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Bolsonaro demite comando militar para consolidar regime autoritário no Brasil

Publicado originalmente em 1 de abril de 2021

Numa ação sem precedentes na história brasileira, o presidente fascistoide Jair Bolsonaro demitiu seu ministro da Defesa e junto os comandantes do Exército, Marinha e Força Aérea. Seu objetivo declarado é assegurar controle total sobre o Estado e promover medidas ditatoriais contra a classe trabalhadora em resposta ao agravamento da pandemia da COVID-19 e da crise social e política no Brasil.

Bolsonaro e o ex-comandante do Exército Gen. Edson Pujol (Crédito: Agência Brasil)

O conflito de Bolsonaro com o alto escalão militar emergiu no contexto de suas exigências crescentes de uma subordinação completa das Forças Armadas à agenda política do seu governo, em particular sua política genocida de imunidade de rebanho em relação à pandemia de COVID-19. No mesmo dia em que ocorreu a troca no comando militar, o Brasil teve um recorde de 3.668 mortes por COVID-19 enquanto enfrenta um colapso nacional do seu sistema de saúde.

Em diferentes ocasiões nas últimas semanas, Bolsonaro proclamou o enfrentamento a qualquer medida de distanciamento social implementada por governos estaduais e municipais em resposta à explosão de casos e mortes por COVID-19. “O meu Exército não vai para a rua para obrigar o povo a ficar em casa”, ele declarou.

Na segunda-feira, o governo anunciou trocas em seis ministérios, entre eles a Secretaria de Governo, Casa Civil, Relações Exteriores, Defesa, Justiça e Advocacia-Geral da União. O ministro da Defesa general Fernando Azevedo e Silva foi substituído pelo general Braga Netto, que então ocupava a Casa Civil. Após uma breve reunião com o Bolsonaro, Azevedo e Silva concordou em renunciar, apesar de ter sido de fato demitido pelo presidente.

Em sua nota de demissão, o general declarou que enquanto esteve à frente do Ministério de Defesa, “preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”, sugerindo que com sua saída isso deveria mudar.

Os comandantes militares demitidos: Edson Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Moretti Bermudez (Força Aérea) (Crédito: Agência Brasil

A demissão dos comandantes foi anunciada por Braga Netto assim que ele assumiu o ministério da Defesa na manhã de terça-feira. O ex-comandante da Força Aérea, Antonio Carlos Moretti Bermudez, publicou um vídeo na sequência do encontro, com uma declaração no mesmo tom de Azevedo e Silva. Bermudez afirmou que trabalhou pela Aeronáutica como uma “instituição de Estado” e pela “soberania daquilo que nos cabe: o espaço aéreo”.

A terça-feira também foi marcada por uma ofensiva dos aliados de Bolsonaro na Câmara dos Deputados. O líder do PSL na Câmara, Major Vitor Hugo, tentou promover em regime de urgência a votação de um projeto de lei que enquadra situações de emergência sanitária – como a pandemia de COVID-19 – como motivo para decretar uma Mobilização Nacional.

Mobilizações Nacionais, que hoje podem ser decretadas em caso de guerra, permitem ao presidente intervir na produção de empresas públicas e privadas e submeter civis e militares às suas ordens, representando uma imensa concentração de poder em suas mãos. Até mesmo figuras de direita dentro da Câmara enquadraram a proposta como uma tentativa de “golpe”.

A intervenção sem precedentes de Bolsonaro em seu gabinete e no alto comando militar foi feita na véspera do 57º aniversário do golpe militar de 1964. O primeiro ato de Braga Netto como ministro da Defesa foi a publicação de uma ordem do dia conclamando à celebração desse crime político, que levou a duas décadas brutais de ditadura.

Fraudulentamente, a ordem chama o golpe militar de “movimento de 1964” e afirma que ocorreu em resposta a uma “ameaça real à paz e à democracia”. Na fantasia bolsonarista, o golpe começou como um movimento popular nas ruas que acabou sendo apoiado pela classe dominante brasileira e seu Estado, com as Forças Armadas “enfrentando os desgastes” para “garantir as liberdades democráticas que hoje desfrutamos”.

Na verdade, o golpe de 1964 foi diretamente arquitetado e promovido pelo imperialismo americano e a classe dominante brasileira. Não foram os militares que sofreram “desgastes”, mas as dezenas de milhares de trabalhadores e estudantes mortos e torturados por eles durante sua ditadura sangrenta que durou 21 anos.

A ordem, lida em voz alta para os militares nos quartéis de todo o Brasil na manhã de quarta-feira, é direcionada a tirar as lições fascistizantes dessa história. Ela afirma: “O cenário geopolítico atual apresenta novos desafios, como questões ambientais, ameaças cibernéticas, segurança alimentar e pandemias. As Forças Armadas estão presentes, na linha de frente, protegendo a população”.

É urgente que a classe trabalhadora brasileira tire as suas próprias lições políticas dessa derrota. Armar-se politicamente contra os métodos cada vez mais ditatoriais da classe capitalista é uma questão de vida ou morte.

Em 1964, a subordinação política dos trabalhadores ao governo nacionalista burguês de João Goulart, promovida pelo Partido Comunista stalinista, foi fundamental para desarmar a resistência da classe trabalhadora ao golpe.

Em 1985, quando a ditadura foi oficialmente encerrada, as forças políticas ligadas ao Partido dos Trabalhadores trabalharam por uma transição suave para um regime burguês civil, opondo-se à “perseguição” aos militares e políticos responsáveis pelos crimes bárbaros cometidos contra a classe trabalhadora. A mentira política de que esse caminho representou uma superação definitiva do legado da ditadura militar foi escancarada pela emergência de Bolsonaro desse mesmo arranjo político.

Hoje, as mesmas forças historicamente por trás dessas traições políticas buscam jogar areia nos olhos da classe trabalhadora diante dos perigos iminentes da atual situação.

Diferentes grupos da pseudoesquerda, em especial os herdeiros do revisionista argentino Nahuel Moreno, tiraram a mesma conclusão sobre os acontecimentos da última semana: “nada pra ver aqui, adiante”.

Uma das formulações mais grotescas foi feita por Valério Arcary, um dos principais líderes da antiga organização morenista Convergência Socialista, e que ocupou postos de direção no PT. Hoje à frente da tendência interna do PSOL “Resistência”, Arcary ridicularizou os que estão “à beira de um ataque de nervos” com a guinada ditatorial de Bolsonaro, afirmando secamente: “O que aconteceu com a reforma ministerial não é a antessala de um autogolpe em preparação... [O] grande capital não apoia uma subversão do regime".

A mesma visão política essencial é sustentada pelos morenistas do Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT), ligados ao Partido dos Trabalhadores Socialistas (PTS) argentino. Em seu site Esquerda Diário, descrevem Bolsonaro como estando sem apoio dos militares e “acossado” pelos partidos da centro-direita. O site defende que essa é “uma conclusão mais sóbria do que as análises que exageram o intento golpista de Bolsonaro, num momento de claro debilitamento e desagregação de suas bases de apoio”.

A complacência pequeno burguesa desses grupos pseudoesquerdistas, que parte da sua firme crença na estabilidade eterna do Estado capitalista, só merece desprezo. As ameaças de Bolsonaro devem ser tomadas com a maior seriedade pela classe trabalhadora brasileira.

A realidade política no Brasil é determinada pela crise profunda do sistema capitalista mundial, que está balançando as democracias burguesas pelo mundo e empurrando as classes dominantes de todos os países a métodos ditatoriais. O golpe de 6 de janeiro nos Estados Unidos, reivindicado abertamente por Bolsonaro e acompanhado de perto por seu filho, Eduardo Bolsonaro, é a expressão mais aguda dessa virada política internacional.

A pandemia da COVID-19, elevou as contradições fundamentais do capitalismo a um grau explosivo. O aumento brutal da desigualdade social, os efeitos devastadores do coronavírus por todo o Brasil e a crise sem saída do capitalismo brasileiro são as forças objetivas impulsionando as movimentações golpistas de Jair Bolsonaro.

Entretanto, esses mesmos fatores objetivos estão criando as condições para um poderoso movimento revolucionário da classe trabalhadora no Brasil e no mundo. A classe trabalhadora brasileira não pode permitir mais um golpe militar fascista. Ela deve se armar politicamente para preveni-lo.

A luta contra as ameaças ditatoriais deve fundir-se com a luta para barrar a pandemia da COVID-19 e resolver a crise social que afeta milhões de trabalhadores. A questão decisiva na preparação para a onda de levantes revolucionários que se avizinha é a construção de uma direção socialista e internacionalista na classe operária – isto é, a seção brasileira do Comitê Internacional da Quarta Internacional.

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