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Colômbia corta relações com Israel por genocídio em Gaza

Publicado originalmente em 3 de maio de 2024

O ministério das Relações Exteriores da Colômbia anunciou no dia 2 o rompimento das relações diplomáticas com Israel por causa do atual genocídio em Gaza.

Segundo uma declaração oficial citando o “sofrimento humano indescritível” infligido aos palestinos desde outubro, Bogotá planeja retirar todo o seu pessoal diplomático de Israel. O comunicado enfatiza que a medida não possui como alvo os cidadãos israelenses ou a população judaica, mas estritamente o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

Gustavo Petro discursa no Primeiro de Maio na praça Bolivar em Bogotá, Colômbia [Photo: Juan Diego Cano/Presidencia]

A decisão foi anunciada pela primeira vez pelo presidente Gustavo Petro durante um discurso no Primeiro de Maio na quarta-feira, diante de dezenas de milhares de apoiadores em Bogotá.

Ele disse que uma palavra resume “a necessidade da vida, a rebelião, a bandeira erguida e a resistência. Essa palavra se chama Gaza. Chama-se Palestina, as meninas, os meninos, os bebês que morreram desmembrados por bombas... Se a Palestina morrer, a humanidade morrerá, e nós não a deixaremos morrer”.

O rompimento das relações com Tel Aviv, que previsivelmente reagiu chamando Petro de “antissemita cheio de ódio”, ocorre no contexto da repressão massiva aos protestos pacíficos contra o genocídio em universidades dos EUA e sinais de que Israel irá prosseguir com a devastadora invasão de Rafah, no sul de Gaza, que abriga mais de um milhão de refugiados.

Centenas de milhões de pessoas em todo o mundo assistiram durante sete meses às imagens do assassinato em massa em Gaza e estão hoje ficando ainda mais revoltadas com a brutal violência contra estudantes e professores nas univerdades dos EUA.

O perigo de um conflito regional ou até mesmo global também se tornou cada vez mais evidente, com o próprio Petro respondendo aos ataques aéreos entre Israel e o Irã, alertando sobre uma iminente “Terceira Guerra Mundial”. Na época, ele tuitou: “O apoio dos EUA, na prática, a um genocídio, incendiou o mundo”.

Com algumas exceções – principalmente o presidente fascista da Argentina, Javier Milei – a maior reação diplomática contra Israel e os EUA pelo massacre na Palestina ocorreu na América Latina, ainda mais do que entre os países de maioria muçulmana.

Petro removeu seu embaixador de Israel horas após um ataque aéreo israelense ter destruído grande parte do campo de refugiados de Jabalia, em Gaza, e matado dezenas de pessoas em 31 de outubro. No mesmo dia, o presidente da Bolívia, Luis Arce, cortou todas as ligações diplomáticas com Israel, enquanto o presidente Gabriel Boric retirou o embaixador do Chile de Tel Aviv.

Honduras retirou dias depois seu embaixador e Belize suspendeu as relações diplomáticas com Israel. Os governos cubano e venezuelano já não mantinham relações diplomáticas com Israel e condenaram o genocídio em Gaza. Daniel Ortega, da Nicarágua, não rompeu relações com Israel, mas abriu um processo na Corte Internacional de Justiça contra a “cumplicidade” da Alemanha no genocídio em Gaza, por ser um dos maiores fornecedores militares de Israel. A corte reagiu em tempo recorde, rejeitando medidas emergenciais para bloquear a venda de armas para Tel Aviv.

Em fevereiro, o presidente brasileiro Lula da Silva denunciou Israel por levar adiante um “genocídio” em Gaza semelhante a “quando Hitler decidiu matar os judeus”. O governo Netanyahu respondeu declarando Lula “persona non grata”, o que significa que ele não é bem-vindo em Israel.

Por fim, embora o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador tenha permanecido em silêncio sobre o genocídio israelense, ele denunciou a hipocrisia dos EUA por reprimir estudantes pró-palestinos e fornecer armas para matar “pessoas inocentes” em todo o mundo. AMLO disse: “Como eles vão fingir que são juízes mundiais na defesa dos direitos humanos?”.

Essas posições refletem um enorme medo da explosiva oposição popular ao genocídio.

Na América Latina, elas são a expressão distorcida do ódio instintivo entre as massas pelo tipo de massacre e opressão neocolonial na Palestina, que se assemelha muito ao que a própria América Latina enfrentou nas mãos do imperialismo americano e de seus parceiros oligárquicos.

Milhões de pessoas na região veem claramente que Israel está agindo como uma arma de choque para os esforços dos EUA de garantir sua hegemonia no Oriente Médio.

Durante décadas, Washington procurou cultivar a classe dominante colombiana como seu parceiro militar mais próximo e bastião da reação política na América Latina. Desde a década de 1960, os EUA gastaram bilhões e enviaram inúmeros “conselheiros” militares para ajudar a esmagar os movimentos de guerrilha de esquerda, trabalhando lado a lado com a oligarquia latifundiária, seus parceiros multinacionais e gangues paramilitares fascistas para continuar roubando milhões de hectares dos camponeses – um território várias vezes maior do que Israel e a Palestina ocupada.

A guerra na Colômbia resultou em 450 mil a 800 mil mortes e 8 milhões de pessoas desalojadas desde 1985.

Israel e Colômbia mantiveram por muito tempo um triângulo estratégico com os EUA, com Israel fornecendo grande parte das armas para a Colômbia até que Petro suspendeu as compras militares em fevereiro. Ambos mantêm relações especiais com a OTAN, e a Colômbia continua sendo o único “parceiro global” da aliança na América Latina.

Petro e os outros líderes nacionalistas burgueses de “esquerda” da região representam seções da classe dominante que são particularmente sensíveis aos profundos sentimentos anti-imperialistas entre os trabalhadores e outras camadas oprimidas.

Desde que Hugo Chávez foi eleito na virada do século na Venezuela, seus co-pensadores têm procurado canalizar essa oposição para esforços de negociação das melhores condições para as elites dominantes nacionais na forma como os lucros são distribuídos com o imperialismo americano. Isso foi combinado com relações comerciais e políticas mais estreitas com os rivais geopolíticos dos EUA, como a China e a Rússia, e com promessas de maiores gastos sociais e reformas que, em grande parte, esgotaram-se com a queda nos preços das commodities em 2014.

No restante de seu discurso no Primeiro de Maio, Petro retratou a si mesmo e a seu governo como sendo da classe trabalhadora, e defendeu um projeto de lei da saúde que expande as clínicas locais e reduz o papel das seguradoras privadas. Petro disse demagogicamente: “Não pertenço a essa pseudoaristocracia ignorante, vestida como escravagista, que hoje não conhece a realidade do mundo”.

Além do congresso rejeitar seus limitados programas sociais, Petro tem enfrentado ameaças muito reais e crescentes de círculos militares e da extrema direita, que buscam derrubar seu governo eleito. Na quarta-feira, ele advertiu explicitamente que um “golpe” contra ele provocaria uma erupção social em massa.

Descrito na mídia corporativa como o “primeiro presidente de esquerda” da Colômbia, Petro foi instalado para canalizar os protestos em massa e as greves gerais contra a desigualdade social que eclodiram entre 2019 e 2021 para ilusões de reformas dentro do sistema capitalista. O seu poder depende da sua capacidade de suprimir a luta de classes, que tem se tornado cada vez mais limitada.

Apesar de um recente aumento, sua popularidade oscila em torno de 35%. As suas posições em relação a Israel e as recentes promessas de uma “assembleia constituinte” visam, sem dúvida, reforçar sua base de apoio, que se baseia hoje em grande parte na burocracia sindical desacreditada e em outros setores da classe média.

Independentemente da sua repulsa pessoal pela matança de palestinos, que não precisa ser contestada, Petro e seu governo representam um setor da classe dominante capitalista que depende do imperialismo dos EUA para ter acesso a mercados, capital e, acima de tudo, proteção contra qualquer desafio vindo de baixo.

Qualquer luta séria contra o imperialismo e a guerra exige um movimento massivo da classe trabalhadora em nível internacional para acabar com o capitalismo. Essa ameaça irá empurrar todas as seções das elites dominantes regionais para uma ditadura aberta e de volta aos braços do imperialismo.

O grande revolucionário marxista Leon Trotsky escreveu já em 1928: “Um movimento democrático ou de libertação nacional pode oferecer à burguesia uma oportunidade de aprofundar e ampliar suas possibilidades de exploração. A intervenção independente do proletariado na arena revolucionária ameaça privar completamente a burguesia da possibilidade de explorar ele”.

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