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Com a COVID-19 devastando o Brasil, governos promovem reabertura assassina das escolas

Publicado originalmente em 1 de agosto de 2020

O Brasil bateu recordes diários da COVID-19 na quarta-feira, tendo registrado 70.869 novos casos e 1.554 mortes. Com isso, o país superou simultaneamente os marcos de 2,5 milhões de casos e 90.000 mortes pela doença.

Esses números descrevem um dos piores cenários da pandemia mundial. Apesar de em números absolutos o Brasil seguir atrás dos Estados Unidos, os índices de quarta-feira superaram os de qualquer outro país do mundo.

Em meio a tais condições catastróficas, o establishment político brasileiro está promovendo uma campanha pela reabertura das escolas de todo país o mais rápido possível, ameaçando alavancar os níveis já exacerbados de contaminações por COVID-19.

Entrada de escola da rede pública estadual de São Paulo [Crédito: Secretaria da Educação do Estado de São Paulo]

As escolas representam um passo definitivo para uma reativação total da economia brasileira, que demanda locais para os trabalhadores deixarem seus filhos enquanto geram lucros à elite dominante em seus empregos.

A irracionalidade brutal dessa proposta foi expressa recentemente num comercial produzido pelo Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Privado do Rio de Janeiro (Sinepe-RJ). Atacando a ciência e naturalizando as mortes por COVID-19, ele dizia:

"Os meses se passaram, aprendemos a conviver com o vírus. O COVID nunca irá de todo, o que acaba é o medo… Vimos que a ciência é a vacina, estudos só confundiram. Trancar todos em casa não é ciência. Confinar é desconhecer, é ignorar, subtrair vida. É fragilizar, debilitar, mexer com o emocional. As crianças precisam voltar a se relacionar, brincar, refazer laços, amizades, rever seus amigos".

Apesar de ter sido rapidamente tirado do ar, após uma chuva de críticas de especialistas da saúde, suas concepções estão totalmente alinhadas com as discussões sendo feitas no alto escalão do Estado. É impossível não associá-las às posições sociopatas defendidas pelo presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro.

Há cerca de um mês, quando anunciou a milhões de brasileiros que contraíra o novo coronavírus, Bolsonaro insistiu mais uma vez que toda a população deverá contrair o vírus e fez um apelo pela reabertura imediata das escolas.

Naquele momento, ele buscava um candidato ao Ministério da Educação (MEC). Renato Feder, um dos entrevistados, declarou ao Estadão que a preocupação central do presidente era ter alguém capaz de promover um plano para a retomada de aulas em todo o país.

O ministro apontado por Bolsonaro, o pastor evangélico Milton Ribeiro, foi prontamente elogiado por associações nacionais de ensino privado como um nome capaz de promover "a retomada segura das atividades acadêmicas presenciais".

Escolas já estão reabrindo

A reabertura das escolas no Brasil está ocorrendo da mesma forma como foi seu fechamento, sem um planejamento geral, com governos locais tomando decisões arbitrariamente.

Entretanto, se no movimento de fechamento das unidades escolares, no início da pandemia, governadores e prefeitos apareceram como opositores da política homicida de Bolsonaro, agora, ao promoverem as reaberturas, revelam a total inconsistência de sua oposição.

Sala de aula de escola pública de São Paulo [Crédito: Secretaria da Educação do Estado de São Paulo]

Seguindo a direção apontada pelo MEC no início de julho, quando este apresentou um protocolo nacional de medidas para a retomada de aulas, os governos estaduais e municipais vêm aprovando protocolos de reabertura próprios, que apesar de não definirem datas, preparam o terreno para reabrir a qualquer momento.

Onze estados, além do Distrito Federal, já agendaram a reabertura das escolas. As datas são baseadas em argumentos forjados de uma suposta "estabilização" da epidemia.

Em São Paulo, o estado mais afetado pela pandemia, uma média de quase 2.000 mortes semanais foi comemorada pelo governador direitista João Doria, do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), como um "platô" na disseminação da doença e momento de "normalização".

Uma série de outros governos estaduais e municipais já está impulsionando a retomada de aulas nas escolas particulares como a ponta de lança para abrir caminho às escolas públicas, que concentram 80% dos alunos brasileiros e possuem condições estruturais bem mais precárias.

A primeira capital a liberar as escolas particulares foi Manaus, no Amazonas, em 6 de julho. Segundo o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Privado do Estado do Amazonas (Sinepe-AM), 70% das unidades reabriram, trazendo cerca de 88.000 alunos às salas de aula.

Nesta semana, o governador Wilson Lima, do reacionário Partido Social Cristão (PSC), deu um novo passo anunciando o retorno das escolas públicas de todo o Amazonas para 10 de agosto. A irresponsabilidade desse governo com a pandemia já foi graficamente demonstrada em abril, quando as cenas de milhares sendo enterrados em covas coletivas em Manaus chocaram o mundo.

No Rio de Janeiro, a prefeitura da capital, administrada por Marcelo Crivella do Republicanos, está promovendo a reabertura das escolas particulares para 3 de agosto. O estado registra mais de 13.000 óbitos por COVID-19 no total, o segundo maior número do país, e a média de novos casos aumentou em mais de 100% nos últimos quinze dias.

Os políticos do Partido dos Trabalhadores (PT) e seus aliados, como o maoísta Partido Comunista do Brasil (PCdoB), são absolutamente complacentes frente a esse movimento assassino.

Na Bahia, governada por Rui Costa do PT, a Secretaria de Educação afirmou que a retomada das aulas, sem data por hora, ocorrerá "em consonância com o restante do país". Já no Maranhão, o governo de Flávio Dino do PCdoB adiou o retorno das escolas estaduais nesta semana, mas garantiu que as unidades escolares recebessem milhares de termômetros para que possam reabrir a qualquer hora.

Por um movimento da classe trabalhadora contra a reabertura de escolas!

Apesar de seus esforços, a tentativa dos políticos da burguesia de reabrir as escolas no país enfrenta uma oposição massiva dos profissionais da educação.

Em São Paulo, uma série de reuniões online realizados pela Secretaria da Educação para discutir a retomada escolar foram acompanhadas atentamente por dezenas de milhares de educadores contrários à pressão por seu retorno às salas de aula.

Manifestação de professores em Porto Alegre no ano passado [Crédito: Caco Argemi]

As perspectivas de um retorno em setembro em São Paulo estão gerando uma movimentação crescente entre os trabalhadores de base, exigindo a convocação de uma greve e o mesmo ocorre em cidades de todo o país.

Professores do sistema público de Manaus já anunciaram uma greve contra a volta às aulas agendada. Na quinta-feira, os professores das escolas públicas do Rio de Janeiro votaram massivamente por uma greve caso a prefeitura tente reabrir as escolas.

Esse movimento reflete a disposição de luta apresentada nas greves dos últimos anos, com milhões de educadores em todos os estados brasileiros se opondo aos ataques a suas condições de vida, particularmente a suas aposentadorias, e à destruição do sistema público de educação.

A recusa dos educadores a serem enviados a locais de trabalho infectados pela COVID-19 é amplamente apoiada pelas famílias da classe trabalhadora. Uma consulta realizada pela Prefeitura de São Paulo a familiares de alunos registrou, segundo a CBN, 90% de oposição ao retorno das aulas.

A luta de professores e funcionários contra a reabertura de escolas se funde à crescente crise social no Brasil. Milhões de trabalhadores perderam seus empregos durante pandemia, resultando em mais da metade da população ativa estando desocupada.

A explosão dessa crise foi contida, até agora, em grande medida pelo pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 pelo governo federal, que será cortado neste mês.

Ao condenar milhões de famílias a condições miseráveis, Bolsonaro e seus aliados pretendem exacerbar a pressão sobre os trabalhadores, forçando-os a aceitar piores salários e condições mortais de trabalho colocadas pela pandemia. Contudo, sua consequência inevitável será o desencadeamento uma onda de oposição da classe trabalhadora de dimensões incalculáveis.

A luta dos educadores adquire um caráter altamente explosivo e pode ocupar a linha de frente de uma luta do conjunto da classe trabalhadora por condições de vida decentes e pela retomada da economia somente em condições seguras, com os procedimentos de segurança e determinação de qual produção é essencial sendo definidos pelos próprios trabalhadores.

Para avançar esta luta, os trabalhadores da educação precisam superar o controle dos sindicatos afiliados à Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), que sufocaram suas últimas greves, isolando suas lutas localmente e os cansando até que fossem derrotados.

É necessário construir novas organizações, comitês de escola e bairro eleitos democraticamente pela base. Esses comitês politicamente independentes permitirão aos trabalhadores brasileiros avançar sua luta contra o capitalismo e se unificar com seus colegas internacionais, que enfrentam os mesmos problemas e estão demonstrando a mesma disposição de lutar contra eles mundialmente.

O autor também recomenda:

Construir comitês de base em fábricas e locais de trabalho pelo Brasil para impedir a transmissão da COVID-19 e salvar vidas!
2 de junho de 2020]

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