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Dezenas de intimados sob a Lei de Segurança Nacional do Brasil por chamar Bolsonaro de "genocida"

Publicado originalmente em 29 de março de 2021

Com a catástrofe descontrolada da COVID-19 no Brasil - atingindo uma média de 77.000 casos e 2.500 mortes por dia, e um total de 12,5 milhões de casos e 312.000 mortes - o governo do presidente fascistóide Jair Bolsonaro está rapidamente erguendo a estrutura de um estado policial.

Somente no último mês, mais de 30 indivíduos foram intimados sob a Lei de Segurança Nacional do país, uma draconiana legislação anti-subversão promulgada sob o último presidente da ditadura militar apoiada pelos EUA de 1964-1985 com o objetivo declarado de dar aos militares o controle sobre futuros governos civis.

Em 19 de março, o jornal conservador Estado de S. Paulo relatou que os dois primeiros anos do governo Bolsonaro haviam visto uma espantosa expansão de 285 por cento no uso da lei, com um total de 77 investigações sobre supostas violações da lei, diante de 20 durante os dois anos anteriores.

Jair Bolsonaro (Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil )

A recente onda repressiva começou em 4 de março, tendo como alvo João Reginaldo Jr., de 24 anos, por uma postagem em rede social relacionada a uma visita oficial presidencial a sua cidade, o pólo de agronegócios de Uberlândia, no estado de Minas Gerais. Reginaldo Jr. havia perguntado no Twitter se alguém queria se tornar um "herói nacional" durante a visita do presidente, sugerindo que alguma manifestação pública de oposição atrairia amplo apoio.

Refletindo a extrema sensibilidade do próprio Bolsonaro às condições sociais explosivas no Brasil, onde mais 22 milhões de pessoas foram jogadas na pobreza, o tweet foi tomado como uma ameaça à segurança nacional. A unidade de inteligência da Polícia Militar do estado de Minas Gerais levou Reginaldo Jr. sob custódia às 22h do mesmo dia, apenas seis horas após seu tweet, que recebeu 400 respostas, algumas delas sugerindo oposição violenta ao governo. Apesar do pequeno número de seguidores de Reginaldo Jr. - apenas 150 pessoas, sua postagem havia sido compartilhada 1.000 vezes. Na sede local da Polícia Federal, Reginaldo Jr. foi questionado sobre suas conexões com partidos políticos ou entidades estudantis, o que ele negou. Ele foi enviado para a prisão, sendo libertado somente no dia seguinte.

Até 18 de março, um grupo de advogados de Uberlândia que acompanha o caso já havia identificado 25 indivíduos, na sua maioria jovens, que haviam sido intimados em conexão com o caso sem qualquer conhecimento de possíveis crimes em que estivessem envolvidos, por simplesmente responderem ou replicarem a mensagem original de Reginaldo Jr..

Também em 18 de março, cinco ativistas do Partido dos Trabalhadores (PT) foram detidos na capital Brasília pela Polícia Militar e levados à sede da Polícia Federal acusados de violar a Lei de Segurança Nacional por associarem Bolsonaro ao nazismo e genocídio. Seu "crime" foi estender por apenas um minuto uma faixa com uma charge de Bolsonaro pintando uma suástica sobre a cruz vermelha de um hospital, com a palavra "genocida".

Manifestação fascista em frente à residência privada de Bolsonaro no Rio de Janeiro em 22 de março (YouTube)

A charge havia sido produzida pelo cartunista Aroeira em junho de 2020, no auge da primeira onda da pandemia no Brasil, e compartilhada nas redes sociais por Ricardo Noblat, um colunista do poderoso grupo de mídia Globo. Em 15 de junho, ambos foram acusados pelo Ministro da Justiça André Mendonça de acusar falsamente o presidente de se associar ao nazismo, o que em si é um crime sob a Lei de Segurança Nacional.

O delegado da Polícia Federal em Brasília acabou arquivando o caso contra os ativistas do PT depois que um grupo de deputados do partido acorreu à delegacia.

Em outro caso proeminente três dias antes, em 15 de março, uma personalidade do YouTube de 33 anos conhecida como Felipe Neto, cujos canais nas redes sociais ostentam mais de 41 milhões de seguidores, foi intimada com base em acusações similares pela divisão de crimes cibernéticos da polícia do estado do Rio de Janeiro. A polícia emitiu uma intimação contra ele por um “crime praticado contra a honra do presidente da República e previsto na Lei de Segurança Nacional”. A razão da acusação foi o uso repetido do termo "genocida" por Neto para se referir a Bolsonaro e seu tratamento sociopático da pandemia de coronavírus no Brasil.

Como foi revelado posteriormente, a acusação tinha sido formalizada por ninguém menos que o filho de Bolsonaro, Carlos, um vereador da cidade do Rio. A investigação foi suspensa três dias depois, em 18 de março, por uma juíza que decidiu que questões de segurança nacional não poderiam ser tratadas pela polícia do Rio e deveriam ser dirigidas à Polícia Federal.

Enquanto o caso contra os ativistas do PT foi arquivado pela intervenção do partido, e o caso de Felipe Neto foi suspenso devido em grande parte à sua proeminente presença nas redes sociais no Brasil - defesas não compartilhadas pelos 25 jovens desconhecidos acusados em Uberlândia - a histeria sobre a "segurança nacional" de março revela os mais graves perigos. Ela não apenas expõe a aceleração da construção de um estado policial sob o peso da vasta crise que envolve o regime burguês, mas também revela os humores fascistas que estão sendo cultivados entre as baixas patentes das forças policiais estaduais, a base mais sólida da extrema direita no Brasil.

Em todos os três casos de março, indivíduos foram intimados, acusados ou detidos pelas polícias estaduais. Dado que as investigações e aplicação da Lei de Segurança Nacional fazem parte da estrutura legal federal, estas ações equivalem a demonstrações de lealdade ao aspirante a ditador brasileiro Bolsonaro, diante de seu crescente isolamento político, por parte de elementos descontrolados das forças policiais. As Polícias Militares do Brasil, controladas pelos estados, matam mais de 6.000 brasileiros por ano e são virtualmente imunes a processos judiciais, funcionando sob seu próprio sistema de Justiça Militar.

Bolsonaro fez um de seus lemas o chamado para que as forças de segurança "não cumpram a ordens absurdas", referindo-se à execução de mandados de busca e apreensão relacionados a investigações de corrupção contra si, sua família ou seus aliados políticos. E em 8 de março ele declarou que "o meu Exército não vai para a rua para cumprir decreto de governadores", referindo-se às poucas restrições à atividade econômica impostas pelas autoridades locais no Brasil para evitar um número de mortes pela COVID-19 ainda mais horrível.

Em 8 de março, Bolsonaro disse aos seus partidários que o toque de recolher limitado em algumas cidades equivale a um "estado de sítio". Ele ameaçou "reagir" impondo seu próprio estado de sítio a fim de garantir uma atividade econômica sem restrições e a transmissão sem controle do. "Será que a população está preparada para uma ação do governo federal dura no tocante a isso?", perguntou ele.

Em resposta direta aos apelos de Bolsonaro, em 22 de março, aniversário do presidente, dezenas de fascistas vestidos com uniformes do exército e boinas vermelhas, identificando-se como paraquedistas - a divisão do Exército da qual o próprio Bolsonaro foi membro nos anos 70 e 80 - marcharam em frente à sua casa particular no Rio de Janeiro. Um vídeo do evento incluiu a ameaça de guerra civil em defesa de Bolsonaro. "Quer dizer que vocês querem derrubar o nosso presidente?, pergunta o narrador do vídeo, acrescentando “ele não tá sozinho, só pra lembrar” e concluindo, “juntem o que vocês têm de melhor, e tentem.”

Em resposta a um questionamento da TV Globo, o Comando Militar do Leste declarou que "não há relação da instituição com o evento citado,” acrescentando que "o Exército Brasileiro não compactua com qualquer tipo de conduta ilícita por parte de seus integrantes.” No entanto, não fez nenhuma tentativa de negar que os envolvidos na marcha fascista eram de fato paraquedistas da ativa.

Elementos descontrolados da polícia também estão respondendo ao pedido anteriore do Clube Militar do Rio de Janeiro, uma instituição de 133 anos que é o centro do planejamento de golpes militares no Brasil, para que a Lei de Segurança Nacional fosse usada contra a esquerda. O pedido veio em resposta à prisão do deputado federal Daniel Silveira, ex-soldado da Polícia Militar do Rio de Janeiro e apoiador de Bolsonaro, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por exigir o fechamento do tribunal.

No domingo, esta luta política entre os diversos representantes políticos da classe dominante para mostrar quem é mais leal ao aparato militar passou deu um salto, em resposta ao que as autoridades descreveram como um surto de um soldado da Polícia Militar do estado da Bahia, governado pelo Partido dos Trabalhadores (PT). O soldado, Wesley Soares Góes, invadiu uma seção de praia isolada como parte das restrições contra a COVID-19 no estado, e começou a atirar no ar, gritando "não vou permitir que violem a dignidade e honra do trabalhador” e "não vou mais prender trabalhador; não entrei na PM para prender pai de família".

Após várias horas de negociações, Góes começou a atirar nos soldados do BOPE enviados para prendê-lo, e foi brutalmente abatido com 10 tiros. Embora o que precisamente motivou a explosão de Góes seja ainda desconhecido, o episódio foi imediatamente apropriado pela extrema direita, que o lançou como um mártir anti-lockdown. O episódio foi citado por ninguém menos que a presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a apoiadora de Bolsonaro Bia Kicis, que tweetou que o episódio era o início de um motim das Polícias Militares contra os governadores, concluindo com o lema de Bolsonaro: "Chega de cumprir ordem ilegal!"

Os últimos acontecimentos evidenciaram a criminalidade política da complacência e minimização das ameaças de golpe militar por parte da maior força de oposição, o Partido dos Trabalhadores, e de seu principal líder, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, reabilitado politicamente pela recente anulação das condenações por corrupção que o impediam de participar de eleições. Lula usou seu discurso de reabilitação na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC no dia 10 de março para declarar que "não podia levar a sério" os chamados do Clube Militar pela repressão da oposição. Fazendo uma profissão de fé pró-militar, ele declarou, "quem está precisando de armas são as nossas forças armadas. Quem está precisando de arma é a nossa polícia, que muitas vezes sai pra rua pra combater a violência com um 38 velho todo enferrujado". O discurso foi feito contra o pano de fundo de uma ameaça de greve policial contra Bolsonaro, recebida favoravelmente pelo PT com a acusação de que Bolsonaro havia "traído" seu eleitorado no aparelho repressivo do Estado.

Com uma hipocrisia impressionante, o PT fingiu indignação com a persistência da Lei de Segurança Nacional ditatorial cuja aplicação o partido supervisionou quando a oposição em massa ao seu governo irrompeu em 2013. O PT é o principal responsável por fornecer uma retaguarda draconiana caso a odiada lei seja derrubada pelo judiciário. Ele ampliou enormemente as condições para a perseguição da oposição política com a promulgação da lei antiterrorismo de 2016, que seus governadores querem expandir para incluir o incêndio de ônibus e o bloqueio de ruas, táticas comuns de manifestantes em resposta a ações policiais muitas vezes mortíferas.

O PT tem uma preocupação primordial: evitar a erupção da oposição em massa a Bolsonaro, que poderia varrer o próprio PT, que é politicamente responsável por sua ascensão e é cúmplice em seus crimes. Nos estados do nordeste onde o PT detém o poder, ele tem seguido a mesma política assassina de imunidade de rebanho. Durante todo esse tempo, a autodenominada oposição está deixando Bolsonaro livre para pôr em prática suas conspirações à vista de todos.

Cada uma dessas forças está agindo em resposta à crescente agitação da classe trabalhadora, que não está disposta a aceitar a morte em massa, o empobrecimento e a repressão. Para levar adiante suas lutas, os trabalhadores devem se libertar da camisa de força política imposta pelo PT, fazendo um balanço do papel do partido na preparação da crise atual e construindo uma seção do Comitê Internacional da Quarta Internacional como uma nova liderança política.

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