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Piora da pandemia no Brasil: uma ameaça à humanidade

Publicado originalmente em 4 de março de 2021

Depois de ultrapassar o assombroso marco de 250 mil mortos e 10 milhões de casos COVID-19 na semana passada, o Brasil enfrentou um sério agravamento da pandemia nos últimos dias.

Esta semana, o país teve dois recordes seguidos de mortes diárias, com um total de 1.726 na terça-feira e 1.840 na quarta-feira. Após outros 1.699 óbitos serem notificados na quinta-feira, o total de mortes no Brasil chegou a 260.970. O país também registrou na quarta-feira o maior número de novas contaminações no planeta, 74.376 no total, que foi ainda maior no dia seguinte, passando de 75 mil.

Bolsonaro fala em reunião com membros da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), sexta-feira, 3 de julho. (Crédito: Marcos Corrêa/Planalto)

Com o Brasil rapidamente emergindo como o epicentro mundial da pandemia, a classe dominante e todos seus partidos políticos estão entrando em choque cada vez mais direto com as recomendações científicas de combate à pandemia.

As maiores autoridades científicas brasileiras apontam para os riscos catastróficos colocados pelo crescimento desenfreado do vírus no Brasil, não apenas à população local, mas a toda humanidade. Num artigo publicado pelo Guardian na quarta-feira, o neurocientista Miguel Nicolelis descreveu o Brasil como um “laboratório a céu aberto para o vírus proliferar-se e eventualmente criar mutações mais letais”. Ele completou: “Isso é uma questão para o mundo. É global”.

Este “laboratório a céu aberto” da política anticientífica de “imunidade de rebanho” promovida pela classe dominante já foi responsável pela geração de uma ameaçadora mutação do coronavírus no estado do Amazonas. Um novo estudo publicado na revista científica The Lancet sugere que essa variante brasileira, conhecida como P.1, “pode escapar de anticorpos neutralizantes induzidos por uma vacina de vírus inativado”, como é o caso da principal vacina sendo distribuída no Brasil, a Coronavac. O estudo também indica que a nova cepa é “capaz de escapar das respostas de anticorpos neutralizantes gerados por infecção prévia por Sars-CoV-2 e, portanto, a reinfecção pode ser plausível”.

Em outra entrevista, realizada pelo El País horas antes da divulgação do recorde de mortes da quarta-feira, Nicolelis fez um alerta grave: “A possibilidade de cruzar 2.000 óbitos diários nos próximos dias é absolutamente real. A possibilidade de cruzarmos 3.000 mortes diárias nas próximas semanas passou a ser real. Se você tiver 2.000 óbitos por dia em 90 dias, ou 3.000 óbitos por 90 dias, estamos falando de 180.000 a 270.000 pessoas mortas em três meses. Nós dobraríamos o número de óbitos. Isso já é um genocídio, só que ninguém ainda usou a palavra.” Diante desse prognóstico, Nicolelis argumenta que “é preciso decretar lockdown de pelo menos 21 dias e pagar um auxílio financeiro para que as pessoas fiquem em casa”.

O oponente mais aberto dessa política é o presidente fascistoide Jair Bolsonaro, que desde maio do ano passado decretou uma “guerra aos lockdowns”. Em resposta à escalada de mortes na última semana, Bolsonaro atacou a geração de “pânico” em torno da pandemia. “O problema está aí, lamentamos. Mas você não pode viver em pânico”, afirmou a seus apoiadores e à imprensa de extrema-direita na quarta-feira. “No que depender de mim, nunca teremos lockdown. Nunca”, completou.

Manifestando sua intenção de quebrar qualquer política de isolamento social que seja implementada no Brasil, o presidente tuitou na quinta-feira: “ATIVIDADE ESSENCIAL É TODA AQUELA NECESSÁRIA PARA UM CHEFE DE FAMÍLIA LEVAR O PÃO PARA DENTRO DE CASA!”. O verdadeiro sentido dessa declaração grotesca é: “atividade essencial é toda aquela necessária para a oligarquia financeira levar lucros exorbitantes para dentro de suas contas!”.

Apesar de Bolsonaro expressá-la mais descaradamente, essa política de assassinato social está sendo largamente adotada pelos governos de todo o Brasil. Em um artigo intitulado “Catarinenses são enviados para o ‘corredor da morte’ em nome da economia”, a jornalista Dagmara Spautz do NSC Total comparou a situação de seu estado, uma das mais drásticas no país, com o colapso da saúde em Bergamo, na Itália, em março do ano passado:

“Não há caminhões do exército carregando nossos mortos. Mas temos um exército de pessoas circulando de segunda a sexta, com poucas restrições e alto risco de contaminação. Enquanto isso, a fila de espera por leitos de UTI já chegou a 260 pessoas. ...

“Assim como na Itália, as entidades empresariais de Santa Catarina repudiam o lockdown, apontado pelos especialistas como a maneira mais eficaz de reduzir a pressão sobre o sistema de saúde. Os manifestos vieram do comércio, do transporte e até da indústria, que nunca parou em SC. ...

“Sem representação política e sem voz, catarinenses estão sendo enviados para o ‘corredor da morte’. Calados pela falta de ar, muitos jamais voltarão para casa. Mais tarde, assim como mostra o exemplo italiano, talvez só restem os pedidos de desculpas.”

Essa análise socialmente sensível é rara na imprensa, mas é um retrato preciso do que ocorre por todo o Brasil. Em São Paulo, o estado mais atingido pela COVID-19, que nesta segunda-feira reportou um recorde de 468 mortes num único dia, o governador João Doria do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) adotou uma política que difere apenas superficialmente da de Bolsonaro.

Embora tenha afirmado na quarta-feira que São Paulo está “à beira de um colapso na saúde” e que são necessárias “medidas urgentes, coletivas”, o governador decretou um fechamento parcial das atividades que libera, por exemplo, o funcionamento de igrejas e templos religiosos. E, mais importante, não retrocede um só centímetro em sua política criminosa de reabertura do maior sistema escolar de todo o Brasil.

O secretário da educação de São Paulo, Rossieli Soares, um fanático defensor da reabertura escolar, declarou esta semana que as “escolas devem estar a disposição dos que mais precisam”. Questionado pelo Estado de São Paulo sobre a quem se refere como “os que mais precisam”, respondeu: “É a família que vai decidir, se a família quer, a escola vai ter de oferecer”.

Nenhuma diferença política essencial é colocada pelos governos da autodeclarada oposição de esquerda a Bolsonaro, encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Até a semana passada, o anteriormente citado neurocientista Miguel Nicolelis ocupava o posto de coordenador do comitê científico do Consórcio do Nordeste. Dos nove governos que fazem parte do Consórcio, quatro são dirigidos pelo PT, dois pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e um pelo maoísta Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

Sem ter criticado abertamente os governos nordestinos, a saída de Nicolelis de seu comitê científico revelou o imenso abismo existente entre as políticas capitalistas por eles adotadas e as determinações da ciência. Isso foi ainda mais explicitado pelas medidas que tomaram frente ao avanço recente da COVID-19.

O governador do Piauí e também presidente do Consórcio do Nordeste, Wellington Dias do PT, anunciou esta semana que manterá medidas restritivas até o dia 15 de março. O boletim epidemiológico de quarta-feira da secretaria de Saúde do estado apontou um crescimento de 71% na média móvel de óbitos. Assim como o PSDB em São Paulo, Dias defendeu a manutenção das aulas presenciais no Piauí: “Escolas mantivemos porque percebemos que o número de adoecimento nas escolas foi considerado baixo e isso significa que o cumprimento das regras foi feito”.

Atitude semelhante foi tomada pelo governador do Ceará, Camilo Santana do PT, num estado que registrou em fevereiro o maior número de mortes por COVID-19 desde agosto do ano passado, 573 no total. Reformulando o texto de um decreto de fechamento das escolas do último 17 de fevereiro, o governo do Ceará definiu o atendimento presencial para crianças de zero a três anos como atividade essencial – com a clara intenção de garantir que os pais tenham um lugar para deixar seus filhos pequenos enquanto frequentam locais de trabalho potencialmente mortais.

O decorrer do último ano provou que nenhuma força ligada ao Estado capitalista oferece uma base genuína para uma política científica de combate à pandemia. A realização desta tarefa depende necessariamente de uma luta contra o capitalismo e seu reacionário sistema de Estados nacionais.

Como a pesquisadora Ester Sabino da Universidade de São Paulo, coordenadora do grupo responsável pelo mapeamento genômico da variante P.1 da COVID-19, corretamente declarou ao New York Times: “Você pode vacinar toda a sua população e controlar o problema apenas por um curto período se, em outro lugar do mundo, aparecer uma nova variante. Ela chegará em seu país um dia”.

Os alertas desses cientistas progressistas só encontrarão respostas efetivas por meio da intervenção da única força social capaz de transformar suas descobertas fundamentais em políticas concretas: a classe trabalhadora internacional, mobilizada com base num programa socialista de planificação racional da economia planetária.

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