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Perspectivas

Xangai reabre após suprimir a COVID-19: Um triunfo para a ciência e a saúde pública

Publicado originalmente em 2 de junho de 2022

A maior cidade da China, Xangai, praticamente reabriu totalmente na quarta-feira de manhã depois de um lockdown de dois meses que conseguiu acabar com um surto da muito mais infecciosa subvariante BA.2 da Ômicron. O evento foi um triunfo da mobilização da saúde pública depois de ter registrado quase 30 mil casos por dia em meados de abril e tirado a vida de pelo menos 600 pessoas, na sua maioria idosas e não vacinadas.

Durante esses dois meses, a maioria dos escritórios, fábricas e outros locais de trabalho foram fechados, embora a produção tenha continuado em certas indústrias-chave, com poucos trabalhadores que deixavam o serviço em um processo conhecido como sistema de ciclo fechado. As escolas mudaram para a ensino remoto, o trânsito de massa estava praticamente vazio e as poucas lojas que permaneciam abertas podiam fornecer mercadorias somente para serem retiradas. A própria cidade foi isolada do resto do país, com os visitantes autorizados a entrar somente após um período de quarentena de 14 dias.

A maioria dos residentes permaneceu em suas casas, com a internet como sua principal ligação com o mundo exterior. As entregas de alimentos e outros produtos básicos foram organizadas através de extensas redes de blocos habitacionais e comitês de bairro do país, posteriormente substituídas pelo governo.

Na quarta-feira, quase um milhão de passageiros indo ao trabalho estavam utilizando o metrô à medida que lojas e shoppings estão reabrindo rapidamente. Cerca de 330.000 carros estavam percorrendo as ruas da cidade. O emblemático shopping de Xangai, Yuyuan Garden, reabriu operando em horário normal. Supermercados abriram suas portas para os clientes locais. Até mesmo a maior montadora de automóveis de Xangai, a SAIC Motor, informou que está operando com 80% de sua capacidade.

Mais de 22,5 milhões de residentes (90% da população de Xangai) vivem agora em áreas de baixo risco, onde não existem casos há mais de duas semanas. Os rigorosos testes quinzenais de PCR contra a COVID-19 continuam, com o sistema de saúde pública permanecendo em alerta total. Como observou um residente falando com o South China Morning Post da China: “As sirenes e o barulho dos veículos estão de volta aos níveis pré-lockdown, mas esta é o Xangai que conhecemos, pelo bem ou pelo mal”.

É impossível exagerar o significado político da luta bem-sucedida contra a COVID-19 em Xangai. Não pode mais haver mais dúvida sobre qual política deve ser implementada para proteger a população mundial contra esta doença mortal.

Como declara a segunda das célebres teses de Marx sobre Feuerbach: “A questão se a verdade objetiva pode ser atribuída ao pensamento humano não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na práxis que o homem deve demonstrar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno do seu pensamento.”

O exemplo da China prova que a política de COVID zero é eficaz, mesmo contra a variante mais infecciosa do novo coronavírus que surgiu até agora. O surto em Xangai aparentemente teve duas causas: casos trazidos de fora da China, inevitáveis dado o papel da cidade na economia mundial, e a implementação negligente da política de COVID zero pelas autoridades da cidade, que foi revertida por Pequim depois que o número de casos começou a disparar.

Gráfico com o número de casos na China desde 1˚ de março (Fonte: WSWS Mídia)

Mesmo assim, o pior dia da pandemia na China, em meados de abril, viu a média de sete dias de casos de COVID-19 chegar a 26.109. Durante esse mesmo período, entre o fim da onda da Ômicron e o início da atual impulsionada pela subvariante BA.2, os Estados Unidos atingiram um mínimo de 27.000 novos casos diários. Agora as infecções diárias nos EUA estão acima de 110.000 novamente, enquanto o número de casos diários em toda a China foi de 68 ontem. Em Xangai, houve apenas 11 casos de COVID-19. A última morte por COVID-19 ocorreu há seis dias.

De maneira mais significativa, ao longo da pandemia, a expectativa de vida na China pela primeira vez superou a dos Estados Unidos. Apesar de os EUA serem mais ricos e com uma infraestrutura médica tecnicamente melhor, as desigualdades no acesso à assistência médica, o aprofundamento da crise social expressa em “mortes por desespero” (mortes por opioides, suicídios e mortes relacionadas ao consumo de drogas e álcool) e, acima de tudo, a perda de 1 milhão de vidas para uma doença que era completamente evitável, levaram a um declínio sem precedentes na expectativa de vida, um dos indicadores de qualidade de vida de qualquer sociedade.

Em contrapartida, o número de mortes por COVID-19 na China foi de 5.226. E de acordo com o relatório de excesso de mortes divulgado recentemente pela OMS, a China registrou 52.000 mortes a menos do que o esperado. Em outras palavras, os esforços para combater a pandemia também salvaram as vidas de pessoas que não foram infectadas pela COVID-19.

Em relação à saúde pública, os esforços para conter a infecção causada por um vírus transmitido predominantemente pelo ar e tão infeccioso como a variante Ômicron em uma cidade de 26 milhões de habitantes densamente povoada é um tributo notável às iniciativas empreendidas para eliminar a doença da metrópole.

A política de COVID zero também derruba as incessantes alegações da imprensa burguesa de que a população tinha que aceitar viver com a transmissão do vírus e todo os seus efeitos, particularmente com a perspectiva debilitante da COVID longa se tivesse a sorte de sobreviver à doença.

De fato, os esforços em Xangai merecem tanto elogios quanto um intenso estudo clínico para serem assimilados. Dada a globalização e as mudanças climáticas, espera-se que a chance de vírus saltarem para os humanos irá aumentar. Não será só necessário preparar a infraestrutura internacional para outras pandemias, como também compreender como aplicar essas complexas medidas de combate à pandemia para conter patógenos, como foi demonstrado em Xangai. A política de eliminação é essencial para combater qualquer doença que ameace a população humana.

No entanto, em vez de aplaudir o sucesso da China, a resposta da mídia corporativa americana foi claramente negativa, senão mesmo abertamente hostil. O New York Times, após passar semanas retratando o lockdown como um esforço inútil por parte das autoridades chinesas para realizar o impossível - vencer a Ômicron - através de métodos repressivos e antidemocráticos, não estava disposto a admitir que a política seguida em Xangai tinha sido correta.

Eles retrataram a população de Xangai como se tivesse acabado de sofrer a devastação de um furacão ou de um terremoto, ou como se tivesse sido atingida por um bombardeio militar de meses, respirando aliviado pelo fim do sofrimento em massa, em vez de celebrar uma vitória sobre um vírus que ameaçava a vida.

Os repórteres do Times até encontraram um estudante universitário de Xangai que disse: “Acho que os danos causados pelas medidas de combate à pandemia são piores do que os danos do próprio vírus”. Os repórteres foram aparentemente encarregados de encontrar pelo menos uma entre um bilhão de pessoas na China para fazer eco às palavras do colunista do Times Thomas Friedman, que inaugurou a campanha dos EUA contra os lockdowns há dois anos alertando que “a cura não pode ser pior do que a doença”.

Nenhuma vez a mídia oficial de Wall Street discutiu o desastre econômico que aconteceria no mundo se a China tivesse permitido que a política de “aprender a viver com o vírus” ditasse sua estratégia. Durante a onda da Ômicron no inverno passado, as mortes dispararam fora da China, assim como o afastamento de trabalhadores. Durante um período de seis meses, a China teria enfrentado 1,6 milhão de mortes, um colapso de seu sistema de saúde e uma completa desestabilização da sociedade caso tivesse deixado o vírus se espalhar como nos EUA.

A resposta da mídia corporativa é impulsionada inteiramente pelos interesses de Wall Street e do imperialismo americano. Eles queriam que a China sofresse um colapso diante da Ômicron, tanto para pôr um fim à política de COVID zero que expôs a indiferença dos governos imperialistas à morte em massa de seus cidadãos, quanto para infligir um golpe material significativo contra a China, que Washington vê como sua maior ameaça estratégica.

A resposta honesta e humana à supressão da COVID-19 em Xangai deve ser dupla: felicitar a população chinesa por uma conquista épica; e questionar: por que os Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido e todos os outros países são incapazes de levar adiante uma campanha que salva tantas vidas?

Porque não seguiu a política de COVID zero, Hong Kong está enfrentando uma nova onda de casos com as subvariantes BA.4 e BA.5 da Ômicron, ambas mais contagiosas e agressivas. A África do Sul passou por uma quinta onda de infecções, apesar de quase 100% da população ter imunidade. A Casa Branca advertiu que o outono e o inverno podem assistir a 100 milhões de novas infecções e mais mortes nos Estados Unidos.

O WSWS tem explicado a necessidade de uma estratégia de eliminação. A China, um país de 1,4 bilhão de pessoas, demonstrou que com essa política mesmo um vírus altamente transmissível pode ser contido e eliminado. No entanto, dado o total descaso do resto do mundo com a ameaça a longo prazo colocada pelo SARS-CoV-2, a China enfrentará ainda mais pressões para abandonar a política de eliminação.

Há uma profunda lição política e estratégica: é possível para um país combater a COVID-19, mas não é possível eliminar o vírus em um único país isolado, porque o mundo é uma sociedade global interligada. A luta contra a pandemia é intrinsecamente internacional e requer a mobilização da única classe cujos interesses não estão ligados ao Estado nacional: a classe trabalhadora internacional.

Como parte da luta para desenvolver a consciência política revolucionária da classe trabalhadora, o World Socialist Web Site lançou em novembro passado a Investigação Mundial dos Trabalhadores sobre a Pandemia de COVID-19. Um exame da experiência da classe trabalhadora chinesa na implementação da política de COVID zero é essencial para o trabalho dessa investigação.

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