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A campanha do Left Voice pela sindicalização na Amazon: Cobertura pseudo-esquerdista em operação do Partido Democrata

Publicado originalmente em 23 de março de 2021

Cerca de 6 mil trabalhadores da Amazon em Bessemer, no estado do Alabama, estão atualmente votando a entrada do Sindicato de Varejo, Atacado e Lojas de Departamento (RWDSU, na sigla em inglês). As cédulas estão previstas para segunda-feira, 29 de março, e os resultados deverão ser anunciados no dia seguinte.

A campanha de sindicalização recebeu o apoio entusiasmado de várias organizações que operam no Partido Democrata, no aparato sindical e no seu entorno. Entre elas está o site Left Voice, publicado por apoiadores do Partido de los Trabajadores Socialistas (PTS) na Argentina.

Centro de distribuição da Amazon (Wikimedia Commons)

Em uma declaração publicada em 21 de março ("Solidariedade significa tudo para Bessemer"), o Left Voice chama a campanha de sindicalização de "uma oportunidade histórica que exige o apoio de toda a classe". O site afirma que a campanha é uma "prioridade máxima para a esquerda e para os trabalhadores organizados em todo o país". A declaração também é assinada por uma fração dos Socialistas Democráticos dos EUA (DSA) de El Paso, pelo Detroit Will Breathe, Black Power Collective e uma série de outras organizações.

O esforço para apresentar o RWDSU como uma "oportunidade histórica" para os trabalhadores enfrenta uma série de contradições. A mais gritante é o apoio que a campanha tem recebido de poderosas frações da classe dominante. Em particular, a administração Biden e o Partido Democrata estão promovendo agressivamente a campanha do RWDSU.

A declaração do Left Voice menciona apenas de passagem a intervenção sem precedente histórico da administração Biden apoiando a campanha sindical, referindo-se à "declaração em vídeo na qual Biden tentou cinicamente se promover como amigo dos trabalhadores". Entretanto, o site não faz nenhum esforço para explicar porque Biden, um democrata de direita pró-empresarial, está apoiando o que o Left Voice chama de "prioridade máxima para a esquerda". O site afirma que a intervenção de Biden é uma entre várias medidas "que tiveram o efeito de chamar uma atenção mais ampla para a luta dos trabalhadores em Bessemer".

As camadas da classe dominante que Biden representa estão preocupadas com a crescente militância dos trabalhadores da Amazon e buscando revitalizar os sindicatos para conter e suprimir a oposição da classe trabalhadora.

No entanto, o apoio ao sindicato dentro da classe dominante vai além do Partido Democrata. A declaração do Left Voice não menciona sequer o apoio de outra figura política proeminente, o senador republicano da Flórida, Marco Rubio, que publicou uma coluna no USA Today no início de março afirmando que "apoia" a campanha de adesão ao RWDSU. Ele garantiu aos "empresários" que trazer o sindicato para a Amazon não seria equivalente a "permitir que os organizadores sociais de esquerda tomem seus locais de trabalho".

Os apoiadores do PTS na América Latina certamente gostariam de saber que seus membros nos EUA estão em aliança com Rubio, um feroz inimigo dos trabalhadores na América Latina. Em particular, Rubio esteve na vanguarda das demandas pela mudança de regime em Cuba e na Venezuela e da remoção de todas as restrições à exploração dos trabalhadores na América Latina por corporações estadunidenses. Talvez seja por isso que o Left Voice deixou de traduzir muitos de seus artigos sobre a campanha de sindicalização da Amazon para o espanhol para os seus leitores latino-americanos.

A mesma agressividade contrarrevolucionária que motiva as políticas de Rubio na América Latina está por trás de seu apoio à campanha de sindicalização da Amazon. Assim como Biden, Rubio apoia a entrada do RWDSU porque ele servirá como uma força policial sobre a classe trabalhadora, não como um instrumento para a luta da classe trabalhadora. Além disso, nos bastidores, ele teria negociado com o sindicato a garantia de contrapartidas em questões de política externa na América Latina em troca do seu apoio à campanha sindical na Amazon.

Em declarações anteriores, o Left Voice tentou dar uma cobertura de "esquerda" ao seu apoio à campanha sindical, afirmando que a entrada do RWDSU tem que ser combinada com uma estratégia de "base" para se opor ao aparato sindical.

Em um artigo de 20 de março, Tatiana Cozzarelli escreve: "Mesmo com a campanha no centro da Amazon de Bessemer abrindo as portas para a campanha de sindicalização em todo o país, vimos muitos sindicatos funcionarem como 'sindicatos empresariais' dando ordens de cima para baixo e não lutarem por seus trabalhadores. É por isso que os trabalhadores precisam lutar por mais do que apenas um sindicato, mas por sindicatos dirigidos pela base – para torná-los verdadeiras ferramentas de luta para a classe trabalhadora".

Em um artigo anterior, a mesma autora declarou: "Para que o sindicato da Amazon lute contra a pressão para se tornar uma ferramenta de campanha para os democratas, os trabalhadores da Amazon precisarão tomar o sindicato em suas próprias mãos. Eles irão precisar organizar democraticamente o sindicato no local de trabalho, com assembléias de base para discussão e tomada de decisão".

Em outras palavras, os trabalhadores da Amazon devem votar a favor do sindicato, para que entre uma organização corrupta que eles serão forçados a combater. Cozzarelli não explica nem pode explicar porque os trabalhadores não devem se organizar para lutar diretamente contra a empresa, sem uma outra força que tem o único objetivo de suprimir essa luta e subordinar politicamente a classe trabalhadora ao Partido Democrata.

A entrada do RWDSU não criará uma estrutura para a organização da base, mas um instrumento para a sua supressão. Uma vez que o sindicato seja oficializado, com ele serão trazidas uma série de leis destinadas a minar legalmente as organizações de base. O sindicato reivindicará em contratos que é o "único legítimo" representante dos trabalhadores, negando aos trabalhadores o direito de se organizarem realmente em defesa dos próprios interesses. Enquanto isso, os trabalhadores entregarão a mensalidade sindical para burocratas bem remunerados vivendo como a administração da empresa.

A promoção da campanha sindical do Left Voice em Bessemer é característica da política do PTS, que remonta a uma longa tradição de anti-trotskismo latino-americano associado a Nahuel Moreno.

A partir de meados do século 20, o movimento morenista se alinhou a vários movimentos nacionalistas burgueses e pequeno-burgueses como o castrismo em Cuba. Um elemento central da política morenista tem sido o esforço contínuo para formar várias alianças eleitorais oportunistas, "frentes" e outras organizações com o objetivo de criar "espaço" para si próprios como o flanco esquerdo da política burguesa.

Na Argentina, Moreno orientou seus seguidores para uma aliança política com o movimento do general Juan Perón, que havia sido presidente do país entre 1946 e 1953 e foi uma força importante na política argentina mesmo quando esteve fora do poder. Perón foi um admirador de Hitler, cujo programa de "justicialismo" espelhava o fascismo em muitos aspectos. O movimento morenista tinha Peron como herói, inclusive colocando sua foto no cabeçalho do partido.

Em 1973, quando a classe dominante argentina apoiou a entrada de Perón no governo em um esforço para suprimir a explosão da luta de classes, que se manifestou no Cordobazo de 1969, o movimento morenista (então conhecido como PST, Partido Socialista de los Trabajadores) agiu como um flanco "esquerdo" do governo peronista. A campanha do PST para subordinar a classe trabalhadora ao governo nacionalista burguês de Peron (e, após sua morte em 1974, o de sua esposa Isabel) serviram para desarmar politicamente a classe trabalhadora antes do golpe militar de 1976.

Mais recentemente, os morenistas exaltaram vários partidos burgueses de "esquerda", tal como o Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil, como o caminho para alcançar o socialismo na América Latina. Hoje, o PTS – que foi formado após a morte de Moreno em 1987 e a ruptura de seu Movimiento al Socialismo (MAS) – está empenhado em vários esforços sem princípios para criar um "partido unido de esquerda", inspirado no Syriza na Grécia e no Podemos na Espanha.

Uma indicação do papel que o Left Voice espera desempenhar nos EUA é dado pelas ações do PTS na Argentina. Em particular, o PTS faz parte da liderança do sindicato de professores Ademys, que ajudou a impor a reabertura de escolas na Argentina em meio à mortal pandemia. Ademys convocou uma greve de 72 horas em fevereiro, promovida como contrária à reabertura, apenas para cancelá-la com a negociação de certas condições, incluindo a promessa de vacinas, que não foram cumpridas.

Em geral, o movimento morenista justificou sua adaptação à política burguesa na América Latina com o argumento de que isso era necessário para combater o imperialismo americano. Agora, no estado do Alabama, seus apoiadores nos EUA estão apoiando uma campanha de sindicalização liderada pelo Partido Democrata, entre os mais antigos e experientes partidos imperialistas do mundo. O aparato da AFL-CIO, que eles insistem que deve ser trazido para a fábrica de Bessemer, tem desempenhado um papel decisivo no apoio a todas as operações do imperialismo americano na América Latina.

Dois comentários adicionais devem ser feitos sobre a campanha do Left Voice pela sindicalização no Alabama.

Primeiro, assim como na campanha do RWDSU como um todo, o Left Voice não lança nenhuma demanda concreta para que seja associada ao chamado de sindicalização. Ela não sugere que a entrada do sindicato deve estar ligada à demanda pela abolição do odiado sistema de cotas, proteções contra a disseminação da pandemia, ou aumentos salariais significativos.

O RWDSU já declarou que não possui programa pelo qual propõe levar uma luta adiante, um fato que marca a campanha como uma operação organizada de cima para baixo, sem associação a um movimento genuíno da base. O Left Voice está fazendo sua parte fornecendo cobertura para essa operação.

Em segundo lugar, o Left Voice combina seu apoio ao RWDSU com uma narrativa abertamente racialista. Segundo Cozzarelli, "Essa luta de sindicalização é um produto direto do movimento Black Lives Matter. O movimento, com a devastação da pandemia do coronavírus, revelou todas as injustiças do capitalismo racista. Aqueles que se mobilizaram no meio do ano declararam, em termos claros, que os negros merecem uma vida melhor. As vidas negras deveriam ser importantes, mas elas não importam para os policiais que aterrorizam e assassinam sistematicamente os negros. As vidas negras também não importam para a Amazon".

O esforço pela apresentação da campanha sindical em termos raciais segue a linha do Partido Democrata e do próprio Biden, que declarou que um voto pelo RWDSU fortaleceria "os trabalhadores negros e pardos".

Por parte dos sindicatos, há considerações oportunistas que motivam um apelo racial. O RWDSU espera que trazer ativistas do Black Lives Matter ajudaria a conseguir mais votos no centro de Bessemer, onde 85% da força de trabalho é afro-americana. De acordo com um relatório, que aparece no site Payday Report, "Com o apoio menor entre os jovens negros na planta, muitos esperam que o movimento Black Lives Matter possa engajar mais jovens ativistas negros em seu nome".

Mais fundamentalmente, a política racialista do Partido Democrata, repetida pelo Left Voice, tem o objetivo de dividir os trabalhadores e impedir uma luta unificada contra o sistema capitalista.

A Amazon, em particular, é uma grande corporação transnacional que emprega trabalhadores de todas as raças, gêneros e nacionalidades. Os 1,3 milhão de trabalhadores da Amazon incluem quase 500 mil fora dos Estados Unidos. Nos EUA, 32% dos trabalhadores da Amazon é branco, enquanto 26,5% são afro-americanos, 23% são hispânicos, e 13,6% são asiáticos. Qualquer campanha contra este gigante corporativo baseada em um apelo racialista é reacionária e falida desde o início.

A intervenção do Left Voice na campanha de sindicalização na Amazon é direcionada acima de tudo para bloquear o movimento já existente e em expansão dos trabalhadores da Amazon por organizações independentes de luta da classe trabalhadora, iniciado com o auxílio do Partido Socialista pela Igualdade e da International Amazon Workers Voice. Eles vêem isso como um sinal perigoso da radicalização política dos trabalhadores da Amazon, que estão procurando organizar suas lutas por fora do controle dos sindicatos e do Partido Democrata.

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