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Segundo turno das eleições brasileiras é dominado por reacionarismo religioso e policialesco

A campanha para o segundo turno das eleições presidenciais brasileiras, marcado para 30 de outubro, ocorre após uma derrota esmagadora da oposição ao presidente fascistoide Jair Bolsonaro liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições estaduais e para o Congresso Nacional. Ela se deu apesar da liderança do PT na eleição presidencial, na qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou em primeiro lugar com 48% dos votos contra 43% de Bolsonaro.

Presidente Jair Bolsonaro e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT (Alan Santos/PR and Ricardo Stuckert/Instituto Lula) [Photo by Alan Santos/PR and Ricardo Stuckert/Instituto Lula]

Como resultado, o Partido Liberal (PL) de Bolsonaro tornou-se o maior partido da Câmara dos Deputados em mais de 25 anos, ocupando 99 cadeiras, ou 20% do total. Toda a coalizão que agora apoia o PT no segundo turno obteve apenas 108 cadeiras. O PL também será o maior partido do Senado, depois de tomar a liderança dos candidatos que apoiam Lula em estados-chave como São Paulo e Rio Grande do Sul e em bastiões recentes do PT como o Rio Grande do Norte.

Dois aliados-chave de Bolsonaro esmagaram aliados de Lula no primeiro turno das eleições para governador em Minas Gerais e Rio de Janeiro, o segundo e terceiro maiores estados em termos de número de eleitores, obtenado muito mais do que os “50% mais um” votos necessários para evitar um segundo turno. No estado mais populoso e industrializado do Brasil, São Paulo, o candidato do PT, Fernando Haddad, que perdeu a corrida presidencial para o Bolsonaro em 2018, ficou em um distante segundo lugar, atrás do aliado de Bolsonaro, Tarcísio de Freitas.

Os resultados são uma clara expressão da incapacidade e desprezo por qualquer apelo aos trabalhadores por parte do PT, que vem centrando sua campanha, em vez disso, em promessas de melhores relações diplomáticas com as potências imperialistas e “estabilidade” para a obtenção de lucros empresariais. Tais promessas não passam de uma reformulação da odiada e fraudulenta proposta neoliberal de “economia pelo lado da oferta” defendida pela ex-primeira-ministra britânica Margaret Tatcher, com promessas de que benefícios às grandes corporações poderiam criar bem-estar na base da pirâmide social.

Como esperado, o PT reagiu à sua derrota política com um giro não à esquerda, mas à direita. Dias após o primeiro turno, Lula deu o tom da campanha de segundo turno com um vídeo em que se declarava “a favor da vida” e que “não só ele, mas todas as mulheres com quem havia se casado” se opunham ao aborto, adotando a retórica de extrema-direita do próprio Bolsonaro. Alguns dias depois, o PT começou a reproduzir nas redes sociais um vídeo de Bolsonaro discursando em uma loja maçônica, com um aliado chave de Lula, o deputado André Janones, chegando ao ponto de declarar que o vídeo provava que Bolsonaro estaria servindo “o Anticristo”.

Enquanto isso, Lula e o PT firmaram uma aliança com a senadora Simone Tebet, que ficou em terceiro lugar no primeiro turno da corrida presidencial, com quase 5 milhões de votos, e era até poucos dias antes denunciada pelo PT como a “candidata dos banqueiros”. Tebet declarou na noite da votação, em 2 de outubro, que daria à sua coalizão dois dias para declarar sua posição no segundo turno antes de declarar a dela, eventualmente declarando-se em apoio a Lula enquanto sua coalizão, que obteve 60 cadeiras na Câmara, declarou “neutralidade”.

Na segunda-feira, Tebet e seu principal conselheiro econômico, o ex-presidente do Banco Central durante o odiado governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, Armínio Fraga, reuniram-se com 650 executivos e líderes empresariais para pedir votos para Lula. Eles apresentaram Lula como a última linha de defesa do apodrecido sistema político brasileiro, e especialmente do Supremo Tribunal Federal (STF), contra uma maioria bolsonarista no Congresso que poderia remover ministros e ajudar o presidente a se perpetuar no poder. Ao mesmo tempo, eles asseguraram ao público que a configuração ultra-direitista em ambas as casas do Congresso tornaria qualquer retórica populista que o PT empregasse impotente, se não natimorta, repetindo o mantra de Lula de que “o agronegócio e o mercado não têm nada a temer” em relação a ele.

Em São Paulo, onde o PT foi completamente surpreendido pela fraqueza de seu candidato Fernando Haddad, o partido prometeu esmagar a oposição social com punho de ferro. Em entrevista ao programa Roda Viva, da emissora pública TV Cultura, Haddad declarou que seu governo “não vai permitir invasão” de terras, referindo-se ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), ligado ao PT e que cumpre um papel central no teatro de esquerda do partido, o qual o próprio Lula procurou renegar anteriormente na campanha.

Seguindo a mesma linha, Lula atacou Bolsonaro no primeiro debate televisivo do segundo turno perguntando-lhe “quantas prisões de segurança máxima” ele havia construído, e afirmando orgulhosamente que havia construído cinco. Ele também se vangloriou de seu recorde de gastos militares, apelando para a própria base de Bolsonaro nas Forças Armadas, dizendo a Bolsonaro que “como deputado você tinha muito orgulho de me ter como presidente... você sabe que eu cuidei das Forças Armadas, o Exército não tinha botas, a Marinha não tinha navios”.

Este elogio reacionário de um aumento maciço dos gastos com segurança já havia sido feito pelo principal conselheiro de Lula e ex-ministro das Relações Exteriores e Defesa, Celso Amorim, em entrevista ao Estado de S. Paulo um dia antes do primeiro turno. Amorim declarou que Lula pretendia aumentar os gastos com defesa de 1,2% para 2% do PIB e criar nada menos que quatro novas agências de segurança – uma Guarda Nacional, uma Força de Fronteira, uma Patrulha Florestal e uma Guarda Costeira – ao mesmo tempo em que utilizaria ao máximo as brechas militares em acordos comerciais para implementar uma política industrial protecionista. Em outras palavras, Lula alinharia o Brasil com o giro internacional em direção a uma economia de guerra.

Fora das igrejas e reuniões com bilionários, a principal arena para a campanha tem sido o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde o PT está totalmente engajado em infindáveis processos pedindo a remoção de “informações falsas” da internet e das redes sociais, elevando o presidente do TSE Alexandre de Moraes à posição de árbitro do que é verdadeiro ou falso no debate público no país. Dentro de sua própria visão política estreita, o partido obteve uma grande vitória quando na semana passada Moraes ordenou a remoção de conteúdo divulgado por Bolsonaro ligando Lula aos conhecidos escândalos de corrupção que o PT supervisionou em seus 14 anos de governo. Por outro lado, o partido também sofreu derrotas quando Moraes ordenou a remoção do material difundido pelo PT ligando Bolsonaro ao canibalismo e à pedofilia.

De forma previsível, nenhuma destas manobras reacionárias para atrair líderes religiosos de ultra-direita e promessas de armar soldados até os dentes diminuiu em nada a extensão da crise política em que se encontra o Brasil, ou as ameaças autoritárias de Bolsonaro, que derivam dela. A escolha do PT de opor-se a Bolsonaro através da postura de zelotas anti-aborto e outros apelos retrógrados só fortaleceu o presidente fascistoide para intensificar sua retórica de “Deus, Pátria e Família”, um slogan derivado do movimento fascista histórico brasileiro, o Integralismo. Aqueles que apelam aos elementos mais atrasados da sociedade terão agora uma presença sem precedentes no Congresso com a eleição de representantes como a Senadora Damares Alves, ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos de Bolsonaro, que dedicou seu tempo no cargo à perseguição de equipes médicas que faziam abortos legais em menores de idade grávidas por estupro.

Mas o mais significativo é que Bolsonaro obteve um grande triunfo no silêncio das Forças Armadas sobre sua “contagem paralela de votos” em 2 de outubro. Tal “auditoria” havia sido anunciada com grande pompa antes das eleições, mas seus resultados foram retidos pelo Ministério da Defesa, segundo relatos na imprensa, por ordem de Bolsonaro e contra uma ordem do Tribunal de Contas da União.

O “silêncio” dos militares foi celebrado pelos jornais como uma grande conquista democrática, indicando que os militares supostamente “se afastaram” do processo eleitoral de modo a finalmente abrir um caminho dourado para a democracia.

Ao contrário do que prega tal raciocínio voluntarista, a não divulgação do relatório implica uma verdadeira crise constitucional, na qual os militares ou permanecem em silêncio e assim se alinham com um presidente mentiroso e golpista que tenta contrapor a derrota com alegações de fraude eleitoral, ou decide desafiá-lo, subvertendo a cadeia de comando. Bolsonaro está se apoiando na ambiguidade do silêncio dos militares para questionar a vantagem de Lula no primeiro turno como produto de uma fraude. Ele conclamou seus apoiadores fascistas a ocupar as seções eleitorais durante o segundo turno, em preparação precisamente para uma demonstração de força que acompanhe seu questionamento dos resultados, sabendo que a decisão final será tomada nos quartéis, qualquer que seja o resultado da votação de 30 de outubro.

Enquanto o PT procura acobertar a extensão da crise e negocia com líderes empresariais, ele também se apoia na pseudo-esquerda, que elegeu o deputado federal com o segundo maior número de votos no país e o maior número de votos no estado de São Paulo, Guilherme Boulos, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Boulos fez sua carreira política como líder da contraparte urbana do famoso MST, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

Após terminar em segundo lugar na corrida pela prefeitura de São Paulo em 2020, Boulos ofereceu à campanha direitista do PT em 2022 uma cobertura de esquerda, dizendo que sua presença no Congresso ajudaria a empurrar um novo governo Lula para a esquerda. Boulos aproveitou a oportunidade de uma entrevista com a CNN no dia 12 de outubro para minimizar o crescimento da extrema-direita, declarando que “metade d PL”, o partido de Bolsonaro, “não são bolsonaristas ou terra-planistas, mas pessoas que sempre estiveram por aí”. Em outras palavras, apesar das alegações do PT e do PSOL de que Lula precisa ser eleito para combater o “fascismo”, terminadas as eleições eles retomarão as negociações de cargos com a extrema-direita, na esperança de que a corrupção possa manter um novo governo Lula em pé diante de uma situação doméstica e internacional cada vez mais volátil e perigosa.

Estas declarações são politicamente criminosas e confirmam a avaliação do Grupo Socialista pela Igualdade do Brasil (GSI), antes do primeiro turno, de que um voto na coalizão de Lula não teria qualquer papel em impedir o avanço da extrema-direita no Brasil, e muito menos em aliviar as condições terríveis enfrentadas pelos trabalhadores brasileiros. O que é necessário é uma ruptura total com o PT e seus apoiadores, e uma estratégia socialista e internacionalista.

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