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Professores de São Paulo continuam greve contra reabertura assassina de escolas apesar de sabotagem da APEOESP

Os professores aprovaram no último sábado, 27 de fevereiro, a continuação da greve contra a reabertura assassina das escolas da rede pública estadual de São Paulo, o estado com o maior número de casos e mortes por COVID-19 no Brasil. Essa decisão, tirada em quatro assembleias virtuais, aconteceu depois de o país ter registrado a maior média de mortos desde o início da pandemia do coronavírus.

Apesar das implicações mortais da reabertura de escolas em meio a essa nova escalada da pandemia e com a ameaça iminente de um colapso nacional do sistema único de saúde, os grupos políticos que atuam na diretoria executiva da APEOESP – o Partido dos Trabalhadores (PT), o maoísta Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e as várias tendências do pseudoesquerdista Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) – continuam sabotando a greve dos professores.

A greve foi iniciada em 8 de fevereiro, quando as escolas reabriram parcialmente para o início do ano letivo de 2021. Desde então, as várias tendências do PSOL, principalmente a morenista Resistência, têm feito de tudo para acabar com a greve, enquanto o PT e o PCdoB têm defendido a priorização de professores na vacinação contra o coronavírus e que a greve se limite aos professores que não fazem parte do grupo de risco da COVID-19 e devem ir às escolas.

Maria Teresa, a primeira professora vítima da COVID-19 depois da reabertura de escolas em São Paulo. (Crédito: Facebook)

A “greve sanitária”, como estão chamando, ainda pressupõe que os professores continuem realizando o trabalho remoto como seus alunos. No único balanço oficial sobre a participação dos professores na “greve sanitária”, a APEOESP informou que 15% dos 170 mil professores não haviam ido às escolas no primeiro dia de volta às aulas.

Desde o seu início, a “greve sanitária” está sendo atacada frontalmente pelas ações do governador direitista João Doria (PSDB), que tem cortado o salário dos professores em greve. Na semana passada, houve relatos de professores em “greve sanitária” que foram removidos do “Google Classroom” por diretores de escolas, impedindo que realizassem as aulas remotas, e de professores temporários em greve que tiveram seus contratos de trabalho suspensos.

A “greve sanitária” também está sendo minada pelas próprias ações da diretoria executiva do sindicato. Uma semana depois do início da greve, em 12 de fevereiro, ela apresentou uma proposta nas assembleias virtuais que pedia aos professores em “greve sanitária” para voltar às escolas e “assinar o ponto” para “dialogar” com a comunidade escolar.

Isso, na prática, significava o fim da greve. Essa proposta, que foi aprovada pelos professores que participaram das assembleias virtuais em meio a um esforço deliberado da diretoria executiva para semear confusão, colocou a diretoria executiva, na prática, ao lado do governador Doria em seu esforço para reabrir escolas.

Segundo a página Movimento Escolas em Luto, “Quem está no chão da escola, sabe que é praticamente impossível seguir os protocolos exigidos”. (Crédito: Movimento Escolas sem Luto/Facebook)

A APEOESP também tem feito tudo para subordinar a luta dos professores contra a reabertura de escolas à justiça capitalista. O sindicato tem orientado que os professores em “greve sanitária” protocolem um requerimento na escola solicitando que cumpram sua jornada de trabalho remotamente, e, caso seja indeferido – como de fato está acontecendo –, ingressem na justiça com um mandado de segurança. Essa mesma justiça, trabalhando em estreito contato com o governo do estado, reverteu no final de janeiro uma decisão de primeira instância que havia impedido a reabertura de escolas com a pandemia se agravando em São Paulo.

Esse mesmo roteiro traidor foi seguido pelos grupos que controlam a diretoria executiva da APEOESP nas últimas assembleias virtuais regionalizadas, realizadas na tarde de sábado. Na assembleia virtual da região da Grande São Paulo, o membro do PSOL e da diretoria executiva, Stenio Matheus, defendeu o fim da greve sem fazer uma única referência à gravidade da pandemia em São Paulo. Ignorando o longo histórico de traições da APEOESP que destruiu a credibilidade do sindicato entre a base de professores, ele também responsabilizou os professores pela baixa participação na greve.

Para os membros da diretoria executiva que lembraram da gravidade da pandemia, isso não passou de palavras vazias. Richard Araújo, da morenista Resistência, defendeu a necessidade de um “lockdown geral” em São Paulo e em todo o Brasil. Porém, ponderou dizendo: “Agora, como a gente vai fazer essa luta, essa é a grande questão... A melhor forma de reorganizar a tropa para a guerra que a gente está travando é suspendendo a greve.” Desde a primeira assembleia virtual, a Resistência se colocou contra a greve, e seu site, Esquerda Online, publicou apenas um artigo sobre a greve dos professores de São Paulo.

Os professores de base têm manifestado uma posição de princípio contra essas manobras da direção executiva do sindicato. No chat, eles responderam à proposta de suspender a greve escrevendo: “já era perigoso estar na escola [há um mês], imagina encerrar a greve agora no auge de contaminações e mortes por COVID, e hospitais sem vagas!!!”; “Esse pessoal continua medindo essa greve pelo número baixo, e não pela vida, que foi e é motivo principal dela existir”; “Que tática é essa de fazer professores grevistas retornarem para dentro da sala de aula? [Isso] não ajudará nada a aumentar a greve. Só favorecerá a contaminação e mortes de mais professores.”

Um professor ainda lembrou que existe uma “greve [que] está forte, a realizada pelas mães, pais e responsáveis que não estão enviando os alunos às escolas. Isso impulsionado por nossa luta pela defesa da vida.” Desde o primeiro dia de reabertura de escolas, a APEOESP tem reportado que a participação dos alunos, que é optativa, tem sido inferior a 5%, um número bem abaixo dos 35% esperados pelo governo.

Depois de um mês de reabertura parcial de escolas em São Paulo, o número de casos e mortes por COVID-19 vem aumentando entre a comunidade escolar. Até domingo, a APEOESP havia registrado 1.489 casos de coronavírus entre os professores em 726 escolas, com 22 professores mortos pela COVID-19. A primeira professora vítima da doença, Maria Tereza Miguel Couto de Lourenço, tinha apenas 32 anos e faleceu em 20 de fevereiro, dois dias depois de sua mãe morrer devido à COVID-19.

A reabertura de escolas em São Paulo também levou a um aumento de casos e mortes por coronavírus de crianças. Em meados de fevereiro, a Folha de S. Paulo informou “que hospitais públicos infantis registraram aumento de internações por COVID-19”. O secretário de saúde da terceira maior cidades de São Paulo, Campinas, com mais de 1 milhão de habitantes, informou na semana passada um aumento de internações de crianças e adolescentes. Já foi registrada a morte por COVID-19 de uma criança de 13 anos na cidade.

Depois de Campinas ter registrado 100% dos leitos de UTIs ocupados em hospitais públicos na semana passada, ela adiou a volta às aulas da rede pública municipal de 5 de março para o começo de abril. Esse exemplo também tem sido seguido por muitas outras cidades. Uma reportagem do G1 mostrou que, até quinta-feira passada, onze cidades da Região Metropolitana de São Paulo foram forçadas a adiar a volta às aulas das redes públicas municipal e estadual para meados de março. Entre essas cidades estão as maiores do estado fora a capital, São Paulo: Guarulhos, São Bernardo, Santo André e Osasco, todas com mais de 650 mil habitantes.

Essas decisões de manter as escolas fechadas acontecem no momento mais crítico da pandemia em São Paulo e no Brasil. Na quinta-feira passada, o Brasil registrou o maior número de mortes em 24 horas desde o início da pandemia – 1.582. Apenas em São Paulo, foram 345 mortes. Já são 38 dias com a média móvel diária acima de mil óbitos por dia, o maior período desde o início da pandemia.

No domingo, o Brasil tinha mais de 10,5 milhões de casos e de 254 mil mortes por COVID-19. É o país do mundo com o terceiro maior número de casos de coronavírus e o segundo em mortes.

Na última semana, essa situação dramática da pandemia se refletiu no enorme aumento de ocupação de leitos de UTIs do sistema único de saúde, que atingiu também a maior taxa de ocupação desde o início da pandemia. Segundo a FIOCRUZ, pelo menos 12 dos 26 estados brasileiros atingiram na última sexta-feira 96% de ocupação das UTIs, e 17 capitais estão com uma ocupação de UTIs superior a 80%.

Diante desse cenário, 12 estados voltaram reforçar medidas para conter propagação do vírus. Porém, muitos especialistas têm defendido medidas mais duras. Miguel Nicolelis, um dos mais destacados cientistas brasileiros, disse em entrevista a O Globo na última sexta-feira que o Brasil precisa de um “lockdown nacional imediato de 21 dias”, caso contrário há uma “grande chance de colapso nacional [da saúde]”.

Em poucos lugares no Brasil a divergência entre o que a ciência diz o que deve ser feito para combater a pandemia e a ação de governadores que se alinham à política de imunidade de rebanho do presidente fascista Jair Bolsonaro é tão clara quanto em São Paulo, o estado mais rico e centro financeiro do país.

Depois de a semana passada ter apresentado quatro dias seguidos de recordes de ocupação de leitos de UTIs, o médico Paulo Menezes, coordenador do comitê científico que orienta as ações do governo de São Paulo, alertou que o sistema de saúde do estado pode colapsar em três semanas. O UOL informou que os especialistas do comitê estão “cada vez mais descontentes com o governador” depois de defenderem um “lockdown por no mínimo e 10 dias” e Doria recusá-lo. A reportagem também informou que isso aconteceu pela pressão do “‘setor econômico’ do governo”, que não quer se “indispor com o comércio.”

Apesar dessa situação catastrófica, o secretário de educação de São Paulo, Rossieli Soares, escreveu em sua página do Facebook que “A educação paulista não sofrerá mudanças, as escolas seguirão abertas dentro do horário permitido.” Baseando-se na catastrófica “experiência europeia” de manter escolas abertas no ano passado, o governo de São Paulo passou a considerar a educação um serviço essencial em dezembro, permitindo que escolas reabram parcialmente mesmo com a pandemia se agravando.

Contra a política assassina de manter as escolas abertas do governo Doria, auxiliada e incentivada pela pseudoesquerda e a APEOESP, os professores das escolas estaduais de São Paulo devem formar comitês de base independentes do sindicato. Esses comitês são necessários para coordenar suas ações de greve em defesa da vida não apenas com toda a comunidade escolar, mas também com os professores municipais de São Paulo em greve e os de todo o Brasil e internacionalmente lutando contra a reabertura de escolas.

Esses comitês devem fazer um chamado o mais amplo possível para outras categorias da classe trabalhadora e lutar pelo fechamento imediato de escolas e de serviços não essenciais, com compensação financeira a todos os afetados.

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