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Governador Wilson Witzel afastado por fraudes em contratos de emergência para combate à COVID-19

Publicado originalmente em 5 de setembro de 2020

Em 28 de agosto, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, foi afastado do cargo por 180 dias pelo Ministro Benedito Gonçalves do Superior Tribunal de Justiça (STJ) por ter sido denunciado em um esquema para o recebimento de propinas em contratos entre o governo estadual e prestadores de serviços privados.

No mesmo dia da decisão do Ministro Gonçalves, o Ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) a prosseguir com o processo de impeachment de Witzel. O processo havia começado no início de junho, com uma votação de autorização com 69 votos favoráveis e 1 contra, e posteriormente suspenso pelo Presidente do STF Dias Toffoli durante o período de recesso de Moraes. Espera-se agora que o processo de impeachment prossiga rapidamente, e remova Witzel do cargo permanentemente na próxima semana.

No centro das investigações estão os pagamentos a vários prestadores de serviços privados para construir e operar hospitais de campanha e outras instalações de saúde para tratar pacientes da COVID-19 no estado.

Hospital de campanha do estádio do Maracanã (crédito: Agência Brasil)

O Brasil tem atualmente o segundo maior número de casos e mortes por COVID-19 do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, com mais de 4 milhões de casos e 126.000 mortes, e uma média de mais de 40.000 novos casos e cerca de mil mortes por dia.

Estes números são um resultado direto do abismo social persistente por décadas que define todos os aspectos da vida no Brasil e no Rio de Janeiro em particular, onde 22% da população vive em favelas.

Os pagamentos sob investigação foram feitos sob legislação de emergência promulgada em março para permitir contratações de modo mais rápido que o normalmente exigido por licitações públicas. O contrato mais vultoso, no valor de quase um bilhão de reais (US$ 125 milhões), foi estabelecido com uma "Organização Social", a Iabas, que também administra um hospital de campanha e outras instalações de saúde em São Paulo. A Iabas foi contratada para construir sete hospitais de campanha no Rio de Janeiro, mas apenas um foi aberto antes do governo estadual rescindir o contrato da empresa no início de junho, após o início de uma investigação que implicou o governador Witzel.

As "Organizações Sociais" são empresas constituídas no Brasil com o objetivo de administrar infra-estrutura pública privatizada e são onipresentes nas cidades e estados do país. As investigações que agora implicam Witzel começaram com esquemas que datavam do mandato de seu antecessor, Sérgio Cabral, que atualmente cumpre uma pena de 282 anos após 13 condenações por corrupção.

Witzel foi acusado de fazer parte de um esquema coordenado pelo conhecido empresário Mário Peixoto, suspeito de desviar 500 milhões de reais (US$ 70 milhões) de contratos fraudulentos desde 2012, e ser um dos controladores da Iabas. Os laços de Witzel com Peixoto foram inicialmente levantados durante a campanha eleitoral de 2018. Os procuradores suspeitaram que os pagamentos feitos por Peixoto à esposa de Witzel, uma advogada, eram na verdade um disfarce para propinas.

Embora o STJ tenha inicialmente negado o pedido dos procuradores para a prisão de Witzel, ele autorizou a prisão do presidente do partido de Witzel, o Partido Social Cristão (PSC), pastor Everaldo, por considerá-lo peça-chave no esquema.

Em 2016, o Ministro Everaldo assumiu destaque nacional por batizar o então deputado e agora Presidente Jair Bolsonaro no Rio Jordão, uma moda seguida por evangélicos ricos no Brasil.

O afastamento e o processo de impeachment de Witzel ilustram a profunda crise que está dominando a classe dominante brasileira, enormemente intensificada pela pandemia da COVID-19, que expôs a falência de todo o establishment político.

Enquanto o Congresso, incluindo a oposição liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), votou pela salvação dos mercados financeiros com uma injeção de fundos sem precedentes de 17% do PIB do país, meros 15% desse montante foram direcionados para a chamada ajuda emergencial de R$ 600,00 (US$ 100), a única renda que impede dezenas de milhões de brasileiros de mergulhar na pobreza. Esse auxílio foi agora cortado pela metade, enquanto os governadores e prefeitos de todos os partidos pressionam para um retorno homicida às escolas, e a classe dominante pressiona os desempregados a aceitarem um retorno ao trabalho mesmo com uma propagação descontrolada da pandemia.

Witzel é um entre vários governadores e autoridades que enfrentam acusações semelhantes. Quatro de seus últimos cinco predecessores no governo do Rio foram condenados por acusações de corrupção.

O estado do Rio de Janeiro tornou-se, desde o início do século XXI e a ascensão ao poder nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), o centro de uma série de projetos de infra-estrutura e programas de redução da pobreza e da violência patrocinados pelo governo federal. O PT aliou-se ao então chamado Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e outras antigas forças nacionalistas burguesas que mantiveram sua força no Rio de Janeiro desde o período em que era a capital do Brasil, prometendo reverter a decadência social da cidade, que já durava décadas.

A cidade sediou os Jogos Pan-Americanos de 2007, e depois foi escolhida para sediar os Jogos Olímpicos de Verão de 2016. Em 2014, sediou vários jogos, incluindo a final, da Copa do Mundo de Futebol no icônico estádio Maracanã - transformado em um hospital de campanha durante os meses iniciais da propagação da pandemia no Brasil.

O estado também se tornou um centro da indústria que se desenvolveu em torno da exploração dos recém-descobertos campos de petróleo do "pré-sal," localizados em águas profundas, e sofreu a pior crise entre todos os estados brasileiros com o fim do boom das commodities fomentado pela China em meados da última década.

O estado é também a base política do fascista Jair Bolsonaro, pelo qual ele foi eleito sete vezes para a Câmara dos Deputados, servindo 28 anos como deputado antes das eleições de 2018.

Witzel foi inicialmente eleito como um de seus principais aliados, juntamente com o governador de São Paulo, João Doria. Ambos promoveram as mesmas políticas ultra-direitistas de "combate ao crime," dando aos elementos mais fascistóides dentro das forças policiais estaduais assassinas um cheque em branco para realizar assassinatos em massa. No Rio de Janeiro, isto resultou em um aumento de 14% nas mortes causadas pela polícia, para 881, só no ano passado. Estes assassinatos cometidos por policiais representam agora 30% do número total de homicídios no estado.

O de Witzel, o PSC, tinha sido um dos principais incentivadores de uma candidatura presidencial de Bolsonaro, o que motivou jogadas políticas como o batismo de Bolsonaro pelo pastor Everaldo em 2016.

Com o início da pandemia, entretanto, tanto Doria quanto Witzel se distanciaram da negação aberta de Bolsonaro de que a COVID-19 representava qualquer ameaça. Eles fingiram preocupação com a propagação da doença, impondo quarentenas parciais em São Paulo e no Rio, que agora foram quase totalmente levantadas. O distanciamento de Doria e Witzel de Bolsonaro, em março, veio enquanto o presidente brasileiro enfrentava uma oposição crescente às suas políticas de extrema-direita, e também no momento em que escândalos de corrupção começaram a envolver mais decididamente o próprio presidente, com procuradores do estado do Rio acusando seu filho, Flávio, de ter participado de esquemas de corrupção enquanto era legislador do estado.

A investigação dos esquemas de corrupção de Flávio revelou ligações entre a família Bolsonaro e grupos de extrema-direita cariocas conhecidos como milícias, e particularmente a gangue chamada "Escritório do Crime", suspeita de assassinar a vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em 2018.

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