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A eleição no Chile: Boric e pseudoesquerda não oferecem resistência contra ameaça do fascismo

Publicado originalmente em 3 de dezembro de 2021

Uma enorme pressão está sendo exercida sobre os trabalhadores e jovens chilenos para que votem em Gabriel Boric, da coalizão Apruebo Dignidad, no segundo turno da eleição presidencial. Boric, que recebeu 25,8% dos votos no primeiro turno, enfrentará o candidato fascistoide da Frente Social Cristiana, José Antonio Kast, que obteve 27,9% dos votos, em 19 de dezembro.

A classe trabalhadora tem todos os motivos para ficar alarmada com o crescimento eleitoral da direita fascista no Chile. O programa de Kast de cortar os gastos públicos e acabar com o setor público, baixar os impostos para os super ricos e erguer um estado policial tem como objetivo fazer a classe trabalhadora pagar pela crise do capitalismo chileno, que tem sido aprofundada pela resposta criminalmente negligente do governo à pandemia de COVID-19 durante os últimos 18 meses.

Uma ampla campanha de propaganda está sendo realizada para vender a coalizão entre a Frente Ampla e o Partido Comunista como uma alternativa da “esquerda radical” em relação à direita. Não é nada disso. Boric, um líder universitário radical dos protestos educacionais de 2011, é, desde 2014, deputado federal. Em 2019, ele iniciou de forma infame negociações de unidade nacional com o atual governo de direita do presidente Sebastian Piñera para conter as massivas manifestações anticapitalistas. Embora a história do Partido Comunista seja muito mais longa e complexa, hoje ele é um partido completamente burguês.

Gabriel Boric (Credit: Mediabanco)

A Frente Ampla tem como modelo o grupo espanhol de pseudoesquerda Podemos e o governo que formou com o Partido Socialista Operário Espanhol em 2020. Enquanto no Chile foi o presidente bilionário de direita Piñera que permitiu que o novo coronavírus se espalhasse pelos bairros operários, na Espanha isso aconteceu sob a supervisão do governo de coalizão entre o Podemos e o PSOE. Foram registrados 88.000 mortes por COVID-19 e mais de 5,1 milhões de casos na Espanha enquanto o falso regime de esquerda mantinha as indústrias não essenciais abertas. O governo do Podemos-PSOE também tem minimizado deliberadamente o perigo crescente de conspirações militares fascistas para derrubar o governo, ao mesmo tempo que reprime a onda de greve que está varrendo o país.

A oposição parlamentar do Chile, que está desesperada para se agarrar a algum poder político, saiu em favor de Boric. Dos democratas-cristãos ao Partido Socialista, eles estão cinicamente tocando os sinos de alerta sobre a ascensão de Kast.

“Vou votar em Gabriel Boric”, disse a candidata presidencial democrata-cristã Yasna Provoste no dia seguinte à derrota nas eleições do primeiro turno. “José Antonio Kast representa a inversão de todos os avanços e o sério risco de mergulhar o país em uma nova onda de violência...”.

Apoiar Boric “é o que qualquer democrata faria hoje, seja ele um democrata liberal, um democrata de direita, um democrata de centro-esquerda ou um democrata de esquerda. O que está em jogo hoje é a democracia, o que está em jogo hoje é o respeito aos direitos humanos”, argumentou o senador do Partido para a Democracia (PPD) Guido Girardi. Suas observações foram ecoadas por Ricardo Lagos (PPD), Álvaro Elizalde (PS), Jaime Naranjo (PPD) e outros dinossauros da antiga coalizão de centro-esquerda que governou o país.

No entanto, nos últimos três anos, todos eles apoiaram tacitamente a cruzada de lei e ordem de Kast quando Piñera obteve aprovação parlamentar para aspectos-chave de sua plataforma para desencadear a repressão contra protestos sociais, imigrantes e comunidades indígenas.

Kast também não caiu do céu. Ele foi um congressista de longa data da União Democrática Independente (UDI), um partido de extrema direita estreitamente associado à ditadura fascista-militar do general Augusto Pinochet. Como os assistentes civis de Pinochet treinados na Universidade de Chicago e em Harvard, a centro-esquerda parlamentar pós-ditadura também esteve ligado ao imperialismo em uma situação política convulsiva na década de 1980. Quando as lutas da classe trabalhadora explodiram naquela década em resposta a uma profunda recessão e à sangrenta repressão militar, a oposição política de centro-esquerda canalizou a rebelião incipiente em apelos para um retorno à democracia parlamentar, na qual a aliança fascista entre militares e civis foi deixada intacta.

O maior medo da esquerda “renovada” e do stalinista Partido Comunista foi um retorno às lutas revolucionárias de 1970-1973, quando a questão da dualidade de poder estava claramente colocada no Chile. Mais de uma década havia passado desde que o governo de Unidade Popular de Salvador Allende reinava com sucesso nos comitês de base, nos cinturões industriais e em outros órgãos organizativos do proletariado, antes do golpe de estado de 11 de setembro de 1973 financiado e apoiado pelo imperialismo americano.

Sua principal arma ideológica foi a teoria stalinista de revolução em duas etapas e a falida “via parlamentar pacífica para o socialismo” através de Frentes Populares – ambas desarmando a classe trabalhadora e impedindo sua mobilização no momento crucial. Fazia parte desta ideologia a promoção do excepcionalismo nacional, com a alegação de que as instituições estatais do Chile, sua polícia e suas forças armadas tinham um legado de respeito às normas democráticas e constitucionais.

Esses enganadores foram capazes de paralisar efetivamente a ação política da classe trabalhadora por causa de seu domínio sobre o movimento operário nos anos 1970 e porque não existia nenhum partido do tipo bolchevique para oferecer uma direção política.

Sob a influência do revisionismo pablista e sua alegação de que a Revolução Cubana de 1959 provou que a revolução socialista poderia ser realizada através de “instrumentos embotados”, ou seja, movimentos de guerrilha nacionalistas pequeno-burgueses, sem a participação da classe trabalhadora ou a direção de um partido de vanguarda marxista consciente, a seção chilena da Quarta Internacional havia abandonado o marxismo e se liquidado no Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR) guerrilheiro nos anos 1960.

A transição da ditadura para o governo civil no final dos anos 1980 foi deliberadamente realizada sem sequer tocar nos pilares do regime pinochetista – a lei de anistia protegendo os militares de processos judiciais, a constituição autoritária, a autonomia dos carabineros e das Forças Armadas, o estado subsidiário e a extrema desigualdade social. Os stalinistas – permaneceram na periferia parlamentar, mas ocupavam cargos sindicais – limitaram-se às exigências burguesas de reformular a Constituição de Pinochet e de “democratizar” o aparato estatal.

É nas condições atuais de um período revolucionário renovado que a burguesia conta com a pseudoesquerda para desempenhar o papel da antiga e profundamente odiada casta política que surgiu na transição do governo militar para o civil há três décadas e da Unidade Popular em um período anterior.

Como todas as variantes anteriores, a Apruebo Dignidad está comprometida com o capitalismo e se dedica a defender o Estado-nação capitalista.

“Estamos nos preparando para ser um governo que proporciona certeza de mudança e traz estabilidade ao nosso país. Cientes do momento que estamos atravessando, apresentamos este plano governamental feito com a maior responsabilidade”, afirma o programa da coalizão. Os elogios à estabilidade e responsabilidade são dirigidos aos investidores chilenos e internacionais, garantindo que no poder serão “fiscalmente responsáveis”.

Se a classe capitalista chilena historicamente fraca, subserviente e virulentamente anticomunista está comprando seu programa é outra questão. O presidente da Confederação de Produção e Comércio novamente levantou preocupações sobre a inclusão do Partido Comunista na aliança. Procurando acalmar quaisquer temores, Boric respondeu dizendo: “temos o dever de falar com todos, e de reunir todos, e neste sentido, as grandes empresas ... têm de fazer parte deste processo de transformação”.

A função específica desta coalizão eleitoral é bloquear a luta de uma classe trabalhadora cada vez mais rebelde e militante que inevitavelmente entrará em conflito com a classe dominante e seus servidores em meio à pior crise capitalista global desde o período entre as duas guerras.

Apesar de a mídia promover Boric como um “esquerdista radical”, a coalizão entre a Frente Ampla e o Partido Comunista faz parte da pseudoesquerda, cuja base social é a classe média-alta – advogados, profissionais liberais, acadêmicos, as burocracias políticas e sindicais, funcionários públicos, artistas e celebridades da mídia. É profundamente hostil à mobilização independente da classe trabalhadora e se opõe à luta pela igualdade social.

Menos de duas semanas após o primeiro turno, a coalizão Apruebo Dignidad começou a abandonar as promessas de iniciar mudanças “transformadoras” em detrimento do discurso de lei e ordem. Em uma tentativa de cortejar a centro-direita, Boric retomou todos os pontos falados por Kast de ser duro no combate à delinquência, assegurando “o compromisso inabalável de enfrentar o tráfico de drogas, o crime e recuperar espaços públicos com segurança...”.

O World Socialist Web Site alerta que um governo da pseudoesquerda/stalinista trabalhará para imobilizar as lutas da classe trabalhadora. Com base na história dessas tendências no Chile e internacionalmente, elas vão colocar uma camisa-de-força em qualquer movimento contra o capitalismo e, em determinado momento, irão reprimi-lo com a força do estado. Essa traição de expectativas e aspirações servirá apenas para desmoralizar as massas e fortalecer ainda mais as forças fascistas e reacionárias.

A classe trabalhadora só pode se defender através da construção de um partido totalmente independente da classe capitalista, baseado em um programa revolucionário internacionalista, voltado para o estabelecimento do poder operário, a abolição do capitalismo e a instauração de uma sociedade socialista mundial.

O Comitê Internacional da Quarta Internacional (CIQI) é a única organização política que procura organizar e unificar a classe trabalhadora internacionalmente na luta contra a exploração capitalista, a pobreza e a guerra. Suas décadas de luta em defesa dos princípios marxistas e trotskistas incorporam uma experiência política colossal e os alicerces de uma perspectiva minuciosamente elaborada para armar a classe trabalhadora para a presente época revolucionária.

A questão estratégica decisiva hoje é a construção do CIQI. Fazemos um chamado aos trabalhadores, intelectuais e jovens politicamente conscientes no Chile e internacionalmente para estudar a perspectiva do CIQI, o Partido Mundial da Revolução Socialista, e iniciar a construção de uma seção nacional.

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