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Perspectivas

Onda de greves no quarto trimestre coloca trabalhadores contra sindicatos

Publicado originalmente em 16 de novembro de 2021

A classe trabalhadora nos Estados Unidos está entrando em um conflito direto com a burocracia sindical da AFL-CIO, que está fazendo tudo o que pode para bloquear o desenvolvimento da maior onda de greves em décadas.

Trabalhadores da Deere em greve (UAW Local 838)

Amanhã, o sindicato dos trabalhadores automotivos, United Auto Workers (UAW), estará forçando 10.100 trabalhadores grevistas da John Deere a votar em um acordo de seis anos que é igual ou ainda pior do que a proposta rejeitada pelos trabalhadores em 2 de novembro. A Deere anunciou que o contrato é sua “última, melhor e final” oferta, e o UAW está trabalhando para que ele seja imposto.

Confrontando a resistência militante dos trabalhadores, em que 90% votaram contra o primeiro contrato apoiado pelo UAW em meados de outubro, o UAW está utilizando todos os seus truques sujos. Isso inclui tentar dividir os 3.100 trabalhadores das fábricas de Waterloo, no estado de Iowa ‒ o centro da oposição ‒ organizando 12 horários de votação separados, com uma hora de intervalo, onde os trabalhadores são segregados de acordo com seus sobrenomes.

Ao anunciar a nova votação na semana passada, o UAW declarou que “apoiaria o resultado conforme determinado por nossos membros”, assim como “durante todo o processo de negociação”. Na verdade, o UAW ‒ cujos principais representantes foram expostos como mentirosos corruptos que roubam as mensalidades dos trabalhadores ‒ dedica-se a uma coisa: impor os ditames das empresas em direta oposição à vontade de seus membros.

O esforço para sabotar a greve da Deere, que durou um mês, acontece após o encerramento da greve de 2.900 trabalhadores da Volvo Trucks no estado da Virgínia, que votaram rejeitando três contratos apoiados pelo UAW antes do UAW chamar uma “nova votação” do terceiro contrato, aprovada por 17 votos. O UAW então manteve 3.500 trabalhadores de autopeças da Dana trabalhando por um mês e meio depois de votarem rejeitando por 90% um contrato do UAW, antes de impor um contrato pró-empresa através de mentiras e chantagem econômica.

Não se trata apenas do UAW. Desde 1º de outubro, houve pelo menos 40 greves, envolvendo 28 mil trabalhadores em múltiplos setores da economia. A resposta de cada sindicato a essa revolta tem sido bloquear sistematicamente novas greves com acordos de última hora impostos por todos os meios necessários.

Na segunda-feira, o sindicato de trabalhadores do setor de entretenimento (IATSE) anunciou que seus dois acordos, abrangendo 60 mil trabalhadores da produção cinematográfica e televisiva, haviam sido aprovados por uma fina margem de 50,3% a 49,7%. Os trabalhadores rejeitaram o acordo básico nos estúdios de Hollywood por 50,4% a 49,6%, mas o IATSE declarou que ele foi aprovado baseado no seu sistema não democrático de colégio eleitoral.

Na última sexta-feira, o grupo de sindicatos dos trabalhadores da saúde, Alliance of Health Care Unions, anunciou um acordo para evitar uma greve de 32 mil trabalhadores da saúde nos hospitais da Kaiser Permanente na costa oeste, que começaria ontem. O novo acordo, que ainda não foi votado, inclui aumentos que estão bem abaixo da inflação e abandona as demandas por um número seguro de funcionários.

No final de outubro, o sindicato dos trabalhadores dos transportes anunciou um acordo na última hora para evitar uma greve de 5 mil trabalhadores do trânsito na Filadélfia, e o sindicato dos trabalhadores dos setores alimentar e comercial (UFCW) terminou uma greve de seis semanas por 450 trabalhadores da destilaria Heaven Hill em Bardstown, no estado de Kentucky. Um novo acordo de cinco anos foi aprovado na Heaven Hill mesmo diante do voto pela sua rejeição, com o UFCW declarando que era preciso o voto “não” de dois terços dos membros para derrotar o contrato e continuar a greve.

Talvez o pior de tudo sejam os sindicatos de professores, liderados por multimilionários, cuja principal função no último ano foi levar os professores de volta ao trabalho em escolas inseguras. Isso está ajudando a alimentar outro surto mortal da pandemia do coronavírus, que já matou mais de um milhão de pessoas nos EUA e continua a tirar a vida de mais de mil pessoas todos os dias.

O ressurgimento da luta de classes expôs claramente o verdadeiro caráter dos sindicatos, que são melhor descritos como organizações patronais ‒ instrumentos empresariais da administração e do Estado dedicados à supressão da oposição da classe trabalhadora.

Não há um traço de direitos democráticos nessas organizações. Em todos os casos, a operação é a mesma. Os votos pela autorização de greve são ignorados. Os contratos rejeitados por maiorias esmagadoras são apresentados repetidas vezes para uma nova votação. Muitas vezes, como no caso da Deere, os trabalhadores não possuem sequer o direito de ler o contrato completo antes da votação, sendo apresentados trechos de “destaque” mentirosos. Quando os sindicatos decidem que não podem impedir uma greve, os trabalhadores são isolados nos piquetes e recebem quantias a nível de pobreza do fundo de greve.

Leon Trotsky, o fundador da Quarta Internacional, explicou em 1937 que, se os sindicatos “defenderem a renda da burguesia dos ataques dos trabalhadores; se eles conduzirem uma luta contra greves, contra o aumento dos salários, contra o auxílio aos desempregados; então teríamos uma organização de fura-greves, não um sindicato”.

Esse é precisamente o papel dos sindicatos hoje, embora possa ser acrescentado, com base na experiência dos últimos dois anos: “se eles facilitarem a implementação de uma política que garanta a morte de vários dos seus próprios membros, forçando-os a trabalhar em meio a uma pandemia...”. As frentes para o trabalho criadas pelo regime nazista na Alemanha não funcionavam de forma diferente da AFL-CIO.

Os defensores da burocracia sindical acusam o Partido Socialista pela Igualdade de “sectarismo”, pois insistimos que os trabalhadores não se curvem diante da autoridade dos corrompidos sindicatos e, em vez disso, que devem construir novas organizações de luta comprometidas com a defesa da classe trabalhadora. A promoção dos sindicatos pelos Socialistas Democráticos dos EUA (DSA), a revista Jacobin, a revista Labor Notes e muitos outros grupos não é por acaso. Eles defendem os sindicatos precisamente porque servem como uma força policial sobre a classe trabalhadora.

Essas organizações, que falam por seções privilegiadas da classe média alta, estão alinhadas a seções significativas da classe dominante, lideradas pela administração Biden, que vêem nos sindicatos a última linha de defesa contra uma onda crescente de revolta e oposição da classe trabalhadora. Restam-lhes muito poucas opções, exceto o estabelecimento de uma ditadura militar-policial, embora os sindicatos existentes funcionariam sem muitos problemas sob condições de um estado policial.

A revolta da classe trabalhadora contra os sindicatos pró-capitalistas e nacionalistas é hoje uma realidade inegável. Ela também não está limitada aos Estados Unidos. No Reino Unido, os sindicatos estão tentando bloquear uma greve de 1,4 milhões de trabalhadores do serviço de saúde pública nacional (NHS); na Alemanha, o IG Metall está conspirando na reestruturação e no corte de empregos na indústria automobilística; e no Sri Lanka, os sindicatos estão procurando conter as lutas nacionais de educadores, de trabalhadores do setor de saúde e outros trabalhadores do setor público exigindo aumentos e proteção contra a pandemia.

O Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) antecipou esta realidade há muito tempo. Há três décadas, o CIQI concluiu que os sindicatos não poderiam mais ser chamados de “organizações dos trabalhadores”. Em maio passado, em resposta ao papel dos sindicatos, impondo a resposta homicida da classe dominante à pandemia, o CIQI iniciou a formação da Aliança Operária Internacional de Comitês de Base (AOI-CB).

O chamado pela formação de comitês de base está tendo uma poderosa resposta. Foram criados comitês de base entre educadores, trabalhadores de logística e trabalhadores de autopeças e automotivos, incluindo os trabalhadores da Volvo Trucks, Dana e Deere. Os comitês criaram um meio para os trabalhadores se comunicarem entre os locais de trabalho, indústrias e países, para alertarem uns aos outros e combaterem a sabotagem das burocracias sindicais.

O desenvolvimento desses comitês deve ser estendido a todos os setores e locais de trabalho, nos EUA e internacionalmente, e ligado à construção de uma liderança política na classe trabalhadora para trazer para as suas lutas um programa socialista direcionado contra todo o sistema capitalista.

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