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47 anos da Revolução dos Cravos

Parte 2

Publicado originalmente em 16 de julho de 2004

Esta é a segunda parte de uma série de três artigos publicados no WSWS quando, em 2004, a Revolução dos Cravos completou 30 anos. A primeira parte foi publicada em 27 de abril de 2021. Paul Mitchell é membro do Partido Socialista pela Igualdade (SEP) do Reino Unido.

Após o golpe militar de 25 de abril de 1974, um movimento explosivo da classe operária ameaçou provocar uma revolução em Portugal.

O golpe foi liderado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), que instalou o General António de Spínola como presidente e chefe da Junta de Salvação Nacional (JSN), composta por sete militares dos três braços das Forças Armadas.

A elite dominante foi capaz de impedir a revolução e conseguir que o capitalismo ganhasse fôlego através dos serviços prestados pelo reformista Partido Socialista Português (PSP), pelo stalinista Partido Comunista Português (PCP) e pelos grupos radicais pequeno burgueses.

Após o golpe, os operários tomaram conta de fábricas, escritórios e lojas, enquanto os camponeses ocuparam terras agrícolas. Meio milhão de pessoas marcharam através da capital de Portugal, Lisboa, uma semana depois, no Dia do Trabalhador. A atmosfera revolucionária se espalhou através das forças armadas, com soldados e marinheiros marchando ao lado dos operários carregando bandeiras reivindicando o socialismo.

O Primeiro Governo Provisório

Spínola nomeou o Primeiro Governo Provisório em 16 de maio de 1974, composto por sete ministros militares e duas cadeiras cada para o PCP, o PSP e o semifascista Partido Popular Democrático (PPD). O PPD havia sido fundado logo após a revolução e seu líder, Francisco de Sá Carneiro, deputado eleito no governo de Marcello Caetano depois de integrar a lista de candidatos do único partido do regime, aceitou a inclusão do PCP no Governo Provisório sabendo o papel vital que poderia desempenhar no controle da oposição da classe operária.

Durante todo o processo revolucionário, o PCP se agarrou ao aparato estatal através do MFA, atando assim a classe operária à elite dominante.

Para impor a disciplina no trabalho e implementar o programa de austeridade na “batalha da produção” do MFA, o dirigente do PCP Álvaro Cunhal foi nomeado ministro sem pasta e Avelino Gonçalves, também do PCP, tornou-se ministro do trabalho. O PCP ocuparia esse cargo também em governos provisórios posteriores, exortando os trabalhadores a “Salvar a Economia Nacional” e condenando qualquer manifestação de atividade independente por parte da classe operária.

O PCP também fazia parte do conselho de governo do MFA.

O MFA surgiu como o órgão decisório mais importante do país. A direção do MFA ficou a cargo do Conselho dos Vinte, cujas decisões geralmente exigiam a ratificação dos 240 delegados que compunham a Assembleia do MFA. O Conselho dos Vinte incluía o presidente e os outros seis membros da JSN, os cinco ministros militares (o primeiro-ministro, dois ministros sem pasta e os ministros do interior e do trabalho) e Otelo Saraiva de Carvalho, o comandante das unidades de “intervenção armada”, o Comando Operacional do Continente (COPCON). Ao longo do processo revolucionário, os líderes do COPCON prometeram que “eventualmente” armariam a classe operária, mas seu verdadeiro papel era impedir o desenvolvimento de grupos de vigilância popular ou milícias operárias.

O programa político do MFA exigia a criação de um governo provisório que organizasse eleições para uma Assembleia Constituinte encarregada de redigir uma constituição.

A ascensão do MFA à proeminência do processo revolucionário pode ser atribuída ao PCP, que promoveu o conceito da “Aliança Povo-MFA” e glorificou os chamados generais militares esquerdistas como Carvalho e Vasco Gonçalves. O PCP afirmou: “O MFA é a força motriz e a garantia de nossa revolução ... o PCP defende que a aliança entre o movimento popular e o MFA é um fator necessário e decisivo para o estabelecimento de um regime democrático, uma garantia primordial para o desenvolvimento do processo revolucionário”.

Na época do golpe de abril, o PSP não contava com mais de 200 pessoas. No ano seguinte, tinha crescido para 60.000 membros – principalmente funcionários administrativos e profissionais liberais. Seu crescimento pode ser atribuído às ações do PCP e de grupos radicais e ao apoio que recebeu das potências ocidentais.

O PCP fortaleceu a direita em Portugal ao dividir a classe trabalhadora com sua colaboração com o MFA, ocupando o jornal República do PSP e atacando fisicamente as reuniões do PSP. Ao denunciar as greves operárias, apelando para um sindicato monolítico sob seu controle e apoiando a ditadura militar do MFA, o PCP permitiu que o líder do PSP, Mário Soares, se fizesse passar por mais radical, democrático e ainda mais marxista do que Álvaro Cunhal do PCP.

As potências ocidentais ficaram alarmadas que Portugal, membro fundador da OTAN, havia sido sacudido por uma revolução. O Secretário de Estado americano Henry Kissinger disse a Soares que ele estava prestes a ser o “Kerensky [o líder russo cujo governo de curta duração antecedeu a Revolução Bolchevique] de Portugal”. O resultado foi o aumento da ajuda financeira estrangeira à organização, particularmente do Partido Trabalhista britânico e do Partido Socialista francês. Em fevereiro de 1975, Edward Kennedy participou de uma reunião com os dirigentes do PSP.

O primeiro congresso do PSP, em dezembro de 1974, recebeu saudações fraternas de partidos socialdemocratas de todo o mundo. O orador convidado foi Santiago Carillo, o líder do Partido Comunista Espanhol

As Leis Antigreve

Após o golpe, as greves atingiram todos os setores da economia. Os trabalhadores criaram comissões que exigiam um salário mínimo, a prisão de simpatizantes fascistas, o controle operário e o socialismo. Em 15 de maio de 1974, 8.400 trabalhadores ocuparam os Estaleiros Navais de Lisboa (Lisnave). Os trabalhadores da Timex entraram em greve em 3 de junho, continuando a luta iniciada em novembro de 1973, e duas semanas foi a vez de 25.000 trabalhadores dos CTT, paralisando os serviços postais e telefônicos. Os jornais foram tomados e manifestos de partidos preencheram suas páginas.

Os antigos sindicatos corporativos, que o PCP havia retomado através da Intersindical, denunciaram as greves como “irresponsáveis” e suas exigências como “impossíveis”, organizando uma manifestação em Lisboa contra elas. O exército foi utilizado para quebrar a greve na Timex e proteger a fábrica e suas máquinas. A transmissão de um festival cultural no qual o grupo de teatro Comuna atacou a Igreja Católica foi interrompida sob as ordens de “autoridades superiores”.

A Confederação da Indústria Portuguesa (CIP) alertou que as ações da classe trabalhadora eram “perigosas para a economia nacional”. A CIP defendeu publicamente uma democracia de tipo ocidental, mas muitos de seus membros também financiaram partidos e organizações fascistas, incluindo aquela fundada pelo próprio Salazar – o Partido Democrático Cristão (PDC). O monopólio da família Mello, a CUF, financiou o Centro Democrático Social (CDS), precursor do direitista Partido Popular que faz parte do atual governo de coalizão.

O CDS foi fundado por Freitas do Amaral, ex-conselheiro de Caetano e apoiado pela católica Opus Dei. No entanto, essas organizações não tiveram nenhum apoio popular. O primeiro congresso do CDS, em janeiro de 1975, teve que ser abandonado por causa de tumultos ocorridos do lado de fora. Os outros congressos foram realizados em segredo.

Em 27 de agosto, o governo provisório introduziu uma lei antigreve que o PCP e o PSP ajudaram a redigir. As greves só eram permitidas se fossem consideradas “dentro do espírito do Programa do MFA”. Todas as greves tinham que apresentar os resultados da votação e que esperar 30 dias para serem iniciadas. Não foram permitidas greves nos serviços essenciais e foram proibidas greves políticas ou de solidariedade e ocupações. No dia seguinte, unidades do exército, incluindo o COPCON, cercaram o aeroporto de Lisboa, que tinha sido ocupado pelos trabalhadores da companhia aérea estatal Transportes Aéreos Portugueses (TAP). Os trabalhadores que se recusaram a obedecer às ordens militares foram presos e disseram que só seriam reintegrados “se não participassem mais de atividade política”.

Mais dois golpes

As ações dos socialdemocratas e dos stalinistas deram um novo folego à reação. Em 10 de setembro de 1974, Spínola convocou a “maioria silenciosa ... a despertar e se defender do totalitarismo extremista”. Duas semanas depois, foi planejada uma manifestação. Em resposta aos movimentos das tropas e ao fechamento das estações de rádio e TV, os operários ergueram barricadas e frustraram a tentativa de golpe. Mas Spínola foi simplesmente autorizado a renunciar ao cargo de presidente para ser substituído por seu antigo chefe, o General Costa Gomes.

Foi criado um novo governo provisório, sem Spínola e três outros membros da JNS, que iria durar até a próxima tentativa de golpe de direita, em março de 1975.

Em janeiro de 1975, foi formada a Comissão Inter-Empresas, que era coomposta por trabalhadores da Timex, TAP, Lisnave e outras empresas. Uma de suas primeiras ações foi a organização de uma manifestação contra a chegada de navios da OTAN às docas de Lisboa. O governo provisório proibiu todas as manifestações e o PCP atacou os organizadores. Apesar disso, 40.000 pessoas participaram das manifestações.

O governo então aprovou o plano econômico elaborado pelo Major Ernesto Augusto Melo Antunes, que era membro do “Grupo dos Nove” oficiais do MFA, e que foi endossado pela Assembleia do MFA. O plano excluiu “o controle socialdemocrata da gestão do capitalismo ... mas não exclui uma sociedade pluralista ... a luta de classes agora em curso deve levar em conta o papel alternativo que a classe média pode agora desempenhar.”

O plano defendeu nacionalizações parciais, a tomada de algumas grandes e mal administradas propriedades e o aumento do investimento estrangeiro.

Spínola tentou outro golpe no início de março de 1975 apoiado por Kissinger e pelo embaixador americano Frank Carlucci, mas suas tropas se rebelaram no último minuto. Spínola fugiu para a Espanha e depois para o Brasil. Muitos homens de negócios por trás da tentativa de golpe foram presos, incluindo sete membros da família Espírito Santo, que possuía um dos maiores bancos de Portugal, e os Mello, mas todos foram libertados mais tarde.

A JNS foi extinta e substituída pelo Conselho da Revolução. Após a resistência da classe trabalhadora, formou-se um quarto governo provisório que nacionalizou bancos comerciais (mas não três bancos internacionais). Como muitos desses bancos controlavam empresas, o governo assumiu o controle de quase todos os jornais, companhias de seguros, hotéis, empresas de construção e muitos outros tipos de negócios – o equivalente a 70% do produto interno bruto do país. O salário mínimo foi aumentado e um programa de reforma agrária foi prometido.

O PCP declarou, apropriadamente, que os negócios haviam sido “nacionalizados a serviço do povo”, mas a nacionalização capitalista proposta diferiu da realizada na maioria dos países ocidentais após a Segunda Guerra Mundial apenas em extensão. O poder econômico e estatal ainda estava nas mãos da burguesia, ainda que apenas em parte através de sua sombra nos partidos socialdemocratas e stalinistas. A nacionalização visava proporcionar uma infraestrutura e um ambiente mais estáveis para a empresa privada e limitar o poder das comissões de trabalhadores, tornando a nomeação dos administradores uma função estatal.

A Assembleia Constituinte

Em 25 de abril de 1975, foram realizadas eleições para que a Assembleia Constituinte redigisse uma constituição. O PSP teve quase 38% dos votos, o PPD 26,4% e o PCP 13%.

Após as eleições e sem nenhum sinal da reforma agrária prometida, os movimentos do campo se juntaram à situação insurrecional nas cidades. Os trabalhadores camponeses sem-terra do sul confiscaram as grandes propriedades rurais nas quais trabalhavam e começaram a desenvolvê-las coletivamente através de organizações como o Comitê Alentejo Vermelho. O PCP considerou as ocupações “anarquistas” e propôs que todas as ocupações futuras fossem controladas pelos sindicatos (que, por sua vez, o próprio partido controlava).

Entre junho e agosto de 1975, após a saída do PSP e do PPD do quarto governo provisório devido ao caso do jornal República, o PCP e seus aliados foram deixados no controle virtual do Estado e dos ministérios. Os “Gonçalistas”, como era conhecida a ala militar do PCP, dominaram o Conselho da Revolução do MFA.

O MFA e o PCP convocaram uma Frente de Unidade Revolucionária (FUR) para “institucionalizar” o “pacto” entre o MFA e o povo. Isso envolveu a formação de assembleias locais, assembleias municipais e uma Assembleia Nacional Popular, que substituiria o governo provisório. O objetivo da proposta do MFA era consolidar o controle dos oficiais militares burgueses, destruir o caráter independente das comissões de trabalhadores que haviam surgido e impedir os movimentos em direção à dualidade de poder e aos sovietes/conselhos de trabalhadores. As assembleias só poderiam iniciar seus trabalhos após “uma avaliação pelo MFA” e estariam sujeitas ao controle militar em todos os níveis para preservar sua “independência de todos os partidos”. Não seriam permitidas organizações políticas nas forças armadas, exceto o próprio MFA.

Continua.

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