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Enfermeiros fazem greve em Manaus em meio ao colapso do sistema de saúde

Publicado originalmente em 28 de abril.

Centenas de enfermeiros brasileiros paralisaram o trabalho na manhã desta segunda-feira no Hospital 28 de Agosto em Manaus, capital do Amazonas, protestando contra a irresponsabilidade do governo que não garante os equipamentos de proteção individual (EPI) adequados, levando ao adoecimento generalizado e mortes de vários colegas.

Manaus, com mais de 2 milhões de habitantes, foi a primeira cidade brasileira a declarar o colapso de seu sistema de saúde em decorrência do coronavírus. Com a expectativa de ápice da pandemia somente para o próximo mês, 90 por cento dos leitos de UTI já estão ocupados. O Hospital 28 de Agosto é o maior do estado e o principal centro de tratamento da doença. Tem sido palco de algumas das cenas mais terríveis da crise do coronavírus.

Vídeos internos do hospital mostram corpos falecidos em meio a pacientes em tratamento. O número de mortos é tão grande e as mortes são tão constantes que há relatos de que ambulâncias aguardam na porta do hospital até que alguém morra para dar entrada a um novo paciente.

"Eu trabalho na UTI do 28 de Agosto, a maior UTI da América Latina e tá sucateado", relata um enfermeiro num vídeo no Facebook. "Nós não temos materiais, é um kit de EPI por noite e a gente se contamina com sangue, com secreção e não tem outro pra trocar. Eu acho um despreparo do governo nos colocar na linha de frente onde todo mundo precisa dos nossos serviços e nós somos coagidos a não falar nada."

Enfermeiros em greve em Manaus seguram fotos de seus colegas que morreram de COVID-19.

A greve foi uma grito de desespero dos trabalhadores. Além da falta de EPIs, os enfermeiros do estado estão com salários atrasados, em alguns casos por até oito meses. "Foi tirado de nós os 40% pra quem trabalha na UTI e isso não é justo, estamos direto com esses casos… Muitos colegas entregaram a escala. Não temos condições de trabalho, eles pagam R$1.500 e é o cala boca que nós recebemos."

Durante o final de semana, um enfermeiro publicou um vídeo em que afirmava ter sofrido uma tentativa de coação da administração do hospital, após ter comentado nas redes sociais a favor da greve.

"Eu postei e reafirmo", ele dizia, "Se a senhora não estiver com os EPIs na mesa de cada setor, o 28 de Agosto vai parar. Não venha com essa brincadeira de que o governador está providenciando. O governador não está providenciando mais nem o caminho dele, quanto mais as máscaras… A enfermagem do 28 de Agosto já cansou de ficar parada, cansou de ser humilhada. Se não tiver o material que nós estamos exigindo, vai parar!"

Na manhã de segunda-feira os enfermeiros e auxiliares de enfermagem se reuniram e ocuparam a pista em frente ao hospital em protesto, segurando cartazes com a demanda de EPIs e fotografias de seus colegas que morreram em decorrência do vírus. Eles cantaram: "A enfermagem tá de luto!".

Um trabalhador visivelmente emocionado, entrevistado em meio ao protesto, declarou: "Vai ter muita ameaça. Já está tendo. Nosso colega já está recebendo ligação para acabar com essa manifestação, que a gente tem que acabar com isso. A gente não tem que acabar não. A gente tem que ter coragem, como a gente está tendo agora. Sabe por que? Porque tá morrendo muita gente, muito pai de família. A gente sai daqui pra levar a doença para dentro da nossa casa, é mãe, é pai, é irmão. A gente fica indignado, dói aqui no coração da gente.

Olha aqui, um profissional guerreiro que foi embora [diz mostrando a foto de um colega que morreu]… E eu vou ser um guerreiro que posso ir embora. Porque eu não sei. Eu nunca fiz o teste, não sou atendido por médico, não sou atendido por ninguém. Quantas vezes eu adoeci e não fui atendido aqui. Ninguém vai na minha casa pra saber se eu estou bem ou se eu estou mal, se eu estou morrendo… Vai algum psicólogo na minha casa? Não. Eles querem que a gente se mate aqui.… A gente é mal remunerado mas estamos aqui dando o nosso amor, a nossa vida para ajudar a população, aí depois quem são os privilegiados? Os políticos, os gerentes, os cargos maiores. A gente está morrendo, ajude a gente que a está morrendo na saúde!"

A situação denunciada pelos trabalhadores, que o governo tenta abafar, contrasta absurdamente com os dados oficiais. Até hoje só há 304 mortes confirmadas no estado. No entanto, somente em Manaus e neste domingo, 140 pessoas foram enterradas, sendo que antes do início da pandemia a média era de apenas 30. A prefeitura afirma que desses 140, somente 10 eram casos confirmados de COVID-19; outros 47 morreram por insuficiência respiratória e os demais não tinham registro de causa.

As condições de Manaus, aos poucos, vão se generalizando pelo Brasil, que registrava quase 67.000 casos da doença e mais de 4.500 mortes na segunda-feira. A falta assumida de um número de testes minimamente adequado faz com que autoridades reconheçam que o número real pode ser até 15 vezes maior.

Enfermeiros em greve protestam nas ruas de Manaus.

Ao longo das duas últimas semanas, greves e protestos de enfermeiros vem crescendo pelo país contra as condições mortais a que os profissionais de saúde são submetidos.

Também nesta segunda-feira, outro protesto de enfermeiros ocorreu no outro extremo do país, em São Paulo. Os enfermeiros do Hospital Municipal do Campo Limpo também organizaram um protesto pela manhã, denunciando a falta de EPIs e homenageando uma colega que morreu de COVID-19.

Ignorando criminosamente os dados da realidade, a classe dominante brasileira está forçando uma reativação das atividades econômicas com o único propósito de assegurar o fluxo de lucros aos bancos e empresas. Desde o Maranhão, governado pelo maoísta Flávio Dino do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), até São Paulo, governado por João Dória, o político da ala mais à direita do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), os governos brasileiros preparam um retorno prematuro ao trabalho nas próximas semanas.

Isso irá custar vidas de milhares de trabalhadores, incluindo de enfermeiros e outros profissionais de saúde que enfrentarão uma nova onda de pessoas doentes e morrendo sendo depositadas em hospitais mal equipados.

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