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Morenistas minimizam tentativa de golpe de Trump enquanto semeiam ilusões em Biden

Publicado originalmente em 16 de novembro de 2020

Com a crise eleitoral dos Estados Unidos revelando os graves perigos enfrentados pelos trabalhadores nos EUA e internacionalmente, na forma de um golpe eleitoral sem precedentes e ameaças de uma nova erupção do militarismo norte-americano, a tendência internacional morenista organizada em torno do site Izquierda Diario está fazendo tudo que está ao seu alcance para desarmar politicamente a classe trabalhadora. O Izquierda Diario foi fundado pelo Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS) da Argentina, cuja orientação política é para o velho movimento nacionalista burguês peronista. A tendência também inclui a ala do NPA francês conhecida como Revolução Permanente.

Nos EUA, ela se dedica a empurrar para a esquerda os Socialistas Democráticos da América (DSA), que por sua vez é uma ala do Partido Democrata, encarregada de dar-lhe uma cobertura de esquerda. Os morenistas usaram seu site em inglês, o Left Voice para atacar a DSA e sua porta-voz, a revista Jacobin, pela direita, acusando-os de praticar “reducionismo de classe”, ou seja, serem insuficientemente comprometidos com a política identitária racialista promovida pelo Partido Democrata.

A tendência morenista está acima de tudo preocupada em combater a erupção da oposição em massa à tentativa de golpe de Trump, não apenas nos Estados Unidos, mas também na América Latina e Europa. Ela trabalha para subordinar os trabalhadores aos velhos agentes imperialistas na forma dos partidos trabalhistas, social-democratas e nacionalistas burgueses. Por esta razão, o Izquierda Diario tem usado sua cobertura das eleições americanas não apenas para semear ilusões em Biden, mas também para justificar a resposta covarde dos democratas às ameaças da extrema-direita contra seus próprios membros e o eleitorado americano como um todo.

Já em 12 de novembro, mesmo diante do apoio aberto de Trump a forças fascistas nos EUA que conspiraram para sequestrar e executar governadores democratas, uma das colunistas do Izquierda Diario, Claudia Cinatti, da Argentina, escreveu um artigo reduzindo as ações de Trump a uma tentativa de "evitar o tribalismo" no Partido Republicano.

Candidato presidencial democrata, ex-vice-presidente Joe Bidendiscursa na quarta-feira, 4 de novembro de 2020 em Wilmington, Delaware (AP Photo/Carolyn Kaster)

Em um artigo intitulado "Por que Trump resiste?", Cinatti escreve que "tudo indica que a verdadeira estratégia de Trump não é entrincheirar-se na Casa Branca (o que ele não seria capaz de fazer porque será despejado em 20 de janeiro), mas manter a adrenalina do Partido Republicano e evitar que sua derrota se transforme em um tribalismo desgastante". Ela também descreve os “Proud Boys” neofascistas como uma formação "populista de direita".

Esta análise é uma minimização criminosa da grave crise dentro dos EUA, projetada exclusivamente para evitar uma erupção da reação da classe trabalhadora à tentativa de golpe de Trump. Ela está inteiramente alinhada com o veto imposto pelo Partido Democrata e pela DSA contra qualquer menção à gravidade desses eventos. É significativo que as palavras "fascista" ou mesmo "extrema-direita" não apareçam nem mesmo uma vez no artigo de Cinatti. O Izquierda Diario não apenas rejeita os movimentos de Trump para anular as eleições americanas como uma mera manobra interna dentro do Partido Republicano, ele essencialmente endossa Biden, assim como a DSA fez, mesmo depois de ter resolvido em sua convenção de 2019 que não apoiaria nenhum outro candidato democrata além de Bernie Sanders.

Os morenistas adotam o lema dos apoiadores pseudo-esquerdistas do Partido Democrata de que uma administração Biden criará "espaço" para a esquerda. Em um artigo de 5 de novembro intitulado "Que leitura podemos fazer das eleições nos Estados Unidos?", Izquierda Diario afirma que "a forma que essa polarização política tomará dependerá do vencedor e do curso da luta de classes", antes de adotar a velha fórmula de que um democrata seria mais suscetível à pressão da esquerda: "Se Biden finalmente vencer, terá que arbitrar entre uma classe trabalhadora em crise" e "e os acordos do partido e dos bilionários que o financiam".

Um artigo de 9 de novembro, do economista argentino e membro do PTS Esteban Mercatante, demagogicamente intitulado "Com Biden como presidente, o império contra-ataca?", afirma mansamente que "o governo da principal potência imperialista, ao que tudo indica, estará mais absorvido na agenda doméstica do que em intervir nos assuntos mundiais". Ele define a agenda programática de Biden como "do grande capital combinada com algumas políticas moderadas de viés progressista" num retorno à política "que por décadas se alternou nos EUA (democratas e republicanos, até o chegada de Trump) e da União Europeia".

Embora nem os EUA nem a União Européia tenham visto qualquer reforma sequer "moderadamente progressista" em pelo menos 40 anos, esta narrativa política fraudulenta é crucial não apenas para promover as intervenções "democráticas" do imperialismo americano em todo o mundo, mas também para conter a oposição interna às diversas alas desacreditadas das classes dirigentes latino-americanas, desde o regime do fascistoide brasileiro Bolsonaro até os "nacionalistas" nominais como o mexicano Andrés Manuel Lopez Obrador e o recém-eleito presidente da Bolívia, Luís Arce.

A vitória eleitoral de Arce já havia sido aproveitada pelo Izquierda Diario como um pretexto para o alinhamento com os democratas, com a alegação de que: "Esta derrota da direita continental poderia ser ampliada se, como tudo indica, Trump perder as eleições de 3 de novembro". Na mesma linha, seu editor brasileiro, André Barbieri, escreveu outro endosso de Biden, no qual declarou que a derrota de Trump "seria um curto circuito no andamento da corrente de extrema direita a nível internacional".

Apenas uma dúzia de dias foram suficientes para provar o caráter traidor de tal afirmação, com o presidente norte-americano usando os recursos do mais poderoso dos Estados imperialistas para construir um movimento fascista, e os democratas e todos os seus apoiadores, o Izquierda Diario entre eles, encobrindo o perigo mortal desses esforços.

Na medida em que o Izquierda Diario vê como necessária qualquer crítica à campanha de Biden, é por não ter logrado dividir ainda mais a classe trabalhadora norte-americana segundo linhas raciais e de gênero, mesmo que a narrativa das políticas identitárias tenha sido explodida pelas eleições.

O conselho dos morenistas aos democratas é que dobrem a aposta nessas políticas. Um artigo de 6 de novembro no Left Voice, de dois de seus membros integrados à DSA, Tatiana Cozzarelli e Ezra Brain, afirma que o foco insuficiente de Biden nas questões raciais foi "um erro na estratégia de campanha; Biden poderia ter se dirigido mais aos negros".

Como exemplo do que os morenistas recomendam a Biden, eles citam as políticas defendidas pelos "progressistas", precisamente os principais representantes do apelo às políticas identitárias no Partido Democrata, como o chamado "Squad" da Câmara dos Representantes, cuja líder Alexandria Ocasio-Cortez fez tudo ao seu alcance para retratar o próprio Biden como um "progressista".

Os morenistas descartam a ameaça representada pela tentativa de golpe de Trump, enquanto promovem ilusões em um governo dos EUA liderado por Joe Biden, que, se ele assumir o cargo, provará ser o mais direitista e militarista da história dos EUA. Refratado pelas lentes das eleições americanas, o papel desempenhado pela tendência morenista na Argentina, no Brasil e internacionalmente é revelado. Trata-se de subordinar a classe trabalhadora à ordem capitalista atual e ao establishment político em cada país.

A luta para construir uma direção internacionalista revolucionária da classe trabalhadora na América Latina e internacionalmente só pode prosseguir através de uma luta implacável para expor e derrotar tais tendências.

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