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Aumentos nos preços dos combustíveis no Brasil geram protestos de caminhoneiros e petroleiros

Publicado originalmente em 9 de março de 2021

Em 8 de março, a gigante petrolífera estatal brasileira Petrobras anunciou que aumentaria os preços da gasolina em 8,8%, e do diesel em 5,5%, a fim de alinhar os preços nacionais às tarifas internacionais. Foi a sexta vez, somente em 2021, que a empresa anunciou aumentos de preços.

Os aumentos de preços de 50% para a gasolina e 40% para o diesel desde o início do ano estão alimentando a crescente agitação social no Brasil e aprofundando a crise do governo do presidente fascistóide Jair Bolsonaro. Os aumentos de combustível têm como pano de fundo uma queda de 30% no valor da moeda nacional, o real, em relação ao dólar desde o início de 2020 - o sexto pior desempenho no mundo.

O aumento dos preços dos combustíveis também deve ter um efeito catastrófico sobre os preços dos alimentos em um país onde 82% das mercadorias são transportadas por rodovias. Os preços dos alimentos já haviam subido 14% em 2020, muito acima da taxa geral de inflação, que acelerou para 4,52% em 2020. Alimentos básicos subiram mais de 60%, dobrando em alguns casos, à medida que os grandes produtores optam por exportar a produção para aumentar os lucros. O arroz e o feijão, os alimentos mais básicos das famílias brasileiras, subiram mais de 70%. O óleo de cozinha, geralmente feito de soja, subiu 104%, e os preços da carne subiram em média 15% no último ano. Enquanto isso, o preço dos botijões de gás liquefeito de petróleo (GLP), utilizados pela maioria das famílias de classe trabalhadora no Brasil para cozinhar, subiu em média 10%.

Trabalhadores em greve na refinaria Landulpho Alves (RLAM), estado da Bahia, Brasil (Twitter)

As preocupações da classe dominante brasileira com a alta dos preços dos combustíveis, particularmente em meio à queda do real e aos grandes aumentos dos preços dos alimentos, são ilustradas por um relatório da Bloomberg de 28 de fevereiro intitulado "Os cinco principais lugares onde os preços dos alimentos estão deixando as pessoas preocupadas". Ele destacou o Brasil como um dos cinco países, juntamente com Rússia, Nigéria, Turquia e Índia, onde se espera que o aumento dos preços dos alimentos traga grande agitação social.

O aumento da inflação tem como pano de fundo uma taxa de desemprego geral de 14% e uma queda do PIB per capita de 4,8%, a maior do Brasil desde 1981, no auge das grandes lutas da classe trabalhadora que derrubaram a ditadura militar de 1964-1985, apoiada pelos EUA, constantemente elogiada por Bolsonaro.

Este cenário fez com que a popularidade de Bolsonaro caísse para seu nível mais baixo desde sua posse, para 28%, de acordo com uma pesquisa feita de 18 a 23 de fevereiro pelo Idec. Segundo o Idec, a pesquisa não foi capaz de avaliar a reação do público às últimas ações do governo Bolsonaro para promover sua política de imunidade de rebanho diante da pandemia da COVID-19.

O Brasil está enfrentando seu pior momento na pandemia até agora. Um grande aumento nos casos de COVID-19 levou o sistema de saúde à beira do colapso. O número diário de mortes registradas subiu para 1.910 na semana passada, com a média de sete dias sendo agora 30% maior do que durante o pico da primeira onda da pandemia em julho passado. Com mais de 260.000 mortes confirmadas por COVID-19, o Brasil está atrás somente dos EUA no número total de fatalidades.

Enquanto isso, Bolsonaro está incitando seus apoiadores a protestar contra qualquer restrição à atividade econômica e até mesmo o uso obrigatório de máscaras. Ele disse recentemente aos brasileiros que eles deveriam parar de "fazer mimimi" sobre as mortes em massa e voltar ao trabalho, chegando a gritar a um manifestante na rua que deveria ir procurar vacina "na casa da sua mãe".

O risco imediato sendo seguido de perto pelo governo é que os últimos aumentos no preço dos combustíveis poderiam desencadear um novo movimento por parte dos caminhoneiros, como a greve de um milhão de trabalhadores de 2018 que paralisou o país, dando origem a uma revolta muito mais ampla sobre a sua resposta criminosa à pandemia.

Em 18 de fevereiro, Kaique Vasconcellos, o líder da importante administradora de investimentos Helius Capital, disse ao diário econômico Valor que uma greve de caminhoneiros continua sendo uma "espada sobre a cabeça" do país. Entretanto, ele minimizou o risco de uma grande greve nas próximas semanas, declarando que a maioria das regiões do país está no meio de uma colheita tardia devido às poucas chuvas, e os caminhoneiros estão tentando recuperar as perdas do ano passado trabalhando horas extras.

Mas estas garantias são desmentidas pelo crescente número de protestos espontâneos e dispersos dos caminhoneiros, que já atingiram pelo menos sete estados na última semana, incluindo alguns dos principais centros do agronegócio, como Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais. O Valor informou em 1º de março que havia uma crescente atividade nos grupos WhatsApp de caminhoneiros, que foram o principal meio para a organização da greve de 2018, em oposição à liderança dos sindicatos.

Em pelo menos dois estados, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, motoristas da Uber foram à sede da empresa para exigir pagamentos mais altos para compensar os preços dos combustíveis. Ontem, em São Paulo, dezenas de trabalhadores de entregas de empresas como iFood fizeram uma manifestação pelas zonas oeste e norte com a mesma demanda.

De modo mais significativo, em várias ocasiões, os manifestantes se dirigiram às refinarias de petróleo. Sob pressão dos petroleiros, uma das federações nacionais de petroleiros, a FUP, convocou uma manifestação em 14 estados na última quinta-feira, na qual os trabalhadores venderam gasolina e botijões de GLP para trabalhadores do transporte abaixo dos preços de mercado.

No dia seguinte, a FUP anunciou que os trabalhadores das refinarias pertencentes à Petrobras entrariam em greve em seis estados contra os aumentos de carga de trabalho, das infecções da COVID-19 nas plantas e as privatizações programadas, que devem levar a um massacre de empregos.

O epicentro do movimento grevista é a refinaria Landulpho Alves (RLAM), a mais antiga do país, localizada no pólo petroquímico de Camaçari, no estado da Bahia. São 1.600 os trabalhadores da refinaria em greve. Camaçari está sofrendo uma crise social sem precedentes com o recente fechamento de uma fábrica da Ford, destruindo 4.600 empregos e cortando em 10% a receita da cidade. A refinaria RLAM foi vendida à Mubadala Capital, com sede em Abu Dhabi, como parte de um plano mais amplo da Petrobras para sair das atividades de refino e atrair capital privado para o negócio.

A FUP está fazendo tudo ao seu alcance para isolar as seis greves simultâneas, declarando abertamente que cada planta tem suas próprias pautas e rejeitando qualquer chamado de greve nacional. No entanto, a percepção de que a agitação social em massa poderia irromper devido à inflação dos preços dos alimentos, ao empobrecimento dos trabalhadores do transporte devido aos altos preços dos combustíveis e aos protestos dos petroleiros é evidente pela reação do governo Bolsonaro à crise.

Em uma ação inesperada na sexta-feira, 19 de fevereiro, após o fechamento da bolsa de valores, Bolsonaro tornou pública sua decisão de demitir o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, culpando a diretoria da empresa pela crise de combustível. O próprio Bolsonaro havia nomeado Castello Branco pouco depois de sua posse em 2019. Ele teria sido uma escolha pessoal do Ministro da Economia Paulo Guedes, um ultra-neoliberal formado em Chicago, vista como um sinal do compromisso da nova administração com os interesses do capital financeiro.

Para o lugar de Castello Branco foi indicado o General Joaquim Silva e Luna, ex-ministro da Defesa do Presidente Michel Temer, antecessor de Bolsonaro. Silva e Luna é um dos mais de 6.000 militares indicados por Bolsonaro para cargos na administração federal e empresas estatais, o maior número da história.

Na segunda-feira após a substituição do presidente da Petrobras, as ações da empresa caíram 20%, a segunda pior queda da história, derrubando a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) em 5%. Embora o entendimento convencional nos mercados financeiros seja que os estatutos da empresa não permitiriam que o governo federal interviesse em sua política de preços - usando seu caixa para compensar no curto prazo as altas de preços internacionais - estas garantias foram desmentidas pela renúncia coletiva dos membros do conselho nomeados pelo governo em 3 de março.

As demissões foram anunciadas por medo de que escritórios de advocacia sediados nos EUA, representando investidores em ações da Petrobras negociadas na Bolsa de Valores de Nova York, processassem a empresa e seu conselho. A ex-presidente da empresa sob a administração de Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), Graça Foster, e o ex-Ministro da Fazenda de Rousseff, Guido Mantega, foram acusados de improbidade administrativa por usarem o caixa da empresa para financiar atrasos no repasse dos aumentos do preço dos combustíveis no final do mandato de Rousseff.

Em parte como resultado da crise do aumento de combustível, investidores estrangeiros estão saindo da B3 a um ritmo seis vezes maior do que em 2020, quando o índice Ibovespa da B3 caiu 10%. Esse foi o pior desempenho desde 2015, o último ano completo da administração Rousseff e o primeiro ano da crise econômica que tem acometido o Brasil desde então.

Em uma tentativa de neutralizar a crise, um dia depois da queda das ações da Petrobras, Bolsonaro apresentou ao Congresso planos avançados para privatizar duas das mais visadas empresas públicas brasileiras, os Correios e a Eletrobrás, a maior geradora de energia elétrica da América Latina.

A reação da auto-proclamada oposição política liderada pelo Partido dos Trabalhadores a estes eventos foi nada menos do que politicamente criminosa. O ex-Ministro da Casa Civil de Rousseff, Aloizio Mercadante, presidente do instituto teórico do PT, a fundação Perseu Abramo, saudou a nomeação de Silva e Luna por ele ser um "militar nacionalista" e apelou para que o governo parasse com as privatizações. A FUP chamou a demissão de Castello Branco de uma "oportunidade" para a empresa “retomar seu papel de locomotiva do desenvolvimento econômico e social do país". O representante do sindicato na diretoria da empresa votou com o governo para iniciar o longo processo de nomeação de Silva e Luna.

Esta união em uma frente comum com Bolsonaro com base em interesses "nacionalistas" e "anti-neoliberais", expõe a principal preocupação por trás da retórica nacionalista e falsa oposição do PT a Bolsonaro: impedir que um movimento de massa contra o presidente fascistóide desafie a ordem capitalista no Brasil. O PT e os sindicatos procuram canalizar este movimento para frações insatisfeitas da classe dominante e dos próprios militares. No processo, fornecem uma cobertura nacionalista fraudulenta para Bolsonaro precisamente no momento em que a oposição da classe trabalhadora à política assassina de imunidade de rebanho do presidente fascistóide cresce rapidamente.

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