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Cuba registra os maiores protestos em décadas com a deterioração da economia e o agravamento da pandemia de COVID-19

Publicado originalmente em 13 de julho de 2021

Milhares de cubanos se manifestaram no domingo em Havana e em outras cidades do país na maior onda de protestos na ilha desde 1994. Como no Maleconazo, a atual onda de protestos tem sido impulsionada por anos de dificuldades econômicas, com a pandemia de COVID-19 servindo como um evento desencadeador para expor os podres alicerces da perspectiva nacionalista pequeno-burguesa do governo cubano.

Manifestantes contra o governo marcham em Havana, Cuba, em 11 de julho de 2021 (AP Photo/Eliana Aponte, arquivo)

Os protestos parecem ter começado em San Antonio de los Baños, um município a sudoeste da capital. Entretanto, à medida que circulavam vídeos nas redes sociais, eles rapidamente se espalharam para Havana e a maioria das principais cidades do país, incluindo Santiago de Cuba, Santa Clara, Matanzas, Cienfuegos e Holguín, bem como inúmeras cidades menores, como Palma Soriano.

Enquanto alguns manifestantes avançaram slogans incluindo “Liberdade” e “Abaixo a ditadura”, outros chamaram a atenção para a crescente fome e escassez de alimentos, e em alguns casos exigiram vacinas contra a COVID-19 e outros suprimentos médicos enquanto o número de casos por causa da circulação da variante Delta aumenta. Os manifestantes também saquearam algumas “lojas de dólares”, amplamente odiadas como símbolos de desigualdade onde aqueles com acesso a dólares podem comprar itens importados a preços inflacionados.

Houve numerosos confrontos com a polícia, com as autoridades realizando prisões de manifestantes e utilizando gás lacrimogêneo e outras medidas repressivas, em alguns casos levando os manifestantes a virar os carros da polícia ou atirar pedras e concreto contra eles. Em uma tentativa de acabar com os protestos, o governo tem cortado temporariamente o acesso à Internet.

Entre os presos estavam Frank García Hernández e outros associados com os “Comunistas”. García Hernández foi o organizador do “Evento Acadêmico Internacional Leon Trotsky” de maio de 2019, e desempenhou um papel central para barrar a participação do Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) na conferência, que contou com a presença de pablistas e outros representantes da pseudoesquerda.

Embora haja muita confusão entre os manifestantes, na maioria das vezes eles parecem ser movidos pelos mesmos fatores que estão levando trabalhadores e jovens para as ruas: as condições de vida cada vez mais insuportáveis e a repressão política sufocante. As motivações para os protestos cubanos são semelhantes àquelas por trás das longas manifestações de massa na Colômbia, que têm sido muito mais brutalmente reprimidas, mas que a mídia dos EUA tem dado uma cobertura muito menor.

Já em dificuldade devido a uma queda nos subsídios da Venezuela, ela própria em profunda crise, as condições econômicas em Cuba se deterioraram ainda mais no ano passado, pois a pandemia de COVID-19 fez com que o turismo internacional evaporasse e até afetou a colheita de açúcar, que foi a menor desde 1908. Oficialmente, a economia encolheu 11%, a maior contração desde 1993.

Como resultado do declínio dos ganhos em moeda forte, as importações para a ilha caíram 40%, levando à escassez generalizada e à raiva disseminada ao longo das longas filas diárias que se tornaram necessárias para a obtenção de mercadorias básicas.

Há também uma raiva crescente agora sobre a resposta do governo à pandemia, que tem visto mortes por dia dispararem e um quase colapso do sistema de saúde em Matanzas com o predomínio da variante Delta. Como 6.422 novos casos em um único dia em Cuba, Francisco Durán, diretor nacional de epidemiologia, disse durante uma videoconferência na sexta-feira: “Não preciso dizer que este é o pior dia para Cuba desde o início da pandemia”.

No domingo, Cuba registrou os recordes diários de 6.923 casos e 47 mortes, em um país de pouco mais de 11 milhões de pessoas, com o número de casos praticamente dobrando em relação à semana anterior. Tendo registrado apenas 12.200 casos em todo o ano de 2020, a ilha já registrou mais de 232.000 até agora em 2021, enquanto as mortes aumentaram de 146 para um total de 1.579. Existem agora mais de 32.000 casos ativos no país.

Mais da metade dos casos recentes ocorreram na província de Matanzas, cujo famoso balneário de Varadero reabriu ao turismo internacional em novembro do ano passado. A política de saúde pública tem sido subordinada a considerações econômicas, assim como tem sido em outros lugares, incluindo nos Estados Unidos. Com o aumento do número de casos, a província ficou sem leitos hospitalares, o que levou o governo a “internar” pacientes em casa.

Ao aparecer na televisão no domingo, o presidente cubano Miguel Díaz-Canel se referiu a estes problemas, admitindo: “Agora, temos que implementar a hospitalização domiciliar, após a insuficiência de capacidades em um grupo de províncias cubanas”, e exortando os cubanos a “ter uma participação mais direta e responsável”.

Os esforços de vacinação de Cuba têm sido lentos, com apenas cerca de 3 milhões de cubanos tendo recebido pelo menos uma dose de vacina e apenas 15% totalmente vacinados. Em vez de importar vacinas produzidas no exterior, Cuba desenvolveu suas próprias vacinas, chamadas Soberana-02 e Abdala, que requerem doses múltiplas, utilizando tecnologias mais antigas de desenvolvimento de vacinas. Um estudo cubano indica que a vacina Abdala, que requer 3 doses com duas semanas de intervalo, é cerca de 92% eficaz, mas o estudo não foi publicado, e foi realizado antes do predomínio da variante Delta.

Numa tentativa de repetir o apelo pessoal de Fidel Castro aos manifestantes para que deixassem de participar dos protestos em 1994, Díaz-Canel visitou San Antonio de los Baños no domingo após os protestos e supostamente entrou em várias casas para conversar com os moradores, muitos dos quais alegavam estar fartos de interrupções generalizadas de energia elétrica.

Na segunda-feira na televisão, Díaz-Canel deixou claro que o governo entendia que as queixas legítimas estavam sendo transmitidas por camadas da população agindo independentemente das figuras “pró-democracia” apoiadas pelos EUA, mas alegava que estavam sendo manipuladas por essas forças para protestar. “Devemos deixar claro para nosso povo que podemos estar insatisfeitos, isso é legítimo, mas devemos ser capazes de ver claramente quando estamos sendo manipulados”, disse.

Díaz-Canel também declarou: “Como se não houvesse surtos da pandemia em todo o mundo, a máfia cubano-americana, pagando muito bem influenciadores nas redes sociais e YouTubers, criou toda uma campanha e convocou manifestações em todo o país”. Após os protestos, Díaz-Canel chamou os “revolucionários para as ruas” em apoio ao governo e disse: “A ordem para combater foi dada”, e talvez mais ameaçadoramente: “Estamos preparados para fazer qualquer coisa”.

Isso fez Julie Chung, Secretária de Estado Adjunta dos EUA para o Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental, se manifestar no Twitter, escrevendo: “Estamos profundamente preocupados com o ‘chamado para combater’ em #Cuba. Defendemos o direito do povo cubano a uma reunião pacífica. Apelamos à calma e condenamos qualquer violência.”

O prefeito de Miami, Francis Suarez, apelou à intervenção militar dos EUA, “para proteger o povo cubano de um banho de sangue”, enquanto o governo Biden emitiu uma declaração oficial de espantosa hipocrisia apelando para que o governo cubano respeite o “direito de protesto pacífico e o direito de determinar livremente o próprio futuro” do povo cubano e “servir suas necessidades neste momento vital, em vez de se enriquecerem”.

Um dos apelos mais cínicos tem sido para a abertura de um “canal humanitário” para medicamentos e suprimentos, que tem sido apoiado nas redes sociais usando a hashtag #SOSCuba. O chamado para uma tal ajuda humanitária lembra a tentativa de forçar um “comboio humanitário” através da ponte Francisco de Paula Santander ligando a Colômbia e a Venezuela em 2019. O fantoche americano Juan Guaidó e a oposição de direita na Venezuela esperavam que os caminhões carregados de suprimentos fornecidos pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), ligada à CIA, provocassem deserções em massa dos militares venezuelanos e levassem ao apoio popular para a destituição de Maduro.

Os trabalhadores cubanos devem rejeitar as maquinações do imperialismo americano e exigir a libertação de todos os manifestantes detidos. Como em todos os países, a única maneira de controlar a pandemia e resolver até mesmo os problemas sociais mais básicos é os trabalhadores tomarem o destino da sociedade em suas próprias mãos. O único caminho para a classe trabalhadora cubana é estudar as lições da Revolução Cubana e toda a experiência do castrismo tal como foi elaborada na análise do CIQI e trabalhar para estabelecer uma seção do Comitê Internacional em Cuba.

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