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Volta às aulas no Brasil lota UTIs pediátricas

Enquanto a mídia e o governo brasileiro dão destaque à diminuição nas taxas de ocupação de leitos de UTIs para adultos, leitos pediátricos estão recebendo um número explosivo de novos pacientes. Crianças estão sendo terrivelmente impactadas com o espalhamento da variante Ômicron da COVID-19.

Em Santa Catarina, a taxa de ocupação de leitos de UTI pediátricos para tratamento de COVID-19 aumentou 433% nos primeiros quinze dias de fevereiro e, entre dezembro e janeiro, o número de internações de menores de 15 anos subiu quase 12 vezes. O estado do Rio de Janeiro registrou um aumento de 850% na ocupação dos leitos de UTIs pediátricas entre dezembro do ano passado e janeiro, com o número de crianças de 6 a 12 anos internadas saltando de 6 para 57.

Retorno às aulas presenciais em setembro de 2021 em Olinda, Pernambuco (Wikimedia Commons)

Uma reportagem da CNN Brasil revelou que, no dia 8 de fevereiro, apenas oito leitos de UTIs pediátricas estavam disponíveis para todo o estado do Rio de Janeiro, todos concentrados em apenas dois hospitais da capital. Situações similares ocorrem em todo o país.

Relatos dos trabalhadores da saúde mostram que a nova variante, promovida como “leve” por governos em todo o mundo, está levando à internação de crianças em níveis sem precedentes.

Em um hospital pediátrico de referência em Goiânia, capital do estado de Goiás, a médica intensivista, Fernanda Peixoto, relatou no início do mês que nunca houve um número tão grande de crianças hospitalizadas e que as crianças com COVID-19 podem permanecer mais de um mês internadas.

No estado do Ceará, a pediatra intensivista, Manuela Monte, que trabalha em um hospital infantil na capital, Fortaleza, declarou à BBC: “Somos hospital de referência, e nossa UTI pediátrica de covid ficou lotada em janeiro, enquanto o atendimento para adultos ficou relativamente tranquilo”. Ela acrescentou: “Tem vindo crianças de todas as faixas etárias com covid. E tivemos casos graves em crianças que não tinham nenhum problema de saúde. Por causa do sistema imune abalado pela covid, acabaram pegando infecção bacteriana, pneumonia ou meningite antes de chegar ao hospital”.

Segundo o boletim epidemiológico da secretaria de Saúde da capital do Rio de Janeiro, o número de internações de crianças em janeiro foi cerca de cinco vezes maior do que durante a segunda onda causada pelas variantes Gama e Delta no ano passado.

Os surtos de internações estão ocorrendo enquanto milhões de crianças continuam não vacinadas, com os estados registrando disparidades nos índices de vacinação, atrasos e faltas de doses. Até o dia 16, enquanto Paraná, São Paulo e Distrito Federal possuem, respectivamente, 28,1%, 28,6% e 34,6% das crianças entre 5 e 11 anos vacinadas com a primeira dose, a maioria dos estados que disponibilizaram dados possui menos de 20% de cobertura. É o caso do Amapá, Mato Grosso do Sul e Pernambuco, que vacinaram 5,4%, 12,9% e 12,5%, respectivamente. Na quinta-feira, o secretário de Saúde do estado do Rio de Janeiro anunciou a interrupção da vacinação por uma semana por falta de doses pediátricas.

Apesar dos hospitais já estarem sobrecarregados, o início das aulas nas redes estaduais de ensino em todo o país desde 7 de fevereiro ainda não causou todo seu impacto potencial sobre os sistemas de saúde. Com a reabertura das escolas, milhões de estudantes não vacinados e trabalhadores da educação estão sendo colocados em escolas lotadas e no transporte público, o que vai impulsionar diretamente novos surtos da pandemia.

Em Manaus, capital do Amazonas, epicentro mundial do coronavírus em 2020 e 2021, e onde a reabertura escolar foi fator decisivo para a geração da variante Gama, o epidemiologista da Fiocruz, Jesem Orellana, alertou à rádio local 18 Horas: “O retorno ao ensino presencial em 14 de fevereiro de 2022 para crianças de 5-11 anos pode ser considerado precoce e põe em risco o bem-estar e até mesmo a vida do estudante e, também, de uma extensa cadeia de possíveis contatos, dentro (trabalhadores de educação em geral) e fora da escola (transporte coletivo, lanchonetes, LAN house, por exemplo), pois ainda há dezenas de milhares de pessoas não vacinadas ou incompletamente vacinadas no Amazonas”.

Na quinta-feira, três dias depois da reabertura escolar na rede estadual e na capital, o governo do Amazonas anunciou a desmobilização do hospital de combate Nilton Lins, que foi ativado em janeiro de 2021 durante o surto da variante Gama.

A reabertura escolar está acontecendo ao mesmo tempo em que é declarado na mídia, por um lado, que a Ômicron chegou a um platô e, por outro, que o salto no número de casos implicaria em uma queda subsequente igualmente abrupta.

Ao contrário do que o governo e a mídia estão declarando, a situação continua grave e o risco de novos surtos não acabou. Em 15 de fevereiro, o Observatório Fiocruz divulgou uma nota apontando que quatro estados e sete capitais permaneciam com taxas de ocupação de UTIs acima de 80%, com o Distrito Federal registrando 99% de ocupação. Outros 14 estados e 12 capitais permaneciam acima de 60% de ocupação.

Em fevereiro, foram registrados os primeiros casos da subvariante BA.2 da Ômicron no Brasil. Um estudo realizado por quatro universidades japonesas, ainda não revisado por pares, indicou que esta seria uma versão mais agressiva que a original, altamente resistente às vacinas e capaz de reinfectar pessoas já acometidas pela BA.1.

Em entrevista ao Globo, Salmo Raskin, geneticista e diretor do Laboratório Genetika em Curitiba, no estado do Paraná, disse: “Esse estudo serve de alerta. Muito se fala sobre o risco de a BA.2 superar a BA.1 como cepa dominante, como já ocorreu na Dinamarca, Índia, Filipinas e Cingapura. Uma possível disseminação dessa subvariante no Brasil poderia interromper nosso início de declínio dos casos, gerando novos picos e mortes”.

Os surtos de casos, a internação de grandes números de pacientes nos hospitais e o abandono de qualquer política de controle do espalhamento da doença pelos governos estaduais e federal marcam a adoção aberta por todas as seções do establishment político brasileiro da política de “imunidade de rebanho” através da infecção em massa da população. Com o registro recorrente de mais de mil óbitos diários desde o início do mês, a resposta da classe dominante é promover o “novo normal” de infecções e mortes em larga escala.

No final do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro iniciou uma campanha de ataques à vacinação infantil, declarou que ela seria uma decisão individual dos pais e que os obrigaria a obter uma receita médica para vacinar os filhos. Enquanto isso, seu ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, atrasou o início da vacinação de crianças entre 5 e 11 anos de idade, realizando uma “audiência pública” que deu voz a figuras fascistoides antivacinas diretamente promovidas pelo governo. Essa campanha continua, com ministros de Bolsonaro atacando nas últimas semanas a vacinação das crianças como uma violação de direitos humanos.

Enquanto isso, a resposta à pandemia dos governos estaduais, inclusive nos estados governados pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e seus aliados, está se tornando indistinguível daquela promovida pelo presidente fascistoide.

Rio de Janeiro e São Paulo haviam anunciado em outubro o fim da obrigatoriedade do uso de máscaras e só recuaram diante do surto de casos no final do ano passado. Os estados estão promovendo agressivamente a reabertura escolar, descartando qualquer meta de vacinação e declarando que as escolas estão “preparadas” para receber os estudantes.

O governador da Bahia, Rui Costa, do PT, prometeu em janeiro não implementar mais nenhuma restrição para a COVID-19 que afete a economia: “Neste momento, não vamos alcançar nenhuma outra estrutura econômica”. Ele acrescentou: “As escolas voltarão dia 7, presencial, não será híbrido nem virtual”. Enquanto isso, o governador do Ceará, Camilo Santana, também do PT, se limitou à “recomendação” de adiar as aulas por 15 dias, limitação do público nos estádios para 30% da capacidade e a obrigatoriedade do uso de máscaras N95 nas farmácias, escolas e supermercados.

O presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, assumiu o papel sórdido de promover o ensino presencial em diversos jornais e canais de televisão. Em entrevista à CNN, após afirmar que o risco de desenvolvimento da forma grave e até do óbito por COVID-19 entre crianças é “muito maior do que pneumonia, gripe, sarampo, paralisia infantil”, Kfouri defendeu o retorno às aulas, afirmando: “O receio da volta as aulas sem vacina, eu acho que não devemos ter. Até porque quem for esperar as vacinas funcionarem ... estamos falando de uma volta às aulas em maio, das crianças acima de cinco anos, porque abaixo não vamos ter oportunidade ainda. Não há hoje nenhuma justificativa para nós mantermos as crianças fora das escolas presenciais aguardando as vacinas”.

A resposta do governo federal e dos governadores à pandemia revelam que não há qualquer preocupação com a “saúde mental” e a “educação” das crianças, como foi propagado na mídia corporativa ao longo da pandemia para justificar as reaberturas mortais.

Durante os períodos de ensino remoto e híbrido, tudo foi planejado não para garantir o aprendizado e a saúde dos estudantes, mas para enriquecer as grandes corporações, com vários estados realizando acordos com plataformas de ensino em massa e contratos de centenas de milhões de reais com operadoras de telefonia móvel enquanto grande parte das crianças sequer possuía acesso a equipamentos digitais e ambientes adequados para o aprendizado. Desde o início da pandemia, centenas de milhares de jovens foram forçados a abandonar os estudos para garantir a renda familiar.

A principal preocupação da elite dominante sempre foi garantir que os pais retornassem aos locais de trabalho para garantir os lucros das grandes empresas.

A classe dominante no Brasil está atacando as medidas de saúde pública necessárias para eliminar o vírus, a única estratégia viável para impedir o contágio e a morte em larga escala nos próximos meses e anos, e promovendo em seu lugar o contágio em massa da população cada vez mais abertamente. Essa política mortal, que visa garantir a continuidade dos lucros das grandes empresas e o enriquecimento obsceno dos bilionários, deve ser respondida pela classe trabalhadora brasileira e internacional com uma estratégia para eliminar o vírus e salvar vidas.

A vacina é um componente decisivo de um conjunto de medidas no combate à pandemia e deve ser combinada com os lockdowns temporários, testagem e rastreamento de contatos, obrigatoriedade do uso de máscaras, o controle das viagens e a garantia de renda integral para todos os trabalhadores afetados.

Diferentemente das mortes em massa sem fim sendo impostas pelos governos capitalistas em todo o mundo, tais medidas são capazes de pôr fim à pandemia em uma questão de meses. O Comitê de Base pela Educação Segura no Brasil (CBES-BR) está organizando a luta contra a política criminosa do governo em resposta à pandemia e chama todos aqueles que concordam com a necessidade da eliminação do vírus a entrarem imediatamente em contato.

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