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Partido dos Trabalhadores e pseudoesquerdas usam disputas na vacinação contra COVID-19 para encobrir política de imunidade de rebanho

Publicado originalmente em 29 de janeiro de 2021

Apenas 10 dias após iniciar seu esperado programa de vacinação COVID-19, o Brasil já enfrenta escassez de vacinas, com os governos locais anunciando a decisão de adiar a administração da segunda dose, a fim de maximizar o número daqueles cobertos pela primeira dose.

Os atrasos na vacinação foram registrados em todo o mundo, expondo as previsões anteriores dos governos de uma rápida distribuição de vacinas como mais uma tentativa de atrair a classe trabalhadora a aceitar as políticas de imunidade do rebanho da classe dominante. No Brasil, os atrasos têm sido explicados por líderes do Congresso e pela imprensa corporativa quase exclusivamente por uma retaliação das autoridades chinesas e indianas contra a diplomacia pró-EUA levada a cabo pela administração do presidente fascistóide Jair Bolsonaro.

Trabajadores en un cementerio cargan el ataúd de Bruno Correia, cuya familia dice que falleció de COVID-19, cementerio Campo de Esperanza, barrio Taguatinga, Brasilia, Brasil, 17 de julio de 2020 (AP Photo/Eraldo Peres)

A suposição amplamente sustentada pelos conselhos editoriais é que tanto a China quanto a Índia, responsáveis por uma vasta proporção da fabricação mundial de produtos farmacêuticos, estavam deliberadamente atrasando o embarque de vacinas e insumos de vacinas para o Brasil.

Os atrasos nos envios foram conhecidos um dia depois que a agência reguladora de medicamentos do país, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), deu aprovação emergencial para duas vacinas em uma reunião extraordinária no domingo, 17 de janeiro, transmitida ao vivo pelas principais redes de notícias a cabo. A Anvisa concedeu autorização de uso emergencial para duas vacinas com produção programada no Brasil ligada a uma transferência tecnológica: a CoronaVac, uma vacina tradicional baseada em vírus inativado projetada pelo Sinovac Biotech, com sede na China, e a vacina Oxford-AstraZeneca.

A CoronaVac já estava em produção no estado de São Paulo, sendo financiada pelas autoridades locais, e foi a primeira a estar disponível no país, com seis milhões de doses sendo enviadas de São Paulo para os demais estados após a reunião da Anvisa. Entretanto, na segunda-feira, 18 de janeiro, o laboratório federal Fiocruz, responsável pelos testes e produção da vacina Oxford-AstraZeneca, tornou público que sua produção ainda aguardava insumos da China que já deveriam estar em sua posse, de acordo com o contrato com a empresa farmacêutica. Pouco tempo depois, o governo de São Paulo declarou que as exportações de insumos para a produção da CoronaVac também estavam enfrentando atrasos não explicados.

O governo Bolsonaro voltou-se imediatamente para a Índia, liderada pelo primeiro-ministro de extrema-direita Narendra Modi, visto como um aliado chave na aliança anti-China patrocinada pelo imperialismo americano e retratado pelo governo brasileiro como um aliado próximo do próprio Bolsonaro. A Índia, um grande produtor da vacina Oxford-AstraZeneca, não deu nenhuma garantia imediata de resgatar a administração Bolsonaro, enviando mais tarde apenas dois milhões de doses ao Brasil.

As remessas chinesas foram liberadas depois que o embaixador chinês falou em ocasiões separadas com uma série de autoridades, incluindo o Presidente da Câmara Rodrigo Maia e ministros vinculados a importantes setores empresariais com alta dependência das exportações para a China, como a Ministra da Agricultura, Tereza Cristina.

Embora nenhuma fonte oficial tenha confirmado a retaliação seja da Índia ou da China, uma reportagem de 27 de janeiro de Afonso Benites no El País revelou que a diminuição das críticas aos fornecedores chineses de equipamentos 5G, principalmente a Huawei, pela administração Bolsonaro, foi uma das condições para a liberação das exportações de vacinas.

Espera-se que a Huawei ganhe contratos importantes para a infra-estrutura 5G a ser leiloada no Brasil no final deste ano. No entanto, ela enfrenta a ameaça de um banimento liderada pela administração Trump, com base na suposição infundada de que seus produtos são propositalmente vulneráveis ou mesmo totalmente integrados à infra-estrutura de espionagem da China.

No caso da Índia, o correspondente veterano em Genebra Jamil Chade relatou que as autoridades indianas responsabilizaram explicitamente a posição dominante entre os governos imperialistas e apoiada pelo Brasil em oposição à abolição dos direitos de propriedade intelectual sobre as vacinas, defendida pela Índia, pela escassez mundial de vacinas.

A resolução aparentemente da crise, com a mobilização frenética dos elementos considerados "moderados" e pragmáticos dentro do governo e do Congresso, não impediu que o principal jornal conservador do país, o Estado de S. Paulo, pedisse pela primeira vez o impeachment de Bolsonaro. Dois dias depois, o pedido foi seguido por um aceno positivo à sua remoção por seu principal rival "progressista", a Folha de S. Paulo.

Ambos os jornais, que repetidamente pediram a renúncia de Bolsonaro em favor de seu vice-presidente, reagiram fortemente à crise em seus editoriais. Eles haviam reagido ao apoio de Bolsonaro ao golpe fascista de 6 de janeiro em Washington D.C. com soporíferos sobre os "pesos e contrapesos" da democracia brasileira. Eles consideraram intolerável que Bolsonaro tenha conduzido o Brasil a uma crise diplomática com seu principal parceiro comercial, a China, sem ter uma retaguarda política depois de ser frustrado em seu giro pró-EUA após a derrota eleitoral de Trump.

O Estado de S. Paulo declarou em editorial: "O mais inepto presidente da história pátria só se segura no cargo, do qual jamais esteve à altura, porque ainda não foram reunidas as condições políticas para seu afastamento constitucional".

Mas o jornal também deixou claro que a classe dominante brasileira se encontra em um beco sem saída.

"Essas condições políticas dependem majoritariamente de um entendimento não em relação aos muitos crimes de responsabilidade que Bolsonaro já cometeu, hoje mais que suficientes para um robusto processo de impeachment, e sim em relação ao projeto de país que se pretende articular para substituir o populismo raivoso do bolsonarismo".

Dois dias depois, a Folha declarou em um editorial com sua covardia típica: "Para esta Folha, o impeachment é recurso extremo, vagaroso e sempre traumático. Infelizmente não há como ignorar, todavia, a conduta indigna de Bolsonaro, nem os quase 60 pedidos de abertura de processo que aguardam decisão já tardia".

No mesmo dia, o Estado deu um tom de urgência em seu chamado de impeachment com especial enfoque nas relações diplomáticas, afirmando: "A permanência de Jair Bolsonaro na Presidência inviabiliza a recuperação da imagem do País e a retomada dos contatos produtivos e pacíficos com todas as nações".

Na última quinta-feira, em um movimento sem precedentes que expôs uma crise crescente dentro do governo, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que o governo poderia demitir o Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Um bolsonarista fanático, ultradireitista e anti-chinês, ele foi elogiado pelo Secretário de Estado de Trump, Mike Pompeo, dois dias antes do putsch de Washington com um tweet: "Não há Ministro das Relações Exteriores mais amante da liberdade do que você. Você, eu, a liberdade. O jogo continua". A cabeça de Araújo é vista como o sinal mais forte que poderia ser enviado às autoridades chinesas de uma mudança de rumo por parte do governo brasileiro.

Em mais um sinal das negociações em curso no Congresso, ontem Mourão demitiu um assessor que teve mensagens vazadas, nas quais discutia com um assessor parlamentar a necessidade de "estar preparado" para um impeachment, deixando implícita a necessidade de articular o apoio a uma administração tampão do vice-presidente.

De forma mais significativa, o principal partido de oposição no Congresso, o Partido dos Trabalhadores (PT), reagiu imediatamente à crise tentando resolver o conflito delineado pelo Estado em relação às divisões que se seguiriam ao impeachment de Bolsonaro. O ex-Ministro da Casa Civil do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, José Dirceu, disse ao site Poder360 que "nossa tarefa é transformar o impeachment em um movimento popular", ou seja, fornecer uma cobertura "democrática" para as negociatas ocultas em Brasília e para as forças de direita que disputam o poder do Estado.

No sábado, os sindicatos controlados pelo PT organizaram pequenas carreatas em 30 cidades. Em São Paulo, a carreata foi liderada por Guilherme Boulos, do pseudoesquerdista Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que levou o partido a um avanço eleitoral inédito na eleição à prefeitura de São Paulo em 2020, ficando em segundo lugar com 41% dos votos.

Tentando dar uma cobertura de esquerda aos conflitos expressos pela imprensa corporativa, Boulos declarou que "estava chegando o dia" da remoção de Bolsonaro. No domingo, realizaram suas próprias manifestações os movimentos de extrema-direita que haviam liderado manifestações em 2015 e 2016 apelando aos militares e até mesmo a Donald Trump para "resgatar" o Brasil do governo PT.

Estas divisões na classe dominante estão surgindo à medida que o país registra a maior média móvel de mortes por COVID-19 desde julho, 1.055 mortes por dia, juntamente com mais de 51.000 novos casos por dia. O Brasil já registrou mais de 221.000 mortes por COVID-19 e 9,1 milhões de casos, estando atrás somente dos Estados Unidos no número de mortos.

O país também está caminhando para enfrentar seu pior momento na pandemia até agora, enquanto o norte do país enfrenta um terrível colapso de seu sistema de saúde, com pacientes morrendo por falta de oxigênio nas UTIs e médicos relatando a necessidade de administrar morfina aos que sufocam para aliviar sua dor antes da morte.

O Ministro da Saúde, General Eduardo Pazuello, foi enviado para a capital amazônica de Manaus, o epicentro da crise, no sábado, 23 de janeiro. Dois dias depois, o Ministro Ricardo Lewandowski autorizou a Procuradoria Geral da República a investigar Pazuello por ignorar as repetidas advertências das autoridades estaduais de que o estoque de oxigênio da cidade estava se esgotando.

Na sexta-feira, Pazuello declarou que nada menos que 1.500 pacientes teriam que ser evacuados da cidade de dois milhões de habitantes, que é isolada do resto do país pela selva amazônica. As transferências certamente espalharão para o resto do país uma nova cepa do vírus recentemente identificada, que compartilha muitas das características genéticas das variantes inglesa e sul-africana, que acredita-se que sejam mais contagiosas do que a original.

O apoio ao impeachment cresceu a ponto de incluir a maioria da população pela primeira vez desde o auge da pandemia em maio, sem dúvida em reação ao fracasso da vacinação e à indiferença do governo em relação ao sofrimento em Manaus. Mas a retórica pomposa relacionada a esse fracasso nos círculos governantes é apenas uma cobertura para sua unidade fundamental em torno da política de imunidade de rebanho.

Todas as facções da classe dominante que se opõem a Bolsonaro - assim como seus acólitos pequeno-burgueses como Boulos, o PSOL e os líderes sindicais - afirmam que sua oposição é motivada pela forma criminosa e sádica como Bolsonaro lidou com a pandemia

No entanto, nenhum de seus representantes menciona a única medida urgente capaz de evitar a horrível tragédia que se desenrola no Brasil: o fechamento total de setores não essenciais da economia, com total compensação da renda dos trabalhadores e pequenos negócios arruinados.

Nada torna tal unidade mais clara do que a exigência corporativista do sindicato dos professores de São Paulo, controlado pelo PT, a APEOESP, de que os professores sejam vacinados antes da reabertura das escolas prevista para 8 de fevereiro. Embora o sindicato finja preocupação com a saúde dos professores, ele não se opõe ao objetivo essencial da reabertura das escolas, ou seja, facilitar uma reabertura mortal da economia em nome dos lucros capitalistas que estão sendo prejudicados por restrições limitadas ainda em vigor.

Não há uma única facção da classe dominante ou da autoproclamada oposição e seus apoiadores na pseudo-esquerda dispostos a levantar essa demanda. Os morenistas do Esquerda Diário, que recentemente redobraram sua defesa de falsas curas para a COVID-19 como a hidroxicloroquina, publicaram um editorial em resposta à crise política brasileira intitulado "Contra Bolsonaro e Doria, batalhemos pela disponibilização universal da vacina". Ele simplesmente repete, com frases aparentemente radicais, as críticas da imprensa corporativa sobre o fracasso da vacinação sem nunca mencionar a paralisação da produção.

Parar a carnificina da pandemia da COVID-19 causada pelas políticas de imunidade de rebanho da classe dominante exige a organização dos trabalhadores em comitês de base independentes dos sindicatos numa luta consciente contra o sistema falido e homicida que coloca os lucros acima das vidas humanas.

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