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A investigação dos apoiadores do golpe de Bolsonaro e a luta contra o autoritarismo no Brasil

Um grupo de oito empresários apoiadores do presidente fascistoide Jair Bolsonaro se tornou alvo, em 23 de agosto, de um mandado de busca e apreensão conduzido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes.

A ação judicial foi motivada por mensagens trocadas num grupo privado de Whatsapp e vazadas pelo Metrópoles, nas quais os empresários defendiam abertamente a instauração de uma ditadura autoritária chefiada por Bolsonaro no Brasil. Além das buscas, o mandado determinou a quebra do sigilo bancário e o bloqueio das redes sociais de seus alvos.

Militares da marinha expõem aparato de guerra nas ruas de Brasília em evento prévio ao Sete de Setembro (Crédito: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

A um mês das eleições presidenciais no país, o episódio revelou o grau elevado da crise política da burguesia brasileira.

A ação de Moraes representa uma resposta exasperada de um setor da elite dominante aos planos em andamento de Bolsonaro para subverter as eleições. A despeito das infinitas garantias da opinião pública burguesa de que essas ameaças abertas e preparações sistemáticas não passam de bravatas irrealizáveis, uma tentativa de golpe eleitoral está inegavelmente em marcha.

Mas a resposta da oposição burguesa aos ataques autoritários do presidente da república não implica um reflorescimento da democracia no Brasil. Pelo contrário, partindo da necessidade de suprimir o irrefreável conflito de classes no país, as forças políticas reunidas em torno das ações de Moraes buscam opor aos ataques abertamente fascistas de Bolsonaro um fortalecimento da máquina estatal burguesa às custas das liberdades democráticas e direito a oposição política.

A decisão de Moraes contra os empresários, divulgada ao público no início da semana, se baseou em um pedido do senador Randolfe Rodrigues (Rede) e ofícios assinados pela presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, e outros parlamentares do PT e do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Esses documentos explicitam o grau de submissão dessas forças de pseudoesquerda ao reacionário Estado burguês brasileiro.

Foi a pedido de Randolfe, também coordenador da campanha política presidencial de Lula, que Moraes decretou a quebra do sigilo bancário e bloqueio das redes sociais dos investigados. Ele baseou seu pedido unicamente nos “fatos noticiados... na coluna de Guilherme Amado” do Metrópoles, isto é, em mensagens vazadas que expressam claro apoio a um golpe de Estado, mas nenhuma evidência concreta de envolvimento nos preparativos de tal golpe.

O senador da Rede concluiu que para “estabelecer a relação do grupo com os atos antidemocráticos, sobretudo o seu financiamento... [o] presente Inquérito, que apura os ataques ao regime democrático, é o melhor instrumento”.

Opinião semelhante foi manifestada pelas parlamentares do PSOL Fernanda Melchionna, Sâmia Bomfim e Vivi Reis, todas pertencentes à corrente morenista Movimento Esquerda Socialista (MES). Elas se dirigiram da seguinte forma a Moraes: “Considerando o teor do Inquérito 4.874/DF, de sua relatoria... vimos solicitar a V. Exa. que considere aditar o procedimento investigatório com o objetivo de apurar as prováveis práticas delitivas dos empresários citados no seu bojo, tomando todas as providências necessárias não apenas para estabelecer responsabilidade criminal devida, mas a de tomar todas as providências que entender cabíveis para garantir que o resultado do pleito eleitoral de 2022 seja plenamente respeitado e cumprido” [nossa ênfase].

A confiança depositada por esses setores da pseudoesquerda em Moraes é gritante. O inquérito por ela aclamado sob o pretexto do enfrentamento a “notícias falsas” e “ataques antidemocráticos” está sendo conduzido a portas fechadas do sistema judicial e pelas costas da população. Seus resultados incluem ataques autoritários, como o banimento do Partido da Causa Operária (PCO) nas redes sociais por questionar os ataques do próprio STF e Moraes à liberdade de expressão, e um avanço da censura à internet.

O histórico de Moraes definitivamente não é o de um paladino da democracia. Ele esteve à frente da Secretaria de Segurança do governo de São Paulo na gestão de Geraldo Alckmin, hoje candidato a vice-presidente de Lula. Moraes é um notável defensor do uso brutal da força policial-militar, e sua gestão como secretário foi marcada pela intensificação da repressão violenta a manifestações políticas e dos assassinatos policiais. Ele passou brevemente pelo Ministério da Justiça de Michel Temer em 2016 antes de ser nomeado ministro do STF.

Tentando se livrar de Bolsonaro por meios que excluem a participação política das massas trabalhadoras e substituem o enfrentamento político à extrema-direita por manobras nos bastidores, a pseudoesquerda revela sua aversão não apenas aos princípios socialistas, mas meramente democráticos.

Mas há um elemento de autoenganação nessas medidas jurídicas, uma tentativa de encobrir as verdades incovenientes que vieram à tona. As mensagens vazadas do grupo de empresários pró-golpe revelaram a falsidade das ilusões promovidas pelo PT e o PSOL com suas “Cartas pela Democracia” assinadas com burocratas sindicais e entidades capitalistas. Essas cartas pregam a ideia complacente de que as manobras golpistas de Bolsonaro não teriam qualquer base real na burguesia e nos militares brasileiros e são opostas pelo imperialismo americano e mundial.

Nas mensagens divulgadas, um empresário exclamava: “Prefiro golpe do que a volta do PT. Um milhão de vezes. E com certeza ninguém vai deixar de fazer negócios com o Brasil. Como fazem com várias ditaduras pelo mundo”. Outro dizia: “O 7 de setembro está sendo programado para unir o povo e o Exército e ao mesmo tempo deixar claro de que lado o Exército está. Estratégia top e o palco será o Rio. A cidade ícone brasileira no exterior. Vai deixar muito claro”.

A mencionada manifestação do Sete de Setembro, em comemoração aos 200 anos de independência do Brasil, está sendo preparada como o primeiro ato do golpe de Bolsonaro. O presidente e seus apoiadores convocaram suas bases fascistas a tomar as ruas “pela última vez”, com uma marcha principal organizada no Rio de Janeiro para coincidir com um massivo desfile militar. Outdoors em Brasília chamam o ato com as frases “agora ou nunca” e por uma “segunda independência do Brasil”, uma referência à derrubada do regime atual.

Notavelmente, os Estados Unidos aceitaram um convite para integrar o desfile da Marinha brasileira em Copacabana. Três dias depois, os militares americanos participarão do exercício naval Unitas com outros 20 países no Rio de Janeiro e anteciparão o envio de dois navios de guerra para o Dia da Independência.

A presença dos navios de guerra americanos inevitavelmente evocará a memória do apoio dos EUA ao golpe militar de 1964 no Brasil. Ele incluiu a Operação Brother Sam, através da qual os Estados Unidos planejaram o envio de uma frota da Marinha ao Rio de Janeiro para apoiar a insurgência dos militares brasileiros contra o presidente eleito João Goulart.

Apesar de Washington não pretender mandar representantes ao palanque de Bolsonaro, sua participação no desfile providenciará uma legitimação crucial às manifestações pró-golpe. Como admitiu o Comandante Militar do Leste, General André Luis Novaes de Miranda, a separação entre o evento militar e o ato dos apoiadores de Bolsonaro é “inviável”.

Segundo a Folha de São Paulo, “a diplomacia americana temia a associação entre sua presença e o discurso golpista do presidente contra o sistema eleitoral”, mas aceitaram participar por um “constrangimento diplomático”. O jornal continua a garantir, no entanto, que “o fato é que os EUA deram sinais inequívocos de reprovação da campanha do presidente [Bolsonaro] contra o sistema eleitoral”.

Mas, se os Estados Unidos puderam ser “constrangidos” a participar de um ato que reconhecem que será instrumentalizado pela tentativa de golpe de Bolsonaro, a alegação do empresário de que “com certeza ninguém vai deixar de fazer negócios com o Brasil, como fazem com várias ditaduras pelo mundo” está sendo significativamente substanciada.

A atitude da pseudoesquerda diante das ameaças colocadas pelo Sete de Setembro é mais uma vez de complacência criminosa. Tomando os graves ataques antidemocráticos como mera “oportunidade” eleitoral ao PT, Randolfe declarou, segundo a Folha, que “o 7 de Setembro poderá ser um divisor de águas na campanha eleitoral, caso se confirmem ‘os intentos golpistas de Bolsonaro’, porque a campanha petista poderia atrair votos de candidatos como Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB)”.

Como afirmou a recente declaração do Grupo Socialista pela Igualdade do Brasil (GSI), “Abaixo as conspirações de Bolsonaro e dos militares!”:

As conspirações ditatoriais atuais precisam ser desarmadas e a classe trabalhadora é a única força social capaz de fazê-lo. Essa luta exige um rompimento político total com o PT, os sindicatos e os partidos da pseudoesquerda responsáveis pela subordinação da classe trabalhadora à burguesia nacional e ao imperialismo. A contraofensiva dos trabalhadores em defesa de seus direitos democráticos e sociais é inseparável de uma luta contra o próprio capitalismo, a causa da austeridade, guerra e ditadura. E ela só poderá avançar com uma estratégia socialista e internacionalista.

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