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Perspectivas

Reino Unido deixa a União Europeia: Contra o nacionalismo, pelos Estados Unidos Socialistas da Europa!

Publicado originalmente em 31 de janeiro de 2020

Às 11h00 (GMT), o Reino Unido deixará a União Europeia (UE) depois de 47 anos como seu membro. A saída ocorre três anos e meio depois do referendo de 2016, que resultou em uma maioria apertada de 52 % a 48% a favor de deixar a UE.

O referendo sobre o Brexit foi convocado pelo então primeiro-ministro do Partido Conservador, David Cameron, para fazer recuar a fração eurocética do seu partido e para impedir que sua base de apoio desertasse para o Partido da Independência do Reino Unido (UK Independence Party – UKIP, na sigla em inglês). Seu cálculo de que o apoio de todos os três partidos principais do parlamento, os sindicatos, bancos e o setor financeiro, além dos governos da UE e o presidente estadunidense Obama resultaria em um voto a favor da permanência na UE estava errado. Ao invés disso, o referendo produziu um voto pela saída da UE, impulsionado em parte pela oposição acumulada à “elite de Westminster” e ao “establishment”.

Desde 2016, houve incontáveis esforços para adiar ou reverter o Brexit. Mesmo assim, o Brexit se tornou uma realidade. Por mais politicamente confuso que seja o sentimento popular a favor do Brexit, sua promoção por frações líderes da classe dominante é o produto da enorme escalada dos antagonismos inter-imperialistas causados pela crise global do sistema capitalista, que produziu duas guerras mundiais no século XX.

As alas da burguesia britânica contra e a favor do Brexit possuíam estratégias opostas sobre como reagir ao desenvolvimento em direção a uma inevitável guerra comercial entre as grandes potências. As duas frações são igualmente reacionárias. A fração contra o Brexit queria preservar a posição global do Reino Unido dentro do bloco de comércio europeu e seu massivo mercado único. As forças a favor do Brexit viam a UE como um impedimento para que o Reino Unido avançasse uma política de comércio e investimento globais totalmente livres de regulação para a especulação financeira, centrada em uma aliança fortalecida com os EUA e direcionada contra a Alemanha e a França em particular.

O Brexit, portanto, é um produto das contradições econômicas e sociais globais produzidas pelo capitalismo. Isso foi ressaltado meses depois do referendo pela eleição de Donald Trump à presidência dos EUA, que chegou ao poder a partir de sua própria agenda nacionalista dos “EUA em primeiro lugar”. Trump adotou o Brexit como uma arma para encorajar a ruptura de uma UE que ele denunciou como uma “competidora”, não uma aliada, e um “cartel” administrado pelos interesses da Alemanha.

O Brexit confirmou a insistência de Trotsky sobre a impossibilidade de unificar harmoniosamente o continente europeu sob o capitalismo. Ele é a expressão mais avançada da divisão cada vez maior da UE, sob a pressão de forças centrífugas que estão se acumulando e ampliando o conflito não apenas com os EUA, mas entre os países europeus. Além disso, as tensões nacionalistas expressas pelo Brexit e a disputa pelo controle dos mercados e recursos globais estão levando a uma explosão do militarismo imperialista, direcionado acima de tudo contra a Rússia e a China, que ameaça mergulhar o mundo inteiro em uma guerra.

A classe trabalhadora está sendo forçada a pagar pela guerra comercial e o rearmamento militar através de uma austeridade acelerada, conforme a elite dominante britânica e seus rivais buscam permanecer globalmente competitivos atacando empregos e salários e destruindo serviços sociais essenciais. A verdadeira agenda econômica e social do Brexit é simbolizada pelos objetivos declarados de Johnson de “completar a revolução Thatcherista” e redesenhar Londres para ser a “Singapura no Tâmisa”.

Essa ofensiva da guerra de classe exige uma repressão aos direitos democráticos e liberdades civis que está substituindo o regime democrático por métodos de estado policial. A “Operação Yellowhammer” do governo, envolvendo o destacamento de dezenas de milhares de tropas e a polícia no caso de um Brexit “sem acordo” são, na realidade, planos para lidar com o conflito social que é o produto inevitável do contínuo empobrecimento dos trabalhadores. Já há legislação preparada para banir greves, primeiro no setor de transportes, e então em todos os serviços e indústrias consideradas “essenciais”. Ao mesmo tempo, o governo adicionou vários grupos de protesto pacíficos e partidos de esquerda na sua estratégia “Prevent” e tem a intenção de fazer o mesmo com relação à legislação antiterrorista.

A responsabilidade pelos graves perigos diante da classe trabalhadora é, acima de tudo, do líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, e seus apoiadores nas tendências da pseudo-esquerda e stalinistas britânicas.

Por quatro anos, Corbyn usou seu apoio popular como um opositor declarado da austeridade e do imperialismo para suprimir a luta de classes e qualquer desafio ao imperialismo britânico. Ele assumiu seu lugar ao lado de Cameron na campanha contra o Brexit, alegando que a UE, apesar de imperfeita, poderia ser reformada segundo os interesses dos trabalhadores. Essa defesa foi uma tentativa de agir contra a ampla oposição à UE produzida pela sua imposição de programas de austeridade devastadores contra os trabalhadores na Grécia, Espanha, Portugal e outros países, além de sua política para erguer a “Fortaleza Europa”, com brutais medidas anti-imigrantes que levaram à morte de milhares no Mediterrâneo e à construção de cercas com arame farpado e campos de concentração em todo o continente. Nisso, Corbyn desempenhou o mesmo papel que o Syriza na Grécia, que prometeu se opor à austeridade da UE, mas implementou ataques mais brutais do que o governo anterior da Nova Democracia, ao mesmo tempo que policiou a expulsão de refugiados e seus campos de detenção.

O papel mais reacionário de todos foi desempenhado pelos defensores de uma “Saída de Esquerda” da UE, o Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP, na sigla em inglês), o Partido Socialista e o stalinista Partido Comunista. Eles se opuseram à UE baseados em uma defesa do nacionalismo econômico centrado na afirmação de que, supostamente, depois do Brexit, Corbyn seria capaz de implementar uma “via britânica para o socialismo”. Essa política submeteu politicamente a classe trabalhadora aos elementos mais reacionários dentro da elite dominante que lideraram a campanha oficial pelo Brexit. Isso se expressou da pior maneira quando o porta-voz mais proeminente da saída de esquerda, George Galloway, dividiu o palanque com o líder do UKIP, Nigel Farage, e vários conservadores de direita, proclamando “Esquerda, direita, esquerda, direita! Marchar em frente juntos”.

Recentemente, Galloway criou seu Partido dos Trabalhadores do Reino Unido (Workers Party of Britain), que “defende positivamente a saída do Reino Unido da UE” e exige medidas anti-imigração. Prevendo um “levante patriótico”, ele ameaça que qualquer um “na esquerda” que seja visto como “antinacionalista” e “antibritânico ... que não aguenta ver sua própria bandeira e sua própria nação e sua cultura e tradição e história” vão eles mesmos “se tornar história”.

O resultado global das políticas de Corbyn e da pseudo-esquerda tem sido cultivar perigosas divisões que desarmam os trabalhadores que hoje enfrentam uma dura luta contra toda a elite dominante.

Apenas o Partido Socialista pela Igualdade (Socialist Equality Party – SEP, na sigla em inglês) avançou um programa genuinamente independente para a classe trabalhadora, baseado em uma luta de princípios pelo internacionalismo socialista.

O SEP chamou pelo boicote ativo ao referendo do Brexit em oposição a todas as tentativas de forçar a classe trabalhadora a apoiar um ou outro campo reacionário da burguesia. Nossa perspectiva baseou-se na mobilização política independente da classe trabalhadora em toda a Europa.

Nossa declaração dizia: “O SEP é irreconciliavelmente hostilà União Europeia. Mas nossa oposição é pela esquerda, não pela direita”.

Nós explicamos: “A primeira questão considerada pelos socialistas é de proteger não apenas os interesses atuais da classe trabalhadora, mas também o seu futuro. O maior perigo político nessa situação é a mistura de bandeiras de classe baseada na defesa de um suposto ‘nacionalismo de esquerda’.”

O SEP “considera um boicote ativo não um ato de protesto individual, mas um meio de iniciar o esclarecimento político da classe trabalhadora e agir contra a desorientação criada pelo Partido Trabalhista e a burocracia sindical e seus apologistas da pseudo-esquerda ... Contra o chauvinismo nacional e a xenofobia promovidos por ambos os lados na campanha do referendo, a classe trabalhadora precisa avançar seu próprio programa internacionalista para unificar as lutas dos trabalhadores em toda a Europa em defesa dos padrões de vida e direitos democráticos. Para os trabalhadores, a alternativa à Europa das corporações transnacionais é a luta pelos Estados Unidos Socialistas da Europa”.

A base objetiva para concretizar essa perspectiva está agora emergindo na forma de uma erupção global de greves e protestos massivos envolvendo milhões – na Índia, México, Porto Rico, Equador, Colômbia, Chile, Estados Unidos, Argélia, Líbano, Iraque, Irã, Sudão, Quênia, África do Sul e Índia, representados na Europa pelos Coletes Amarelos e as greves do funcionalismo público contra Macron na França.

Manifestantes protestam em Rennes, no oeste da França, em 5 de dezembro de 2019 (Crédito: AP Photo/David Vincent)

O jornal de Rupert Murdoch, Sun, destacou sua esperança de que o Brexit vai impedir que a luta de classes se espalhe e atravesse o Canal. “Era para ser o Reino Unido aquele que colapsaria em direção ao caos, enquanto nossos vizinhos no continente aproveitariam a estabilidade supostamente oferecida pela participação na União Europeia”. Ao invés disso, o “conflito civil na França, incluindo o nível de violência e fúria agora sendo direcionada contra seu establishment político e a polícia que impõem sua vontade, ameaçam sair do controle”.

O Sun está expressando falsas esperanças. As tensões sociais estão no limite. Os ataques planejados contra os trabalhadores e jovens vão inevitavelmente levar a uma explosão da luta de classes no Reino Unido, como uma manifestação do que o World Socialist Web Site previu que seria “uma década de intensificação da luta de classes e da revolução socialista mundial”.

O destino da classe trabalhadora depende de sua unificação internacional contra o inimigo de classe comum, sob a liderança do Comitê Internacional da Quarta Internacional. Junto aos nossos partidos irmãos, o SEP vai oferecer a liderança necessária para as lutas revolucionárias que estão na ordem do dia, construindo um movimento unificado da classe trabalhadora europeia e mundial pelo socialismo.

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