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Argentina: morre ex-presidente Carlos Saúl Menem

Publicado originalmente em 2 de março de 2021

O ex-presidente argentino Carlos Menem morreu em 14 de fevereiro aos 90 anos. Sua saúde vinha se deteriorando significativamente desde junho de 2020, em decorrência de infecções bacterianas persistentes.

Amplamente odiado pelos trabalhadores argentinos por ter destruído empregos e condições de vida nos anos 1990, sua morte rendeu homenagens do presidente peronista Alberto Fernandez e da vice-presidente Cristina Fernandez Kirchner, assim como do ex-presidente de direita Mauricio Macri e outros líderes peronistas e do Partido Radical.

Posse de Carlos Menem em 1989

Apesar dos vários partidos e frentes que representam o pablismo, morenismo e guevarismo – como a pseudoesquerdista FIT e seus principais membros, o PTS (Partido dos Trabalhadores Socialista) e o PO (Partido Operário) – terem mantido distância desse espetáculo cínico, tampouco mencionaram o seu próprio papel de cumplicidade e traições políticas que pavimentaram o caminho de Menem ao poder e bloquearam consistentemente as lutas revolucionárias da classe trabalhadora.

O pablismo e sua variante argentina, o morenismo, foram fundados sobre uma rejeição nacionalista do marxismo revolucionário e uma ruptura categórica com o trotskismo e a Quarta Internacional. Ambos basearam-se na negação do papel revolucionário da classe trabalhadora, atribuindo a outras forças – a classe média, o campesinato, a burguesia nacional – a tarefa de combater o imperialismo e alcançar o socialismo.

Embora hoje tais forças condenem o governo Menem por suas políticas econômicas neoliberais e seu perdão aos líderes da ditadura militar responsáveis pelo sequestro, tortura e assassinato de trabalhadores e jovens de esquerda, não falam sobre a proposta de anistia geral que elas mesmo defenderam em 1980, nos anos de decadência da ditadura. Nem sobre seu apoio à Guerra das Malvinas, quando apelaram à classe trabalhadora para sustentar a guerra em nome do anti-imperialismo, da unidade nacional e uma chamada "revolução democrática", vendendo a ilusão de que ela levaria ao socialismo.

Apesar das diferenças táticas e políticas, os governos burgueses que conduziram a Argentina durante todo esse período histórico tinham um mesmo objetivo: estrangular o movimento revolucionário da classe trabalhadora.

Até o final dos anos 1970, nem os peronistas nem a junta militar (1976-1983) tinham sido capazes de conter totalmente a luta dos trabalhadores, apesar da repressão brutal por parte dos governantes militares.

Em 1981, numa tentativa desesperada de unir os argentinos através da guerra, os militares promoveram a invasão das Ilhas Malvinas (Falklands).

A derrota da guerra siginificou o fim do governo militar, seguido pela eleição do candidato do Partido Radical, Raul Alfonsín. Com o colapso do peso argentino e a hiperinflação, em setembro de 1988 havia uma revolta aberta da classe trabalhadora e Alfonsín foi forçado a convocar eleições antecipadas. A classe dominante voltou-se a Menem e os peronistas.

O governo Menem, a terceira série de governos peronistas na Argentina (1945-55, 1972-76 e 1989-99), foi uma resposta nacionalista corporativista e virulentamete antissocialista da classe dominante para reprimir os levantes da classe trabalhadora. Até hoje, o peronismo opera em estreita colaboração com as burocracias sindicais corporativistas e as correntes da pseudoesquerda para este mesmo fim.

Membro do Partido Peronista (Justicialista), Menem governou a Argentina entre 1989 e 1999. Menem, membro de uma família latifundiária na província andina de La Rioja, e governador direitista daquela região, apresentou-se nas eleições de 1988 como o "candidato dos pobres", um continuador das políticas nacionalistas e de bem-estar social dos primeiros anos do governo do general Juan Perón, no final da década de 1940 e início da década de 1950.

Em meio a uma crise da dívida pública e de hiperinflação, a implementação de tais medidas era impossível sob o capitalismo. Uma vez no poder, Menem adotou as políticas exigidas pelo Fundo Monetário Internacional e pelos abutres de Wall Street.

Demonstrando a continuidade de seu governo com as políticas da ditadura militar, em 1990, Menem nomeou Domingo Cavallo para seu gabinete. Cavallo tinha ocupado vários cargos sob a junta militar, incluindo o de presidente do Banco Central. Sua nomeação foi respondida no mesmo dia pela Bolsa de Valores de Buenos Aires com um salto de 30% no valor das ações. A nomeação de Cavallo também foi bem recebida pelo FMI e Wall Street. Cavallo continuou o trabalho econômico do regime militar, dando prosseguimento à privatização da economia e a imposição de um plano econômico neoliberal "made in Wall Street".

Em 1994, 90% das empresas estatais haviam sido privatizadas, e medidas brutais de austeridade levaram um terço de todos os argentinos abaixo da linha de pobreza. Além do desemprego massivo, o mercado de trabalho transfigurou-se com o crescimento do trabalho informal e jornadas de trabalho reduzidas.

A década de Menem foi caracterizada pela privatização de indústrias estatais, como a companhia petrolífera YPF, as companhias aéreas nacionais e o sistema de telecomunicações, bem como a eliminação de subsídios e impostos com o intuito de abrir o comércio exterior. Suas políticas, semelhantes às implementadas por Margaret Thatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos EUA, criaram uma onda de desemprego – oficialmente de 30,9% em 1996 (mais de 4 milhões de pessoas) – e cortes salariais. O sistema previdenciário nacional também foi privatizado, seguindo o modelo Pinochet no Chile, e o mercado de trabalho foi flexibilizado. Medidas de austeridade foram impostas para controlar a inflação, atacando ainda mais os empregos.

Além disso, a gestão Menem aliou-se ao imperialismo norte-americano, enviando forças militares argentinas para participar da primeira Guerra do Golfo Pérsico e facilitando a venda de armas para regimes de direita na América Latina. Ele também perdoou os acusados de tortura e assassinato durante a ditadura militar-fascista. Nisso, contou com o apoio da central sindical CGT, cujos dirigentes também estiveram implicados na formação dos esquadrões de morte direitistas nos anos 1970 e que ativamente reprimiram a luta de classes.

A classe trabalhadora rejeitou frontalmente as políticas de Menem com greves e protestos. Em 1993, ocorreu o "Santiagazo", um movimento de massas no qual funcionários públicos com salários atrasados na província mais pobre da Argentina incendiaram prédios governamentais e casas de uma série de dirigentes sindicais e políticos locais. A rebelião foi a faísca para um levante social com uma explosão de manifestações anti-governamentais, greves, ocupações de fábrica, bloqueios de rodovias, distribuição de refeições e outras formas de protesto, além das greves gerais já mencionadas. A revolta dos trabalhadores espalhou-se por todo o território nacional e foi enfrentada pelo governo Menem com brutal repressão policial.

O Santiagazo expôs a natureza direitista e pró-empresarial do governo Menem, e sua disposição de usar a repressão estatal para impor as políticas dos bancos e da burguesia financeira, aumentar a exploração, condições gerais de pobreza à classe trabalhadora e gerar um "exército de reserva" de trabalhadores descartáveis, à mercê dos interesses de lucro do grande capital, do FMI e de Wall Street.

As políticas de Menem traíram abertamente suas promessas de campanha à classe trabalhadora – de adotar as políticas econômicas nacionalistas da primeira presidência de Perón. Sua gestão continuou e completou o serviço da ditadura militar e do governo Alfonsín no contexto da crise mundial, da falência dos modelos anteriores de intervenção estatal (de substituição de importações e concessões à classe trabalhadora), e do colapso internacional dos modelos econômicos nacionalistas, incluindo, o mais significativo, a dissolução da União Soviética em 1991.

A crise econômica e social argentina ocorreu no contexto de uma crise capitalista global que incluiu a implosão da economia do México, a "crise da Tequila" de 1994, e a crise da moeda asiática de 1997.

A capacidade de Menem e da classe dominante de controlar a explosão da resistência da classe trabalhadora baseou-se fortemente no papel cumprido pelos sindicatos corporativistas alinhados ao peronismo, assim como pelas tendências stalinista, pablista e morenista.

Após uma década com Menem no poder – ele tentara alterar a constituição para ganhar um terceiro mandato – os peronistas sofreram uma derrota esmagadora nas urnas, refletindo o amplo descontentamento com o empobrecimento da maioria da população, a polarização social cada vez maior e o desemprego crescente que caracterizou a era Menem.

Ao final de sua presidência, 13 milhões de argentinos, de uma população de 27 milhões, foram classificados como pobres pelos próprios parâmetros governamentais, enquanto um estudo mostrou que os lucros das 500 empresas mais importantes da Argentina aumentaram em 69% entre 1993 e 1997.

O sucessor de Menem, o presidente Fernando De la Rúa do Partido Radical, governou por apenas dois anos e meio, impondo mais austeridade à classe trabalhadora e concentração da riqueza nas mãos de uma estreita oligarquia financeira, até ser derrubado por uma revolta de massas dos trabalhadores argentinos em dezembro de 2001, sendo forçado a fugir da Casa Rosada, o palácio presidencial argentino, a bordo de um helicóptero.

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