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Perspectivas

Bolsonaro acusado de assassinato em massa por política de imunidade de rebanho para a COVID-19 no Brasil

Publicado originalmente em 22 de outubro de 2021

O relatório divulgado quarta-feira pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado brasileiro que investiga a resposta do Presidente Jair Bolsonaro à pandemia da COVID-19 expôs uma política criminosa responsável pela morte de centenas de milhares de brasileiros.

Com um número oficial de mais de 600.000 mortes, o Brasil está atrás apenas dos Estados Unidos nas fatalidades por COVID-19. O país tem o terceiro maior número de casos, mais de 20 milhões, atrás apenas dos Estados Unidos e da Índia. O relatório da CPI prova que tal tragédia não era inevitável, mas sim a consequência inteiramente previsível de uma estratégia homicida.

Manifestantes usam máscaras representando o presidente brasileiro Jair Bolsonaro em protesto contra as políticas de seu governo para a COVID-19 em frente ao Palácio do Planalto em Brasília, quarta-feira, 20 de outubro de 2021. (AP Photo/Eraldo Peres)

Em sua investigação de seis meses, a CPI ouviu 61 testemunhas ao longo de 66 audiências. Num total de mais de 1.100 páginas, o relatório detalha como o governo Bolsonaro seguiu uma estratégia consciente de disseminação do vírus entre a população, declaradamente em nome de uma impossível “imunidade de rebanho” por meio do contágio em massa.

Esta estratégia foi executada através de uma ampla gama de medidas, que incluíram: uma incansável minimização dos riscos representados pelo vírus, descritos por Bolsonaro desde o início como uma 'gripezinha'; um ataque a medidas mínimas de saúde pública, desde distanciamento social até o uso de máscaras; a promoção oficial de curas charlatanescas levando a centenas de mortes sob responsabilidade direta de hospitais e médicos alinhados ao governo; a tentativa de desacreditar as vacinas e a sabotagem dos esforços das autoridades estaduais e locais para adquiri-las; a negação de ajuda aos governos locais, como no caso emblemático de Manaus; e, finalmente, a negligência deliberada de verbas autorizadas pelo Congresso para o controle da doença. Às margens desta campanha bárbara, as autoridades governamentais também encontraram tempo para tentar compras de vacinas com sobrepreço, a fim de desviar propinas para seus próprios bolsos.

Além de Bolsonaro, outros 65 indivíduos e duas empresas foram indiciados por um total de 24 crimes. Bolsonaro é acusado de nove deles, que abarcam os chamados “crimes comuns”, os crimes de responsabilidade, puníveis com o impeachment, e os crimes contra a humanidade. A primeira categoria inclui:

  • Epidemia com resultado em morte, pelo esforço pela propagação do vírus
  • Infração de medida sanitária preventiva, por ignorar ou atacar medidas decretadas por outros órgãos governamentais, tais como o Ministério da Saúde e os governos locais
  • Charlatanismo, por promover falsas curas como a hidroxicloroquina
  • Incitação ao crime, por apelar incessantemente a seus apoiadores para que seguissem seus passos nos crimes mencionados acima
  • Falsificação de documento particular, por autorizar e depois assinar como membro do Tribunal de Contas da União (TCU) um relatório falso alegando que as mortes estavam sendo “super notificadas” pelas autoridades locais
  • Emprego irregular de verbas públicas e prevaricação, por bloquear ou atrasar gastos ordenados pelo Congresso.

Denominadas como crimes de responsabilidade estão violações dos direitos constitucionais fundamentais individuais e coletivos, como os direitos à saúde e ao bem-estar econômico.

Finalmente, os crimes contra a humanidade são listados como:

  • Extermínio, pelo assassinato em massa de brasileiros
  • Perseguição de um grupo ou coletivo, pela negativa em atender necessidades específicas de populações vulneráveis, como os indígenas
  • Atos desumanos que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental

Vários membros do ministério, incluindo o atual Ministro da Saúde e seu antecessor, também são nomeados como responsáveis pelos mesmos crimes. O relatório também acusa os filhos de Bolsonaro, Eduardo, Flávio e Carlos - um deputado, um senador e um vereador - de coordenarem um chamado “gabinete paralelo” que instruiu em segredo o Ministério da Saúde a promover curas charlatanescas e campanhas anti-vacinas. Além disso, vários médicos e empresários são acusados de conduzir experiências bárbaras com pacientes que foram tratados com falsas curas sem seu conhecimento.

O relatório da CPI é um indiciamento não só do presidente fascistoide do Brasil, mas também dos chefes de Estado e das classes dominantes em todo o mundo.

Boris Johnson no Reino Unido, Narendra Modi na Índia, Donald Trump nos Estados Unidos e inúmeras outras autoridades nacionais e locais deveriam enfrentar acusações semelhantes de assassinato em massa e crimes contra a humanidade, e ser declarados culpados.

Estas acusações certamente também se aplicariam ao sucessor de Trump na Casa Branca, Joe Biden, em cuja administração as mortes por COVID-19 estão superando as ocorridas sob Trump, mesmo com centenas de milhões de doses de vacinas administradas e outras centenas de milhões entesouradas pelo governo dos EUA. Da mesma forma, os ditos opositores de Bolsonaro nos governos locais pelo Brasil, os prefeitos e governadores do Partido dos Trabalhadores, praticaram políticas igualmente homicidas.

Seria praticamente impossível nomear qualquer governo burguês de destaque que não tenha cometido alguns ou todos esses crimes desde o surgimento da pandemia. Isso é ainda mais verdadeiro quando se considera que o conhecimento científico sobre a necessidade e os meios de conter e erradicar o vírus estava amplamente disponível.

Isto foi comprovado pelo sucesso local e limitado das medidas adotadas e agora abandonadas pelos governos da Austrália e Nova Zelândia, que foram capazes de manter seus territórios em grande parte livres do vírus por longos períodos, antes de se curvarem à pressão de outros países imperialistas para abandonar a estratégia de eliminação como parte de uma ofensiva mais ampla do imperialismo americano contra a China. As próprias autoridades chinesas tiveram amplo sucesso, seguindo as orientações científicas, na supressão de surtos importados, mas não sem enfrentar enormes pressões econômicas internas e externas que não têm meios de resolver.

A criminalidade dos governantes capitalistas em todo o mundo foi ainda mais exposta em sua postura em relação ao surgimento da variante Delta, mais contagiosa e mortal, que constitui um desafio à estratégia dominante de mitigar a propagação do vírus apenas através de vacinas, em um contexto no qual a maioria da população mundial ainda não recebeu uma única dose sequer.

A disseminação descontrolada do vírus pelo mundo não é apenas uma ameaça à humanidade no presente imediato, mas também cria as condições para o surgimento de cepas ainda mais virulentas, que ameaçam os avanços obtidos através de vacinas e tratamentos.

Isto foi demonstrado com enorme clareza em três dos países que promoveram a 'imunidade de rebanho' com maior consistência. A disseminação em massa do vírus no Reino Unido, Brasil e Índia deu origem às variantes Alfa, Gama e Delta, que se sucederiam como a cepa dominante em todo o mundo. Antes de ser nomeada como 'Gama', a variante brasileira havia sido nomeada em referência à cidade de Manaus, o epicentro da estratégia de imunidade de rebanho de Bolsonaro, onde um estudo recente foi capaz de ligar o surgimento da variante precisamente a um aumento maciço da mobilidade e das infecções provocado pela reabertura de escolas.

Como afirmaram os autores do estudo, a variante Gama, que causou dois terços das mortes por COVID-19 no Brasil, foi um produto direto das políticas de saúde pública praticadas por Bolsonaro e endossadas pela classe dominante brasileira como um todo.

A divulgação do relatório preliminar da CPI não significa que Bolsonaro será responsabilizado por seus atos hediondos, que foram apropriadamente chamados de crimes contra a humanidade. A seriedade das acusações contrasta com as medidas reais que estão sendo tomadas pelas forças políticas que apresentam tais acusações.

Espera-se que o relatório seja aprovado pela CPI na próxima semana, o que dará início a um caminho labiríntico para levar a qualquer responsabilização. O relatório não tem força legal e deve ser encaminhado a outras autoridades, a saber, o Procurador Geral da República, no caso dos 'crimes comuns', tais como provocar uma epidemia; o presidente da Câmara, no caso dos crimes de responsabilidade; e o Tribunal Penal Internacional em Haia, no caso dos crimes contra a humanidade.

Tanto o Procurador Geral da República quanto o presidente da Câmara estão firmemente alinhados com Bolsonaro e não se espera que apresentem denúncias contra ele, embora possam fazê-lo contra certas figuras de menor importância a fim de aplacar a indignação popular.

Alguns membros do ministério, como o Ministro da Defesa, General Walter Braga Netto, foram acusados sem sequer serem ouvidos, pois os senadores temiam que o Exército reagisse com um golpe se ele fosse convocado para depor. É certo que o relatório não impedirá que membros de alto escalão do comando militar envolvidos nas políticas homicidas de Bolsonaro continuem a agir livremente.

A denúncia de Bolsonaro em Haia, a mais grave das medidas anunciadas pela CPI, é uma fraude clara. O responsável pelo relatório, o senador Renan Calheiros, declarou que seria necessário ir a Haia devido à “inação” da justiça brasileira. Mas os responsáveis por esta inação, o Presidente da Câmara Arthur Lira e o Procurador Geral Augusto Aras, foram nomeados com o apoio de todas as forças políticas envolvidas na elaboração do relatório, incluindo o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) de Renan Calheiros. Dado que eles não estão agindo sob os ditames de uma ditadura comandada por Bolsonaro, mas devido a interesses políticos e de classe em comum, é certo que Haia não aceitará o caso.

A verdade é que nenhum partido representado no Congresso brasileiro seria capaz de alegar inocência em relação aos crimes dos quais Bolsonaro é acusado.

Nenhum responsável pelas milhões de mortes pela COVID-19 em todo o mundo foi julgado e condenado por uma política consciente que eles sabiam que levaria à morte em massa. Nos poucos lugares onde foram realizadas “investigações”, como no Reino Unido, os relatórios resultantes são fraudes completas, alegando que as políticas de “imunidade de rebanho” foram erros honestos que seguiram as diretrizes científicas.

De modo mais fundamental, mesmo as forças políticas que tentaram estratégias de “mitigação” da COVID-19, e não adotaram as práticas mais sociopáticas da resposta de Bolsonaro, subordinaram suas políticas ao imperativo do sistema de lucro capitalista para assegurar o fluxo de dinheiro para os mercados financeiros, e aceitaram que a imunidade de rebanho era necessária, mesmo ao preço de mais de 4 milhões de mortes oficiais ao redor do globo até o momento, um número que é certamente uma grande subestimação.

Ao fazer isso, elas fortaleceram as forças de extrema-direita mais perversas, personificadas pelas figuras fascistoides de Trump e Bolsonaro. Os dois ainda estão unidos na organização de preparativos para uma ditadura, um processo impulsionado pela incompatibilidade das formas democráticas de governo com o crescimento obsceno da desigualdade social em meio a tal catástrofe para bilhões de trabalhadores. A covardia da CPI brasileira diante de figuras militares como o general Braga Netto sintetiza a postura dos opositores burgueses declarados da extrema-direita em todo o mundo.

Somente a classe trabalhadora internacional pode levar os responsáveis pela carnificina da COVID-19 à justiça. Ela deve realizar esta tarefa vital como parte da luta para pôr um fim à pandemia e derrotar as tentativas de fazer os trabalhadores pagarem por suas consequências catastróficas através de ataques aos empregos, salários e condições de vida. Somente a classe trabalhadora tem um interesse objetivo e a capacidade de realizar as políticas cientificamente fundamentadas necessárias para eliminar o coronavírus.

Para fazer avançar esta luta, o WSWS e a Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB) estão promovendo conjuntamente o seminário online de 24 de outubro intitulado 'Como acabar com a pandemia'. Convocamos a todos os nossos apoiadores e leitores a assistir ao webinar e fazer parte dessa luta.

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