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Perspectivas

Cúpula científica adverte sobre a escalada da pandemia

Publicado originalmente em 6 de novembro de 2021

Na última quarta e quinta-feira, a World Health Network (Rede Mundial de Saúde – WHN) realizou sua segunda “Cúpula Global para Acabar com Pandemias” online, que contou com mais de 20 cientistas destacados que defenderam a eliminação global da COVID-19. A reunião de cúpula forneceu mais fundamentos para a defesa da eliminação global apresentada no webinário “Como acabar com a pandemia” de 24 de outubro, organizado pelo World Socialist Web Site e pela Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB).

A cúpula da WHN conteve 22 sessões diferentes, com duração aproximada de 25 horas. Ela cobriu os aspectos científicos mais essenciais da pandemia da COVID-19. O Dr. Michael Baker da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, e a Dra. Malgorzata Gasperowicz da Universidade de Calgary, no Canadá, fizeram apresentações semelhantes às apresentadas no webinário do WSWS, descrevendo as medidas necessárias para parar a pandemia.

O Dr. Baker, que aconselhou com sucesso o governo da Nova Zelândia sobre como eliminar a COVID-19 no início da pandemia, deixou claro que a recente mudança na política do governo tinha enfrentado a objeção dos cientistas, incluindo ele próprio. Ele declarou: “A certa altura, o governo [da Nova Zelândia] decidiu que precisávamos basicamente aderir ao resto do mundo, e assim mudou para a abordagem que chamamos de “supressão rigorosa”. Muitos cientistas na Nova Zelândia se opuseram a esta mudança, mas o governo sentiu, por várias razões, que não tinha escolha”.

Outros cientistas forneceram relatórios abrangentes sobre transmissão aérea do vírus, a importância do uso de máscaras faciais de alta qualidade, as desigualdades na distribuição global de vacinas, os efeitos da COVID longa, o desenvolvimento de novas variantes do SARS-CoV-2 e outros tópicos. Houve também relatórios sobre a experiência da pandemia em países e regiões específicas do mundo, incluindo Noruega, Suécia, Alemanha, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Taiwan, Qatar, Austrália e outros países.

A cúpula foi realizada em um momento crítico. Novos casos diários globais de COVID-19 estão mais uma vez em ascensão, com quase um milhão de pessoas oficialmente infectadas durante os dois dias da cúpula.

Izhaar Hussain Shaikh, à esquerda, um motorista de ambulância que trabalha para a HelpNow, e outros recolhem um paciente de COVID-19 em sua casa em Mumbai, Índia 28 de maio de 2020 [Crédito: AP Photo/Rafiq Maqbool]

Na semana passada, o número oficial de mortos pela COVID-19 ultrapassou cinco milhões, enquanto as estimativas de excesso de mortos situam o número real em cerca de 17 milhões. Na sexta-feira, foi publicado um estudo no British Medical Journal que constatou que a expectativa de vida diminuiu drasticamente nos países que rejeitaram a estratégia de eliminação, com os homens americanos perdendo em média 2,27 anos de vida em 2020, enquanto “mais de 28 milhões de anos de vida foram perdidos em 2020 em 31 países”. Apesar da situação catastrófica global, os governos de todo o mundo estão acabando com a obrigatoriedade de máscara e todas as medidas de mitigação.

O Dr. Anthony Leonardi, imunologista especializado em linfócitos T da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, falou sobre as últimas pesquisas em COVID longa, uma condição em que os sintomas persistem por semanas ou meses após a infecção inicial. Ele citou vários estudos sobre a COVID longa e enfatizou o caráter exclusivamente prejudicial do vírus, observando que a COVID longa inclui mais de 50 sintomas relatados que “podem abranger sistemas fisiológicos”, com a pesquisa mais alarmante mostrando que a COVID-19 pode causar encefalite, danos neurológicos de longo prazo e o desenvolvimento de distúrbios autoimunes.

O Dr. Leonardi se opôs à reabertura insegura de escolas e redigiu uma carta que foi amplamente divulgada descrevendo os perigos neurológicos da COVID-19 para crianças. Questionado sobre as potenciais implicações de longo prazo das reaberturas inseguras de escolas, o Dr. Leonardi respondeu: “Há uma publicação que lista uma diminuição do tempo de vida produtiva em crianças, e é mais como uma atenuação no momento que elas se tornam adultos. Portanto, é uma péssima ideia, estamos levando crianças a ter doenças crônicas”.

Solicitado a comentar sobre a necessidade de lutar por uma estratégia de eliminação global, o Dr. Leonardi citou um estudo realizado em macacos rhesus que mostrou que cada objeto de teste infectado com COVID-19 formava corpos de Lewy em seu cérebro. Os corpos de Lewy estão associados com a doença de Parkinson e demência.

Desdobrando as implicações desta descoberta, o Dr. Leonardi apresentou um cenário horrível, questionando: “Se isso acontecer em humanos, se começarmos a ter neurodegeneração, quem vai cuidar de todas as pessoas afetadas por ela? Será que realmente queremos colocar quase toda população em risco e ter uma quantidade muito pequena de pessoas capazes de cuidar dessas outras pessoas?

“Acho que há um risco de vermos uma terminação da vida institucionalizada, em que pessoas deixam de ser atendidas, apenas recebem uma droga e morrem”. Ele acrescentou: “Acho que corremos um grande risco de algo assim, simplesmente uma enorme quantidade de pessoas com neurodegeneração e problemas. Portanto, seria muito sábio adotar uma estratégia de eliminação”.

Várias sessões na cúpula destacaram a ciência da transmissão aérea da SARS-CoV-2, com palestrantes enfatizando a necessidade de educar a população sobre esta ciência, exigir o uso universal de máscaras de alta qualidade, melhorar a ventilação em todas as escolas e locais de trabalho, e implementar outras medidas.

Em uma sessão sobre aerossóis, a Dra. Chia Wang da Universidade Nacional Sun Yat-sen em Taiwan comentou: “É realmente hora de atualizarmos o atual paradigma de controle de doenças, incluindo precauções com aerossóis, e devemos prestar mais atenção ao ar que respiramos”.

Em outra sessão, Julia Raifman doutora e mestre da Escola de Saúde Pública da Universidade de Boston, falou sobre os impactos da mudança de 13 de maio de 2021 nas diretrizes do uso de máscaras pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA. Ela se referiu à decisão do CDC como “um erro político histórico que provavelmente terá desdobramentos possivelmente por décadas”.

Ela observou que, em 2020, 43 estados tinham políticas de uso de máscaras, mas que apenas o Havaí manteve suas medidas após maio de 2021, enquanto apenas sete estados e o Distrito de Columbia restabeleceram as políticas de uso de máscaras durante a atual onda da variante Delta.

Na mesma sessão, o cientista Nicolas Smit observou que a mudança das recomendações de uso de máscaras pelo CDC “veio seis dias depois de o CDC finalmente admitir que a transmissão por via aérea estava acontecendo”.

Em uma sessão intitulada “A Big Pharma e o apartheid das vacinas”, o Dr. Anthony Staines da Universidade da cidade de Dublin, na Irlanda, denunciou os monopólios farmacêuticos com fins lucrativos por terem criado desigualdades globais de vacinas. Ele comentou: “Acabamos tendo uma forma monstruosamente ineficiente, muito cara e muito injusta de distribuir recursos pelo mundo, e uma forma que nos coloca em um risco não quantificável. Ninguém sabe se haverá outra nova variante e ninguém sabe se essa nova variante poderá ser pior do que as que temos no momento”.

O conjunto dos relatórios apresentados na cúpula fornecem uma compreensão clara da COVID-19, o caráter terrível da situação atual, e que medidas devem ser tomadas para eliminar o vírus em todo o mundo. O evento deveria ter tido ampla participação e ser assistido por milhões de pessoas. Entretanto, ele foi apagado e ignorado pela grande mídia, sem reportagens no New York Times, no Wall Street Journal ou em qualquer outro veículo de notícias corporativo, ressaltando mais uma vez seu papel em permitir que a pandemia continue.

Fora deste artigo do WSWS, não houve nenhuma reportagem sobre o evento.

Ao assistir a cúpula, era impossível não se espantar com o abismo profundo entre a enorme importância do conteúdo apresentado e a total ausência de publicidade na mídia, o que causou baixa participação em todas as sessões. Em seu ponto mais alto, apenas 80 pessoas compareceram à sessão de abertura, e os grupos de discussão tiveram apenas cerca de 10-30 participantes.

De um ponto de vista puramente científico, os participantes devem ser parabenizados e seu trabalho merece ampla apreciação. Claramente, eles foram motivados por um desejo de ação e dedicaram muito tempo à preparação de seus relatórios.

Entretanto, havia um claro contraste entre o conteúdo científico e a perspectiva política apresentada na cúpula. Privados de uma audiência massiva pela mídia, que alimenta o público com mediocridades e mentiras sobre pandemia, os próprios cientistas apresentaram grande parte de suas conclusões como apelos aos grandes poderes para que lhes ouçam e mudem suas políticas de governo.

Foi apresentado o argumento de que é possível convencer os governos a eliminar a COVID-19 porque isso lhes pouparia dinheiro. De um ponto de vista humanitário, isto deveria ser irrelevante, e há algo profundamente errado com uma sociedade em que é preciso demonstrar que preservar vidas humanas é econômico.

Porém, este argumento é insignificante para as impiedosas elites financeiras que acumularam trilhões de dólares durante a pandemia através do desvio de fundos estatais para o mercado de ações. Só nos EUA, os bilionários aumentaram sua riqueza em 1,8 trilhões de dólares, ou 62%, apenas nos primeiros 18 meses da pandemia. Embora a classe trabalhadora internacional tenha sofrido perdas incalculáveis, os mercados de ações continuam a atingir níveis recordes em todo o mundo.

Os cientistas não são estrategistas políticos. Sem saber como alcançar grandes massas da população e isolados pela mídia, eles tornam-se uma espécie de comunidade fechada. Neste contexto, o webinário de 24 de outubro da WSWS adquire ainda mais importância. Esse evento, que já foi visto por mais de 10.000 pessoas de mais de 100 países, estabeleceu um elo vivo entre a ciência e a classe trabalhadora. Ele apresentou três horas e meia de relatórios científicos, bem como uma clara perspectiva política, enfatizando que a classe trabalhadora é a única força social capaz de acabar com a pandemia.

Uma das lições centrais do webinário de 24 de outubro foi que a luta para acabar com a pandemia requer uma estreita colaboração entre a classe trabalhadora internacional e a comunidade científica. Muitos trabalhadores que participaram do webinário contaram ao WSWS o quão profundamente impactados foram pelos ensinamentos dos cientistas, dizendo que agora têm uma noção clara das medidas que devem ser tomadas para salvar vidas.

Tomados como um todo, os relatórios na cúpula da World Health Network fornecem provas esmagadoras de que a única política pandêmica correta é a que visa a eliminação global da SARS-CoV-2. Para que isto seja implementado, é necessário o desenvolvimento de um movimento de massas da classe trabalhadora internacional armada com um entendimento científico da pandemia. Como Karl Marx disse tão bem, “a teoria se torna uma força material quando se apodera das massas”.

O WSWS continuará a luta para forjar uma aliança de combate entre cientistas e a classe trabalhadora e ajudará a coordenar a luta global necessária para pôr fim à pandemia e salvar milhões de vidas em todo o mundo.

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