dólar em relação ao ouro – US$35 a onça de ouro. No entanto, a longo prazo, os EUA não poderiam sustentar o papel de financiar a economia mundial. O déficit da balança de pagamentos dos EUA aumentou, exacerbado pela guerra no Vietnã, enquanto as reservas de ouro diminuíram. Incapaz de manter a convertibilidade em ouro, o presidente Richard Nixon retirou o dólar do padrão ouro em 15 de agosto de 1971. A quebra do Acordo de Bretton Woods produziu, entre 1973 e 1975, uma inflação cada vez maior seguida da mais severa recessão que o mundo tinha visto desde os anos 1930, bem como um enorme desenvolvimento da luta de classes em um país após o outro.

A revolução em Portugal deveria ter se desenvolvido como parte de uma luta geral europeia e mundial pelo socialismo por parte da classe trabalhadora. Mas, ao invés disso, a sobrevivência do capitalismo foi assegurada pelas traições da socialdemocracia e do stalinismo, ajudados e incentivados pela pseudoesquerda pequeno burguesa.

Os preparativos para o golpe

Diante das revoltas nas colônias e de uma onda de greves em Portugal, os chefes militares se mobilizaram para proteger o capitalismo e deter a ofensiva da classe trabalhadora e dos camponeses.

Em fevereiro de 1974, o General António de Spínola, o segundo no comando do exército e diretor de dois dos principais monopólios de Portugal, incluindo a CUF, publicou Portugal e o Futuro. O livro criticava a política africana do sucessor de Salazar, Marcello Caetano, e fazia um chamado para que se cultivasse uma elite negra moderada que poderia se dissociar dos nacionalistas. Caetano proibiu o livro e demitiu Spínola e o comandante do exército, General Costa Gomes, que havia autorizado sua publicação.

Spínola durante sua renúncia, em 1974. [Photo by Keystone Press - Nationaal Archief / CC BY-SA 3.0]

Nesse mesmo mês, ocorreu uma revolta frustrada em Caldas da Rainha, no norte do país. Um manifesto do Movimento dos Capitães de 18 de março parabenizou Spínola e Gomes e expressou total apoio às tropas em Caldas da Rainha, dizendo: “A causa deles é a nossa causa”.

Os líderes do Movimento dos Capitães discutiram o manifesto com Spínola e Gomes e planejaram um golpe para 25 de abril de 1974.

Nesse dia, o Movimento das Forças Armadas (MFA), como o Movimento dos Capitães passou a ser conhecido, anunciou que tinha decidido “interpretar os desejos do povo” e derrubar Caetano. Na verdade, o próprio Caetano pediu a Spínola para evitar que o país “caísse nas mãos da gentalha”. O resultado foi a formação da Junta de Salvação Nacional (JSN), composta inteiramente por oficiais militares de alto escalão, tendo Spínola como presidente.

Spínola pretendia limitar o golpe a uma simples “renovação”, mas o golpe imediatamente levou as massas para as ruas exigindo mais mudanças. Multidões furiosas exigiam o acerto de contas com oficiais e apoiadores do antigo regime, e vários membros da PIDE foram mortos. Os trabalhadores começaram a ocupar fábricas, escritórios e lojas, e os camponeses ocuparam terras agrícolas. Meio milhão de pessoas marcharam por Lisboa uma semana depois, no Primeiro de Maio. A atmosfera revolucionária se espalhou pelas forças armadas, com soldados e marinheiros marchando ao lado dos trabalhadores, carregando faixas defendendo o socialismo.

Os partidos anteriormente proibidos surgiram da clandestinidade ou do exílio, incluindo o PCP liderado por Álvaro Cunhal e o PS liderado por Mário Soares. Os membros mais perspicazes da elite dominante sabiam o papel vital que esses partidos seriam obrigados a desempenhar para impedir o desenvolvimento de uma revolução.

Cunhal, secretário-geral do Partido Comunista Português, com Octávio Pato, seu candidato à presidência, no Campo Pequeno, Lisboa, em 1976. [Photo by Ct1aic - Own work / CC BY-SA 3.0]

Uma das questões mais importantes da revolução dizia respeito à natureza do MFA e sua unidade de “intervenção armada”, o Comando Operacional do Continente (COPCON), composto por 5.000 tropas de elite, tendo Otelo Saraiva de Carvalho como comandante.

O MFA cultivou o conceito da “Aliança Povo-MFA”. O PS, o PCP e os grupos radicais nunca contestaram essa grande mentira. Ao invés disso, o PCP declarou que o MFA era um “garantidor da democracia” e desenvolveu relações estreitas com Carvalho, o general Vasco Gonçalves e outros membros da Junta.

Somente o Comitê Internacional da Quarta Internacional e seus apoiadores portugueses, a Liga para a Construção do Partido Revolucionário (LCRP), fizeram um chamado para que o PCP e o PS rompessem com os partidos burgueses, a máquina estatal e o MFA. Exigiram a dissolução do exército e a criação de sovietes de operários, camponeses e soldados em oposição ao MFA e suas propostas para uma Assembleia Constituinte.

O Primeiro Governo Provisório

Spínola nomeou o Primeiro Governo Provisório em 16 de maio de 1974, composto por sete ministros militares e duas cadeiras cada para o PCP, o PS e o semifascista Partido Popular Democrático (PPD). O PPD havia sido fundado logo após a revolução e seu líder, Francisco de Sá Carneiro, deputado eleito no governo de Marcello Caetano depois de integrar a lista de candidatos do único partido do regime, aceitou a inclusão do PCP no Governo Provisório sabendo o papel vital que poderia desempenhar no controle da oposição da classe trabalhadora.

Durante todo o processo revolucionário, o PCP se agarrou ao aparato estatal através do MFA, atando assim a classe trabalhadora à elite dominante.

Para impor a disciplina no trabalho e implementar o programa de austeridade na “batalha da produção” do MFA, o dirigente do PCP Álvaro Cunhal foi nomeado ministro sem pasta e Avelino Gonçalves, também do PCP, tornou-se ministro do trabalho. O PCP ocuparia esse cargo também em governos provisórios posteriores, exortando os trabalhadores a “Salvar a Economia Nacional” e condenando qualquer manifestação de atividade independente por parte da classe trabalhadora.

O PCP também fazia parte do conselho de governo do MFA.

O MFA surgiu como o órgão decisório mais importante do país. A direção do MFA ficou a cargo do Conselho dos Vinte, cujas decisões geralmente exigiam a ratificação dos 240 delegados que compunham a Assembleia do MFA. O Conselho dos Vinte incluía o presidente e os outros seis membros da JSN, os cinco ministros militares (o primeiro-ministro, dois ministros sem pasta e os ministros do interior e do trabalho) e Otelo Saraiva de Carvalho, o comandante das unidades de “intervenção armada”, o Comando Operacional do Continente (COPCON). Ao longo do processo revolucionário, os líderes do COPCON prometeram que “eventualmente” armariam a classe trabalhadora, mas seu verdadeiro papel era impedir o desenvolvimento de grupos de vigilância popular ou milícias operárias.

Otelo Saraiva de Carvalho, em 1976. [Photo by Manuelvbotelho - Own work / CC BY-SA 4.0]

O programa político do MFA exigia a criação de um governo provisório que organizasse eleições para uma Assembleia Constituinte encarregada de redigir uma constituição.

A ascensão do MFA à proeminência do processo revolucionário pode ser atribuída ao PCP, que promoveu o conceito da “Aliança Povo-MFA” e glorificou os chamados generais militares esquerdistas como Carvalho e Vasco Gonçalves. O PCP afirmou: “O MFA é a força motriz e a garantia de nossa revolução ... o PCP defende que a aliança entre o movimento popular e o MFA é um fator necessário e decisivo para o estabelecimento de um regime democrático, uma garantia primordial para o desenvolvimento do processo revolucionário”.

Vasco Gonçalves, em uma manifestação no Porto, Portugal, em 5 de maio de 1982. [Photo: Henrique Matos - Self-photographed]

Na época do golpe de abril, o PS não contava com mais de 200 pessoas. No ano seguinte, tinha crescido para 60.000 membros – principalmente funcionários administrativos e profissionais liberais. Seu crescimento pode ser atribuído às ações do PCP e de grupos radicais e ao apoio que recebeu das potências ocidentais.

O PCP fortaleceu a direita em Portugal ao dividir a classe trabalhadora com sua colaboração com o MFA, ocupando o jornal República do PS e atacando fisicamente as reuniões do PS. Ao denunciar as greves operárias, apelando para um sindicato monolítico sob seu controle e apoiando a ditadura militar do MFA, o PCP permitiu que o líder do PS, Mário Soares, se fizesse passar por mais radical, democrático e ainda mais marxista do que Álvaro Cunhal do PCP.

As potências ocidentais ficaram alarmadas que Portugal, membro fundador da OTAN, havia sido sacudido por uma revolução. O Secretário de Estado americano Henry Kissinger disse a Soares que ele estava prestes a ser o “Kerensky [o líder russo cujo governo de curta duração antecedeu a Revolução Bolchevique] de Portugal”. O resultado foi o aumento da ajuda financeira estrangeira à organização, particularmente do Partido Trabalhista britânico e do Partido Socialista francês. Em fevereiro de 1975, Edward Kennedy participou de uma reunião com os dirigentes do PS.

Nixon e Kissinger. [Photo: White House]

O primeiro congresso do PS, em dezembro de 1974, recebeu saudações fraternas de partidos socialdemocratas de todo o mundo. O orador convidado foi Santiago Carillo, o líder do Partido Comunista Espanhol.

As Leis Antigreve

Após o golpe, as greves atingiram todos os setores da economia. Os trabalhadores criaram comissões que exigiam um salário mínimo, a prisão de simpatizantes fascistas, o controle operário e o socialismo. Em 15 de maio de 1974, 8.400 trabalhadores ocuparam os Estaleiros Navais de Lisboa (Lisnave). Os trabalhadores da Timex entraram em greve em 3 de junho, continuando a luta iniciada em novembro de 1973, e duas semanas foi a vez de 25.000 trabalhadores dos CTT, paralisando os serviços postais e telefônicos. Os jornais foram tomados e manifestos de partidos preencheram suas páginas.

Os antigos sindicatos corporativos, que o PCP havia retomado através da Intersindical, denunciaram as greves como “irresponsáveis” e suas exigências como “impossíveis”, organizando uma manifestação em Lisboa contra elas. O exército foi utilizado para quebrar a greve na Timex e proteger a fábrica e suas máquinas. A transmissão de um festival cultural no qual o grupo de teatro Comuna atacou a Igreja Católica foi interrompida sob as ordens de “autoridades superiores”.

A Confederação da Indústria Portuguesa (CIP) alertou que as ações da classe trabalhadora eram “perigosas para a economia nacional”. A CIP defendeu publicamente uma democracia de tipo ocidental, mas muitos de seus membros também financiaram partidos e organizações fascistas, incluindo aquela fundada pelo próprio Salazar – o Partido Democrático Cristão (PDC). O monopólio da família Mello, a CUF, financiou o Centro Democrático Social (CDS), precursor do direitista Partido Popular que faz parte do atual governo de coalizão.

O CDS foi fundado por Freitas do Amaral, ex-conselheiro de Caetano e apoiado pela católica Opus Dei. No entanto, essas organizações não tiveram nenhum apoio popular. O primeiro congresso do CDS, em janeiro de 1975, teve que ser abandonado por causa de tumultos ocorridos do lado de fora. Os outros congressos foram realizados em segredo.

Em 27 de agosto, o governo provisório introduziu uma lei antigreve que o PCP e o PS ajudaram a redigir. As greves só eram permitidas se fossem consideradas “dentro do espírito do Programa do MFA”. Todas as greves tinham que apresentar os resultados da votação e que esperar 30 dias para serem iniciadas. Não foram permitidas greves nos serviços essenciais e foram proibidas greves políticas ou de solidariedade e ocupações. No dia seguinte, unidades do exército, incluindo o COPCON, cercaram o aeroporto de Lisboa, que tinha sido ocupado pelos trabalhadores da companhia aérea estatal Transportes Aéreos Portugueses (TAP). Os trabalhadores que se recusaram a obedecer às ordens militares foram presos e disseram que só seriam reintegrados “se não participassem mais de atividade política”.

Mais dois golpes

As ações dos socialdemocratas e dos stalinistas deram um novo fôlego à reação. Em 10 de setembro de 1974, Spínola convocou a “maioria silenciosa ... a despertar e se defender do totalitarismo extremista”. Duas semanas depois, foi planejada uma manifestação. Em resposta aos movimentos das tropas e ao fechamento das estações de rádio e TV, trabalhadores ergueram barricadas e frustraram a tentativa de golpe. Mas Spínola foi simplesmente autorizado a renunciar ao cargo de presidente para ser substituído por seu antigo chefe, o general Costa Gomes.

Foi criado um novo governo provisório, sem Spínola e três outros membros da JNS, que iria durar até a próxima tentativa de golpe de direita, em março de 1975.

Em janeiro de 1975, foi formada a Comissão Inter-Empresas, que era composta por trabalhadores da Timex, TAP, Lisnave e outras empresas. Uma de suas primeiras ações foi a organização de uma manifestação contra a chegada de navios da OTAN ao porto de Lisboa. O governo provisório proibiu todas as manifestações e o PCP atacou os organizadores. Apesar disso, 40.000 pessoas participaram das manifestações.

O governo então aprovou o plano econômico elaborado pelo major Ernesto Augusto Melo Antunes, que era membro do “Grupo dos Nove” oficiais do MFA, e que foi endossado pela Assembleia do MFA. O plano excluiu “o controle socialdemocrata da gestão do capitalismo ... mas não exclui uma sociedade pluralista ... a luta de classes agora em curso deve levar em conta o papel alternativo que a classe média pode agora desempenhar.”

Ernesto Augusto de Melo Antunes.. [Photo by Croes, Rob C. for Anefo - Nationaal Archief / CC BY-SA 3.0]

O plano defendeu nacionalizações parciais, a tomada de algumas grandes e mal administradas propriedades e o aumento do investimento estrangeiro.

Spínola tentou outro golpe no início de março de 1975 apoiado por Kissinger e pelo embaixador americano Frank Carlucci, mas suas tropas se rebelaram no último minuto. Spínola fugiu para a Espanha e depois para o Brasil. Muitos homens de negócios por trás da tentativa de golpe foram presos, incluindo sete membros da família Espírito Santo, que possuía um dos maiores bancos de Portugal, e os Mello, mas todos foram libertados mais tarde.

A JNS foi extinta e substituída pelo Conselho da Revolução. Após a resistência da classe trabalhadora, formou-se um quarto governo provisório que nacionalizou bancos comerciais (mas não três bancos internacionais). Como muitos desses bancos controlavam empresas, o governo assumiu o controle de quase todos os jornais, companhias de seguros, hotéis, empresas de construção e muitos outros tipos de negócios – o equivalente a 70% do produto interno bruto do país. O salário mínimo foi aumentado e um programa de reforma agrária foi prometido.

O PCP declarou, apropriadamente, que os negócios haviam sido “nacionalizados a serviço do povo”, mas a nacionalização capitalista proposta diferiu da realizada na maioria dos países ocidentais após a Segunda Guerra Mundial apenas em extensão. O poder econômico e estatal ainda estava nas mãos da burguesia, ainda que apenas em parte através de sua sombra nos partidos socialdemocratas e stalinistas. A nacionalização visava proporcionar uma infraestrutura e um ambiente mais estáveis para a empresa privada e limitar o poder das comissões de trabalhadores, tornando a nomeação dos administradores uma função estatal.

A Assembleia Constituinte

Em 25 de abril de 1975, foram realizadas eleições para que a Assembleia Constituinte redigisse uma constituição. O PS teve quase 38% dos votos, o PPD 26,4% e o PCP 13%.

Após as eleições e sem nenhum sinal da reforma agrária prometida, os movimentos rurais se juntaram à situação insurrecional nas cidades. Os trabalhadores camponeses sem-terra do sul confiscaram as grandes propriedades rurais nas quais trabalhavam e começaram a desenvolvê-las coletivamente através de organizações como o Comitê Alentejo Vermelho. O PCP considerou as ocupações “anarquistas” e propôs que todas as ocupações futuras fossem controladas pelos sindicatos (que, por sua vez, o próprio partido controlava).

Entre junho e agosto de 1975, após a saída do PS e do PPD do quarto governo provisório devido ao caso do jornal República, o PCP e seus aliados foram deixados no controle virtual do Estado e dos ministérios. Os “Gonçalistas”, como era conhecida a ala militar do PCP, dominaram o Conselho da Revolução do MFA.

O MFA e o PCP convocaram uma Frente de Unidade Revolucionária (FUR) para “institucionalizar” o “pacto” entre o MFA e o povo. Isso envolveu a formação de assembleias locais, assembleias municipais e uma Assembleia Nacional Popular, que substituiria o governo provisório. O objetivo da proposta do MFA era consolidar o controle dos oficiais militares burgueses, destruir o caráter independente das comissões de trabalhadores que haviam surgido e impedir os movimentos em direção à dualidade de poder e aos sovietes/conselhos de trabalhadores. As assembleias só poderiam iniciar seus trabalhos após “uma avaliação pelo MFA” e estariam sujeitas ao controle militar em todos os níveis para preservar sua “independência de todos os partidos”. Não seriam permitidas organizações políticas nas forças armadas, exceto o próprio MFA.

Os grupos pseudoesquerdistas de classe média

A Frente de Unidade Revolucionária (FUR) foi uma frente popular estabelecida para trair a revolução no momento mais crítico e receber o apoio da maioria dos grupos radicais. Esses grupos reivindicavam as propostas do Movimento das Forças Armadas (MFA)/Comando Operacional do Continente (COPCON) como “base válida de trabalho para a elaboração de um programa político revolucionário” e defendiam que as assembleias, consideradas “órgãos autônomos do poder popular”, constituíam “um caminho para o processo revolucionário”.

Entre os partidos que assinaram o “Acordo de Unidade” e se juntaram à FUR estavam seções de organizações internacionais que se diziam trotskistas.

A organização International Socialist (IS) (o atual Socialist Workers Party no Reino Unido) estava representada pelo Partido Revolucionário do Proletariado (PRP). Os fundadores da IS haviam rompido com a Quarta Internacional nos anos 1940, alegando que a burocracia stalinista na União Soviética e seus satélites era uma nova classe em um novo sistema social (capitalismo de Estado). Isso não só concedeu à burocracia stalinista uma certa legitimidade mesmo considerando seu caráter parasitário, mas expressou uma prostração diante da estabilização do imperialismo do pós-guerra. A fraseologia radical da IS e sua glorificação do sindicalismo combinada com uma postura semianarquista serviram apenas para esconder a sua recusa em desafiar o controle político das burocracias socialdemocrata e stalinista sobre a classe trabalhadora.

Carlos Antunes, líder do Partido Revolucionário do Proletariado [Photo: Retrato de Carlos Antunes]

O PRP apoiou incondicionalmente o MFA e o COPCON. O partido saudou “a proposta do MFA de aliança entre o MFA e o povo” como uma “grande vitória para aqueles que lutaram durante meses pela construção de conselhos revolucionários”. A proposta do MFA de um “governo militar sem partidos” coincidiu com seu próprio slogan de “um governo revolucionário sem partidos”.

O Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SUQI) tinha duas organizações em Portugal – a oficial Liga Comunista Internacionalista (LCI) e uma seção “simpatizante”, o Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT).[1]

O SUQI surgiu de um racha na Quarta Internacional, em 1953. Liderada por Michel Pablo, a maioria da liderança da QI concluiu que o stalinismo tinha se mostrado capaz de derrubar o poder capitalista, e que os Estados operários deformados e a burocracia estabelecida na Europa do Leste haviam se tornado o padrão do futuro. A pressão sobre a burocracia – mesmo uma Terceira Guerra Mundial entre a URSS e os Estados Unidos – iria forçá-la a realizar novas lutas políticas para tomar o poder estatal e instituir “séculos de estados operários deformados”.

James Cannon autor da Carta Aberta

Sob a liderança de James P. Cannon, do Socialist Workers Party (SWP – Partido Socialista dos Trabalhadores) dos EUA, foi formado o Comitê Internacional da Quarta Internacional. Ele rejeitou tais conclusões impressionistas sobre a força do stalinismo alcançada pela IS e o SUQI e defendeu a análise feita por Leon Trotsky de que ou a classe trabalhadora removeria a burocracia parasitária numa revolução política ou a burocracia supervisionaria a restauração do capitalismo.

Em sua revista internacional Intercontinental Press, o SUQI rejeitou as propostas da assembleia do MFA, dizendo que Otelo Saraiva de Carvalho estava tentando estabelecer uma “ditadura militar não partidária”.

Embora isso fosse formalmente correto, o SUQI se orientou para o Partido Socialista Português (PS) e para a Assembleia Constituinte, saudando-a como “o único fórum em que os problemas das massas podiam ser discutidos abertamente”. Ao invés de convocar comissões de trabalhadores genuinamente independentes, o SUQI disse que os chamados aos sovietes eram “antidemocráticos” e “irreais”.

Em Portugal, ambas as organizações pablistas apoiaram o MFA e o COPCON, apelando para que formassem “uma unificação real e sólida com o movimento das massas exploradas”. O PRT declarou que sua anterior caracterização do MFA – “um movimento burguês ... defendendo os interesses fundamentais do capital” – estava errada, uma vez que agora estava introduzindo a “dualidade de poder” e as comissões militares tinham se tornado “uma iniciativa no poder do soviete”.

A incapacidade do SUQI de fornecer uma análise consistente dos acontecimentos em Portugal, particularmente em seus períodos mais críticos, foi demonstrada na edição de 4 de agosto de 1975 da Intercontinental Press. Um artigo dizia que não havia ameaça de um golpe militar, enquanto outro dizia que os eventos estavam caminhando para uma ditadura militar aberta. Na edição de 8 de setembro, um editorial do teórico chefe do SUQI, Ernest Mandel, alterou sua linha anterior, condenando a Intercontinental Press por seu apoio à Assembleia Constituinte e criticando a LCI pela forma como colaborava com o Partido Comunista Português (PCP) na FUR.

Michel Pablo (à direita) com Ernest Mandel

Essa crítica não foi feita do ponto de vista de que deveria haver uma luta irreconciliável para a classe trabalhadora romper com a direção contrarrevolucionária do stalinismo, mas porque Mandel acreditava que os portugueses não haviam “aproveitado a oportunidade de liderar o PCP para tomar uma posição sobre a implementação das tarefas essenciais necessárias para o progresso da revolução”.

O apoio ao MFA e ao COPCON veio dos cerca de 70 outros partidos radicais.

O Movimento de Esquerda Socialista (MES)[2], que havia surgido de um racha no PCP, disse em 1973 que “o apoio da classe trabalhadora ao MFA deve andar de mãos dadas com o apoio do MFA à classe trabalhadora”. Ele alegou que não era o momento certo para formar um partido – daí sua alegação de ser apenas um movimento – e que o PCP era “o único partido capaz de mobilizar as massas”.

A Liga de Unidade e Ação Revolucionária (LUAR) havia se formado em 1967 como um grupo de ação direta concentrado em questões locais sob o slogan “socialismo de baixo”. Essa organização ofereceu apoio condicional ao MFA por suas “medidas progressistas”, alegando que permitiriam aos trabalhadores “criar os embriões de formas alternativas de organização social”.

Havia também vários grupos maoístas, o mais importante dos quais era o Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP). O MRPP se separou do PCP em 1970, que passou a ser chamado por ele de “social-fascista”. O grupo se alinhou abertamente à burguesia.

Na eleição presidencial de junho de 1976, o MRPP pediu que seus apoiadores votassem em Ramalho Eanes, o candidato da lei e ordem do PS. O líder do MRPP, Arnaldo Matos, chamou o COPCON de “a força policial mais democrática do mundo”, para depois prender mais de 400 militantes do MRPP na região de Lisboa, em maio de 1975, usando informações contidas em antigos arquivos policiais secretos.

Arnaldo Matos. [Photo: Arnaldo Matos]

O único “legado” duradouro do MRPP é que José Manuel Durão Barroso, líder da organização durante a revolução, é agora primeiro-ministro do governo de coalizão direitista liderado pelo Partido Social Democrata.

O papel do CIQI

Apenas o CIQI e os seus apoiadores portugueses, a Liga para a Construção do Partido Revolucionário (LCPR), defenderam que PCP e o PS rompessem com os partidos de direita, com a máquina estatal e com o MFA. Exigiu a dissolução do exército e a criação de sovietes operários, camponeses e soldados em oposição ao MFA e às suas propostas para uma farsesca Assembleia Constituinte.

O CIQI insistiu: “O exército continua a ser o instrumento do Estado burguês, que deve ser destruído pela intervenção da classe trabalhadora. A ideia de que o exército como tal pode desempenhar um papel revolucionário é completamente reacionária” (Declaração do Comitê Internacional da Quarta Internacional sobre Portugal após 25 de Novembro, incluída em Revisionists & Portugal por Jack Gale, Labor Publications, Novembro de 1975).

Ainda segundo a declaração, “A série de motins no exército português expressa os sintomas de uma crise profunda… Não se pode depositar absolutamente nenhuma confiança nos chamados generais de esquerda como Gonçalves e Carvalho, que expressam eles próprios as vacilações da pequena burguesia”.

Acima de tudo, isto significou defender a construção do CIQI, a única organização capaz de liderar a classe trabalhadora e de tomar o poder.

O COPCON se dissolve

Diante da contínua agitação durante o “verão quente” de 1975, o “Grupo dos Nove” oficiais ao redor de Melo Antunes no Conselho da Revolução alertou que o Estado estava “degenerando em anarquia” e convenceu a maioria dos delegados do exército a tirar Vasco Gonçalves do poder. Tendo perdido a maioria, o primeiro-ministro Gonçalves renunciou. O Quinto Governo Provisório, dominado pelo PCP, diante de um apelo da classe trabalhadora para tomar o poder, simplesmente renunciou junto com Gonçalves.

O PS e o Partido Popular Democrático (PPD) voltaram a integrar o Sexto Governo Provisório – ainda com o PCP – liderado pelo Almirante José Baptista Pinheiro de Azevedo. Imediatamente o governo circulou um plano secreto conhecido como o “Plano dos Coronéis”, apelando para a implementação do plano econômico de Antunes para revitalizar o setor privado e reestruturar o setor estatal. O plano defendia que existissem leis para punir civis armados, a formação de Grupos de Intervenção Militar para desmantelar o COPCON e um expurgo de unidades militares sob influência esquerdista, a devolução do jornal República ao PS e a “resolução do problema” da Rádio Renascença. Os trabalhadores da Rádio Renascença haviam assumido a estação, que era de propriedade da Igreja Católica, e havia se tronado a principal porta-voz da FUR.

A crise chegou ao seu ponto mais alto. O recém-formado Sexto Governo Provisório e o Conselho da Revolução sofreram oposição de tantos setores da sociedade que existia uma situação de dualidade de poder.

Em 29 de setembro, o primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo ordenou a ocupação militar de todas as estações de rádio. O COPCON jurou “defender os trabalhadores”.

Em 7 de novembro, os emissores da Rádio Renascença foram explodidos. No dia seguinte, não tendo aprendido nada, o PRP apelou aos oficiais do MFA para que liderassem uma insurreição armada, dizendo: “Conhecendo a devoção ao processo revolucionário de muitos oficiais do Exército e da Marinha, e conhecendo também as posições que ocupam no nível de comandos de unidade, é fácil pensar em um esquema baseado em uma república por estas tropas, em uma operação do tipo 25 de abril”.

O PRP continuou: “Como toda a história mostra, a burguesia promove a guerra civil para defender seus interesses. Felizmente, em Portugal, a direita não tem um exército. Eles dependem de mercenários com bases na Espanha, ou dos exércitos dos EUA e da OTAN.”

Em poucos dias, a direita mostrou quão errado o PRP estava. O coronel António dos Santos Ramalho Eanes declarou um estado de emergência em 25 de novembro de 1975. O exército e a Frente Militar Unida (FMU), que incluía o MRPP, Antunes e Ramalho Eanes, avançaram para desmantelar barricadas e desarmar trabalhadores e soldados com quase nenhum tiro disparado. O COPCON, juntamente com organizações militares de “base”, como os Soldados Unidos Vencerão (SUV), que nas semanas anteriores havia mobilizado dezenas de milhares em manifestações, se dissolveram diante de cerca de 200 soldados.

Em janeiro de 1976, os preços dos alimentos aumentaram em 40%, a Rádio Renascença foi devolvida à Igreja e a maior parte da polícia secreta da PIDE foi solta.

Uma nova constituição foi proclamada em 2 de abril de 1976, prometendo ao país a realização do socialismo. Declarou irreversíveis as nacionalizações e ocupações de terras. Várias semanas depois, foram realizadas eleições para o novo parlamento, a Assembleia da República, que levaram a uma vitória do PS. Quase imediatamente, o primeiro-ministro Mário Soares recorreu ao FMI e implementou um programa de ajuste estrutural.

Ao longo dos anos, a burguesia retomou o que havia sido forçada a conceder. O atual governo de Durão Barroso está completando a devastação das condições sociais com suas políticas de flexibilização (exploração) do trabalho, redistribuição da riqueza para os ricos e privatização.

O presidente dos EUA, George W. Bush, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, e Barroso em 2008

A burguesia portuguesa resistiu à revolução graças à traição do PCP e seus apêndices radicais, que amarraram a classe trabalhadora aos partidos burgueses, à máquina estatal e ao MFA. O sucesso da Revolução dos Cravos teria sido um duro golpe para o capital internacional e teria inspirado os movimentos que se desenvolveram em todo o mundo nos anos 1970.


[1]

Em 1978, a LCI e o PRT fundiram-se para formar o Partido Socialista Revolucionário (PSR), que então fundou o Bloco de Esquerda em 1999, numa fusão com a União Democrática Popular maoísta e pró-Albânia e o partido Política XXI, formado por egressos do PCP. Em 2004, o PSR dissolveu-se numa associação política dentro do Bloco de Esquerda.

[2]

O MES deixou de ser ativo em 1981 e foi formalmente dissolvido em 1997. Muitas das figuras que fundaram e atuaram no MES juntaram-se mais tarde ao PS e alcançaram altos cargos no estado, incluindo Jorge Sampaio (presidente português entre 1996 e 2006) e Eduardo Ferro Rodrigues (secretário-geral do PS entre 2002 e 2004 e presidente da Assembleia da República de 2015 a 2022).

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