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Ferroviários paralisam trens de São Paulo em meio à onda de greves no transporte

Uma greve de trabalhadores ferroviários paralisou, na última quinta-feira, 15 de julho, um setor importante do transporte em São Paulo, com a interrupção de quatro linhas da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) responsáveis por transportar diariamente cerca de um milhão de pessoas. Mais de 40 estações foram fechadas durante a paralisação que exigia melhores salários.

A ação dos ferroviários da CPTM acontece em meio a uma onda de greves de trabalhadores do transporte no Brasil e uma intensificação das lutas da classe trabalhadora contra o rebaixamento das condições de vida e as condições inseguras de trabalho sob a pandemia de COVID-19.

A greve na CPTM foi deflagrada contra mais uma proposta de reajuste de 0% feita pela empresa. Os ferroviários estão entrando em seu terceiro ano sem reajuste, acumulando uma defasagem nos salários de cerca de 10%, que foi a inflação oficial desse período. Além disso, a empresa, que é gerida pelo governo do estado de São Paulo, não fez o pagamento anual do Programa de Participação nos Resultados (PPR).

Polícia Militar dispara bombas de gás lacrimogêneo na estação Francisco Morato durante greve de ferroviários (Crédito: Diário da CPTM)

Em uma tentativa de desqualificar a greve, o presidente da CPTM, Pedro Moro, atacou a reivindicação de aumento salarial, insinuando que os ferroviários são “privilegiados”.

“A média salarial da CPTM é muito mais alta que a média salarial do Brasil. Os benefícios que a CPTM proporciona aos seus empregados também são acima do que está inclusive na CLT e, portanto, a gente solicita novamente que voltem todos ao trabalho para mantermos a operação, para não prejudicar a população”, declarou Moro durante uma entrevista à rádio Band News.

Em suas declarações à imprensa, o presidente da CPTM afirmou que a média salarial na empresa é de R$ 6.500. Mas esse número é uma falsa “média”, tirada da soma entre os salários dos altos cargos – uma minoria privilegiada de classe média alta – e o salário dos trabalhadores comuns, que são a maioria da força de trabalho e cuja “média salarial” é de R$ 2.800. E os “benefícios” mencionados por Moro estão, na verdade, sendo ameaçados na atual proposta da empresa.

Além dos salários decrescentes, a CPTM tem aplicado uma política criminosa em resposta à pandemia de COVID-19. Um ferroviário da CPTM entrevistado pelo World Socialist Web Site relatou:

“Os funcionários do grupo de risco que trabalham nas estações somente foram afastados após decisão judicial. Reverteram tal decisão em meados de novembro de 2020 e fizeram com que estes funcionários voltassem ao trabalho, mesmo sem que estivessem vacinados.

“Tivemos um enorme número de mortos entre os funcionários. Não se sabe ao certo quantos, visto que a empresa não ofereceu o dado mesmo com o pedido do sindicato. Mas houve período em que chegamos a receber quatro notas de falecimento num único dia. Até que passaram a não mais enviar notas de falecimento.

“O sentimento de todos os funcionários era de medo e impotência, visto que nem mesmo uma homenagem aos colegas que se foram podia ser feita e nem mesmo as notas de falecimento eram feitas. Sentimento de que o funcionário não passa de um número e de que a vida destes [não vale] nada para a direção.

“A despeito de todo o sacrifício que os ferroviários fizeram e fazem durante esta pandemia, a empresa, subserviente ao governador, é intransigente... O presidente [da CPTM], pela manhã, ratificou a ‘proposta’ de reajuste zero. Acho que a situação exigia algum tipo de atitude.”

A greve da última semana foi a primeira na CPTM desde 2015. Ao longo desse período, os ferroviários enfrentaram uma deterioração significativa das condições de trabalho, com uma redução no número de empregos e perdas de direitos e benefícios que as gerações anteriores haviam adquirido. Esse processo foi facilitado pelos sindicatos, que abafaram a insatisfação dos trabalhadores, enquanto avançava o processo de privatização.

“Desde a posse do governador João Dória e a mudança da presidência da empresa, hoje sobre a gestão de Pedro Moro, é perceptível a intenção de privatização da empresa”, relatou o ferroviário. “Notava-se em 2018 a necessidade de contratação de mais profissionais, o que não ocorreu e deixava claro o que estava por vir.

“No processo de privatização das linhas 8 e 9 não houve combate, por parte dos sindicatos, à flagrante ameaça aos empregos dos funcionários. Grande parte dos funcionários era contrária à privatização e estava disposta a lutar contra, exercendo inclusive seu direito de greve, pauta que nunca foi levantada por qualquer dos sindicatos.”

O trabalhador da CPTM denunciou o esforço dos sindicatos em manter os ferroviários isolados em relação a outros setores da classe trabalhadora e o bloqueio de qualquer iniciativa de luta durante a pandemia.

“Há um distanciamento gigantesco entre os sindicatos e os trabalhadores. Parte dos funcionários já queria a greve quando a empresa conseguiu reverter a decisão judicial e colocou em risco a vida dos funcionários com comorbidades. Os sindicatos foram acionados pelos metroviários anteriormente para fazerem uma greve conjunta, porém declinaram.”

Os sindicatos também atuam para um isolamento entre os próprios ferroviários da CPTM. Quatro sindicatos afirmam representar a categoria, cada um reivindicando a posse de um conjunto de linhas. A greve do dia 15 foi convocada por três deles – ligados à central sindical UGT (União Geral dos Trabalhadores) –, enquanto o outro sindicato – ligado à CUT – convocou uma greve para o dia 20.

Enquanto a greve da UGT foi decidida em assembleias mal divulgadas, quase sem nenhuma presença de ferroviários, a greve da CUT foi aprovada a partir de listas deixadas nas estações. Essa forma de votação gera desconfiança entre os trabalhadores e pode impedi-los de aderir por causa da exposição a possíveis retaliações das chefias.

O controle burocrático dos sindicatos sobre a organização da greve também impediu que os trabalhadores ferroviários fizessem um apelo ao restante da população trabalhadora dependente do transporte público, que sofre os mesmos ataques a seus padrões de vida e as mesmas condições inseguras sob a pandemia.

Durante a greve, ocorreram situações espontâneas de solidariedade, como na estação Grajaú, no extremo sul da cidade, onde os moradores somaram-se ao movimento dos ferroviários bloqueando avenidas em protesto contra o alto preço das passagens.

Mas houve também situações de conflito, que foram amplamente exploradas pela imprensa burguesa com a intenção de colocar a população contra a greve. Na estação Francisco Morato, na periferia da região metropolitana de São Paulo, passageiros tentaram forçar a abertura dos portões e foram brutalmente reprimidos pela Polícia Militar, que atirou bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Uma mulher foi atingida no rosto e perdeu a visão de um dos olhos.

Diante dessas pressões e das divisões que promoveram, os sindicatos conseguiram encerrar a greve no fim do dia, apenas com a promessa de pagamento da participação nos resultados, mas nada em relação ao reajuste dos salários.

A greve na CPTM, assim como as recentes greves nas linhas de metrô e de ônibus das capitais brasileiras, que atingem diretamente o deslocamento de setores amplos de trabalhadores, demonstrou a necessidade e o potencial de uma ação consciente e unificada da classe trabalhadora.

Essa tarefa, no entanto, não pode ser cumprida através dos sindicatos, cuja existência e interesses estão diretamente ligados aos dos patrões e se chocam frontalmente com as necessidades dos trabalhadores. Os ferroviários precisam tomar o controle da luta em suas próprias mãos. Eles devem organizar comitês de base independentes e apelar aos seus irmãos e irmãs de classe no Brasil e internacionalmente, aderindo à Aliança Internacional Operária de Comitês de Base (AIO-CB).

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