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Vídeo de execução policial causa indignação massiva nas Filipinas

Publicado originalmente em 22 de dezembro

No domingo à noite, um agente da polícia fora de serviço na área rural das Filipinas executou em público uma mulher desarmada e seu filho, dando um tiro à queima-roupa na cabeça de cada um deles, e disparando em seguida contra os seus corpos caídos no chão. O assassinato brutal foi inteiramente registrado pelo celular de um dos espectadores e publicado na internet. Em menos de uma hora, o vídeo viralizou, e, na manhã seguinte, o país estava tomado por um surto de indignação contra os assassinatos policiais.

Imagens do incidente [trecho do vídeo no Twitter]

É semana de Natal e as aldeias provinciais de todas as Filipinas brilham sob as luzes coloridas das lanternas de parol ficam cheias de gente com o regresso dos trabalhadores que vivem em Manila e retornam para as férias. Os disparos ocorreram em Paniqui, Tarlac, uma cidade de cultivo de arroz no extremo norte de Central Luzon, cerca de quatro horas a norte de Manila.

Sonya Gregorio, de 52 anos de idade, e seu filho, Frank Anthony, de 25, estavam reunidos com amigos num gramado entre as casas de bloco inacabadas, construídas umas ao lado das outras nas bordas de um arrozal. Frank Anthony e os vizinhos lançavam boga, um fogo de artifício improvisado construído a partir de tubos de pvc.

Jonel Nuezca, um sargento-mor da polícia do município de Paranaque, em Metro Manila, que estava de visita em Paniqui durante suas férias, chegou com o seu revólver de serviço no cinto e com sua filha de 13 anos ao lado e abordou a família. A discussão começou por causa do barulho da boga, mas rapidamente se transformou numa disputa sobre a propriedade e o direito de passagem. Brigas acaloradas em torno do direito de propriedade são comuns nas zonas rurais das Filipinas, onde muitas vezes só existe uma rua e os terrenos e casas se aglomeram em busca deste acesso.

O que é descrito a seguir está documentado nas gravações brutais do assassinato.

Nuezca ameaçou Frank Anthony verbal e fisicamente, sacando sua arma e declarando que iria o prender. Ele não possuía um mandado, nem acusações, nem estava de serviço. No clima de violência policial generalizada criado pelo governo Duterte, ser levado por um agente da polícia poderia facilmente significar uma sentença de morte. Se um agente da polícia disparar contra alguém que alegadamente resistiu, "nanlaban", as acusações contra o policial são imediatamente retiradas.

Sonya Gregorio agarrou-se ao seu filho, enrolando os braços em volta do seu peito, tentando desesperadamente protegê-lo do policial que o arrastava pelos braços. Os vizinhos e as crianças reunidas gritavam de medo e raiva, impotentes. O que eles poderiam fazer? Chamar a polícia?

A filha de Nuezca ameaçou a mãe, dizendo-lhe: "O meu pai é um policial". "Não quero saber", respondeu Sonya Gregorio. Nuezca atirou na cabeça de Gregorio à queima-roupa, depois em seu filho, e depois disparou contra os seus corpos caídos no chão. "Missão cumprida", disse ele, colocando o braço no ombro da filha enquanto deixavam o local.

Nuezca conduziu sua motocicleta até um departamento vizinho da polícia em Rosales, Pangasinan, onde se entregou. Não há dúvida de que ele esperava impunidade, a mesma impunidade generalizada frente a acusações criminais que foi estendida à polícia em todo o país durante os últimos quatro anos. Ele não tinha calculado que o vídeo do seu crime ficaria famoso e desencadearia uma tempestade de protestos.

O que o vídeo explícito documentou não foi um acontecimento excepcional, mas a realidade cotidiana dominada pela violência policial gerada pela chamada guerra às drogas do governo Duterte. Todos os dias, nos últimos quatro anos, são feitas dezenas de vítimas de assassinatos de policiais e vigilantes. Três ou quatro outras mortes desse tipo foram relatadas no mesmo domingo do duplo homicídio em Paniqui.

À medida que o vídeo do homicídio viralizava, centenas de milhares de posts furiosos circulavam nas redes sociais com #StopTheKillingsPH (Parem os Assassinatos nas Filipinas) e hashtags semelhantes. Um número significativo de posts exigia que a polícia fosse totalmente abolida.

Reconhecendo a revolta generalizada, o governo distanciou-se de Nuezca, referindo-se às suas ações como um crime e um "incidente isolado". Na segunda-feira à noite, procurando conter a crescente indignação, Duterte fez um discurso não programado à nação, no qual afirmou que Nuezca era "louco".

O assassinato de Sonya e Frank Anthony Gregorio não foi um "incidente isolado". Nuezca, como rapidamente foi revelado, tinha cometido vários homicídios anteriores, dois em 2019. Fora acusado de má conduta por ter recusado testes de drogas e recusado comparecer em tribunal. Todas as acusações haviam sido retiradas. O seu caso é representativo do clima de impunidade criado por Duterte .

Duterte fez inúmeros discursos nos quais disse publicamente à polícia que, se os suspeitos resistirem, "disparem". "Eu os protegerei", declarou repetidamente. Desde que tomou posse, mais de 8.000 pessoas foram mortas pela polícia e mais de 20.000 foram mortas por vigilantes. Ele está presidindo uma guerra contra os pobres e a população trabalhadora de proporções genocidas.

Na semana passada, o Tribunal Penal Internacional (TPI) anunciou que sua investigação preliminar sobre a condução da guerra às drogas nas Filipinas tinha revelado provas de "crimes contra a humanidade" pelo governo Duterte, incluindo assassinatos em massa e tortura. A investigação seria ampliada até 2021, declararam.

Debold Sinas, chefe da Polícia Nacional das Filipinas, emitiu uma declaração condenando Nuezca. Mas, em seguida, avisou o público que no futuro ninguém deveria gravar ou fotografar a atividade policial.

A indignação em massa com os assassinatos em Paniqui, e os apelos generalizados pelo fim das execuções policiais, derrubam a mentira perniciosa espalhada na mídia de que a "guerra às drogas" de Duterte é "extremamente popular". Essa afirmação tão repetida, difundida nos meios de comunicação internacionais, baseia-se em pesquisas com a população que relatam simultaneamente que 8 em cada 10 filipinos temem pelas suas vidas e pelas vidas dos seus entes queridos em decorrência dos assassinatos policiais. O país está tomado por um clima de medo, e não de aprovação às políticas fascistoides de Duterte.

O apoio a essas políticas limita-se às elites no poder, que veem na repressão autoritária uma defesa dos seus interesses de propriedade contra a ameaça de agitação da classe trabalhadora. Eles estão reabilitando todo o antigo aparato da ditadura da era Marcos. Na cidade de Paniqui, onde Sonya e Frank Anthony Gregorio foram assassinados, uma estátua de Ferdinand Marcos, o ditador brutal e odiado, foi erguida no centro da praça da cidade.

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